27/08/2007

ONU discute quem pagará a conta para aliviar o aquecimento global

ONU discute quem pagará a conta para aliviar o aquecimento global
Cálculos mostram que serão necessários US$ 210 bilhões por ano até 2030

DA REPORTAGEM LOCAL - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2708200703.htm

Após ficar provado que o aquecimento global do planeta é uma
realidade, chegou o momento, segundo a ONU (Organização das Nações
Unidas), de discutir com mais profundidade quem vai pagar a conta para
frear esse processo. E ela não será barata.
De hoje até a próxima sexta-feira, em Viena, na Áustria,
representantes da própria ONU, da iniciativa privada e de 160 países
vão discutir meios para que a contenção das emissões dos gases que
contribuem para o efeito estufa possa ocorrer de forma satisfatória
até 2030.
Um dos documentos que será colocado em discussão dá a real dimensão do
desafio. Os cálculos da ONU mostram que serão necessários
investimentos anuais de US$ 210 bilhões para que o aquecimento global
possa ser controlado. O ideal é que isso ocorra até 2030.
"Temos que aprofundar a questão do clima no contexto do crescimento
econômico", disse ontem Yvo de Boer, principal executivo da ONU para o
tema climático. Ele é o presidente da reunião em Viena, que será um
treino para a conferência de dezembro em Bali.
Se os países pobres acham que são os ricos que precisam transferir
recursos para ajudar nos processos de produção menos poluentes, o
documento da ONU traça outros caminhos. Um deles, é de como atrair
fundos privados para o debate

25/08/2007

Diplomacia - Ordem e Desordem no Mundo

Diplomacia
Ordem e Desordem no Mundo


Henry Kissinger



O ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, um reconhecido intelectual, com ampla formação histórica e política, tem dedicado os seus últimos anos de aposentadoria a publicar não só suas memórias como também um longo tratado sobre as relações diplomáticas da história ocidental dos últimos trezentos anos.


O Nascimento da Razão de Estado

"É coisa diferente o ser homem de bem segundo Deus e segundo os homens (...) Estas diferentes probidades são para desejar nos conselheiros do Estado; mas ainda é incerto se aquele que tem todas as qualidades exigidas pela do mundo tenha também ordinariamente aquelas que o tornam homem de bem diante de Deus."

Cardeal Richelieu - Testamento Político- circa 1642



O cardeal Richelieu, fundador da diplomacia moderna



Em pleno andamento da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), o cardeal Richelieu, ministro de Luís XIII da França, convenceu o seu soberano a ignorar a religião em que fora batizado, a católica, e aliar-se com os ímpios protestantes. O motivo disso, segundo o astuto cardeal, era que motivos mais fortes, as raisons d'état, assim o determinavam. O raciocínio do ministro era claro e bem objetivo. Um império poderoso como o dos Habsburgos, ainda que católico, nas vizinhanças da França, cercando-a de quase todos os lados, assemelhava-se a um garrote no pescoço do seu monarca. Era a luta de Laocoonte contra a grande serpente. Richelieu sabia que essa política devia ser executada ainda que fosse "contra o sentir de todo o mundo e contra os meus sentimentos particulares". Como ele registrou no seu Testamento, nem sempre aquele que pousa bem aos olhos de Deus e segue a sua religião, serve melhor ao Estado.


Um Grande Tratado de Diplomacia



Bismarck, a construção conservadora



Para Henry Kissinger, eis o nascimento do estadista moderno. Para ele, Richelieu é o primeiro "capaz de se desfazer das travas morais e religiosas do período medieval", em favor do Estado-nação (o que em nada difere do que Maquiavel dissera uns séculos antes sobre como devem agir os príncipes). Porém Diplomacia (Diplomacy, N. Iorque, 1994), o livro do prof. Kissinger, está longe de reduzir-se à dura lógica do florentino (*). É, antes de tudo, um impressionante tratado histórico-diplomático de mil páginas, que abarca, ainda que na ótica de um conservadorismo assumido, numa ambiciosa síntese, praticamente todos os conflitos e concepções da diplomacia moderna. Cobrindo os acontecimentos desde o século XVII até o presente: do cardeal Richelieu ao presidente Ronald Reagan. Nele desfilam, entre inúmeros outros, Metternich e Castlereagh, Napoleão III e Bismarck, Wilson e Clemenceau, Stresemann, Briand e Chamberlain, Hitler e Stalin, Roosevelt e Churchill, Kennedy e Krushev, Johnson e Ho Chi Min, Nixon e Brejnev, Reagan e Gorbachev, e, como não poderia deixar de ser, reserva-se um capítulo especial para a atuação de Kissinger com Le Duc Tho nos acordos dos anos de 1970 para tentar encerrar a matança no Vietnã

Doutrinas Rivais
Frustram-se os que nele procurarem intrigas, acreditando ser a diplomacia uma arte de tipos maliciosos, de voz aflautada e gestos adamados. Em cada um dos seus 31 capítulos, verdadeiras aulas, o ex-assessor do governo Nixon expõe exaustivamente as doutrinas colidentes que marcaram época. Atentando-se, de uma maneira especial, para as páginas onde se encontram as divergências entre o "estadista guerreiro" Theodor Roosevelt, para quem a guerra era natural, e o "sacerdote-profeta" Woodrow Wilson, que a via como coisa de gente degenerada. A perpétua desavença entre o "real" e o "ideal". Evidentemente não encontra causas predominantemente morais ou culturais para explicá-las.




Equilíbrio de Poderes versus Sociedade das Nações



Símbolo da ONU



Os desacertos entre americanos e europeus, no século XX, são exemplares. Os europeus, por força das injunções do passado, defendiam o equilíbrio de poderes, no qual cada nação armava-se e procurava no cenário internacional estabelecer alianças que a protegesse. Os Estados Unidos, por seu lado, sem sentirem-se ameaçados do mesmo modo, viam no equilíbrio de poderes dos europeus, que Wilson chamava com desprezo de "rivalidades organizadas", um sistema perigoso, como se fosse uma pilha de lanças e armas amontoadas ao seu lado, que, ao se desequilibrar, terminava de alguma forma desabando sobre os seus interesses. Daí defender uma solução como a Sociedade das Nações em 1919 e, em sua nova forma, a da ONU, em 1945. Se as discórdias mundiais pudessem ser abafadas ou arbitradas por uma grande assembléia, menores seriam os riscos de repetir-se as desgraças de 1914-18 e de 1939-45, permitindo aos americanos continuarem pacificamente usufruir sua prosperidade.


Um Novo Sistema Planetário da Diplomacia
O conhecido conservadorismo de Kissinger mantém-se na sua filosofia da história. A derrocada do sonho do império cristão universal, registra ele, assinala o fim do cosmo medieval, que girava ao redor do imperador do Sacro Império e do Papado. Daí derivou o moderno sistema planetário dos Estados-nacionais, acertado na Paz de Westfália em 1648. Cada reino, a partir de então, como um agente autônomo, tratou da sua própria segurança, provocando a insegurança dos demais. As guerras e as insurreições então se sucederam numa escala cada vez mais destrutiva. Cada abalo bélico ou revolucionário exigia uma reconstrução. Dessa forma, o grande estadista ou diplomata, tal como Metternich e ele mesmo, é o que reconstrói a ordem, não se importando se ela merecia sobreviver ou não, se correspondia a justiça ou não.




Westfália, o primeiro tratado moderno (1648)






Fascinado por Metternich



Metternich mas não Talleyrand



Numa época em que viveram Robespierre, Napoleão Bonaparte e Talleyrand, Kissinger reforça a sua admiração irrestrita - manifestada anteriormente na sua tese de doutoramento de 1957, O Mundo restaurado (A World Restored) -, por um diplomata de salão, o arquiconservador príncipe Metternich, cuja fatuidade até Balzac, que também lhe foi simpático, em reiteradas oportunidades registrou. Sem esquecer-se da sua indigna fuga de Viena durante a Revolução de 1848, parece que travestido de mulher. De certo modo é explicável: Kissinger viu-se como uma versão do século XX de Metternich, um conservador tendo que operar contra uma potência que pregava a subversão revolucionária: o austríaco contra a Revolução Francesa de 1789, ele contra a Revolução Russa de 1917

Velho Guerreiro-Frio



G. Kennan, mentor da guerra fria



O desconforto do leitor projeta-se ainda num outro aspecto. Esperava-se que com o final da guerra fria - o livro foi publicado cinco anos depois da queda do Muro de Berlim -, Kissinger revisasse criticamente a política de "contenção" (Containment), formulada pelo embaixador George Kennan em 1947, adotada pelos Estados Unidos no após-guerra. Ao demonizar e exagerar o perigo soviético, a política da "contenção" ao comunismo conduziu o mundo não só a uma obscena e imoral falsificação de tudo que foi possível, como provocou um gasto exorbitante em armamentos (mais de U$ 17 trilhões entre 1948-88), por pouco não provocando entre os EUA e a URSS a guerra das guerras: a guerra termonuclear. Kissinger, como um bom veterano guerreiro-frio, ainda a endossa.


Império é o do russos



Império é só o soviético



Há, naturalmente, certas excentricidades ideológicas. A palavra "império", no livro, é singularmente reservada pelo autor ao dos russos. Imagina-se que para Kissinger os Estados Unidos, com suas forças armadas espalhadas por todos os continentes e por todos mares e oceanos do globo, sejam uma espécie de associação filantrópica - um desinteressado exército da salvação bem intencionado -, apenas preocupados em levar os direitos humanos aos quatro cantos do mundo. Confirma assim um dos principais defeitos da concepção diplomática da história: a sua olímpica indiferença pelos interesses financeiros, industriais, comerciais e tantos outros que formam o reino da materialidade. Como se aos diplomatas, gente fina de salão, lhes vexasse discutir tais coisas vulgares.


O Homem da Détente



Kissinger como Narciso



Nada disso empana a imponência do livro e o fascínio narrativo do autor. É uma oportunidade rara privar-se com uma literatura desse porte. Não se trata só de um ensaio acadêmico, mas de um depoimento de um intelectual que alçou-se ao poder dos poderes. Como assessor presidencial, celebrizou-se como um dos arquitetos da "détente" com os comunistas, ainda que tivesse que enfrentar os "falcões" do Congresso, do Pentágono e da Casa Branca, que o consideraram "traidor". De certa forma é lamentável, do ponto de vista da confraria intelectual, que esse imenso talento seja hoje desperdiçado na prosaica ocupação de lobista internacional.

(*) Henry Kissinger, Diplomacia, Livraria Francisco Alves, RJ.

24/08/2007

O recomeço da história

O recomeço da história

09/01/2000
Autor: MILTON SANTOS
Editoria: MAIS! Página: 10
Edição: Nacional Jan 9, 2000
Seção: + BRASIL 500 D.C.
Legenda Foto: Participante do festival tecnológico Burning Man, nos EUA
Crédito Foto: France Presse - 3.set.99
Observações: PÉ BIOGRÁFICO

O recomeço da história

As novas condições materiais, base da globaliz ação perversa, poderão alavancar a mutação filosófica do homem

Vivemos em um mundo complexo, marcado na ordem material pela multiplicação incessante do número de objetos e na ordem imaterial pela infinidade de relações que aos objetos nos unem.

Nosso mundo é complexo e confuso ao mesmo tempo, graças à força com a qual a ideologia penetra nos objetos e ações. Por isso mesmo, a era da globalização, mais do que qualquer outra antes dela, exige uma interpretação sistêmica cuidadosa, de modo a permitir que cada coisa seja redefinida em relação ao todo planetário.

A grande sorte dos que desejam pensar a nossa época é a existência de uma técnica planetária, direta ou indiretamente presente em todos os lugares, e de uma política planetária, que une e norteia os objetos técnicos. Juntas, elas autorizam uma leitura ao mesmo tempo geral e específica, filosófica e prática, de cada ponto da Terra. Emerge, desse modo, uma universalidade empírica, de modo a ajudar na formulação de idéias que exprimam o que é o mundo e o que são os lugares.

Cria-se, de fato, um novo mundo. Para sermos ainda mais precisos, o que, afinal, se cria é o mundo como realidade histórica unitária, ainda que ele seja extremamente diversificado. Ele é datado com uma data substantivamente única, graças aos traços comuns de sua constituição técnica e à existência de um único motor das ações hegemônicas, representado pelo lucro em escala global. É isso, aliás, que, junto à informação generalizada, assegura a cada lugar a comunhão universal com todos os outros.

Ao contrário do que tanto se disse, a história universal não acabou; ela apenas começa. Antes o que havia era uma história de lugares, regiões, países. As histórias podiam ser, no máximo, continentais, em função dos impérios que se estabeleceram em uma escala mais ampla.

A vez da humanidade - O que até então se chamava de história universal era a visão pretensiosa de um país ou continente sobre os outros, considerados bárbaros ou irrelevantes. O ecúmeno era formado de frações separadas ou escassamente relacionadas do planeta. Somente agora a humanidade faz sua entrada na cena histórica como um bloco, entrada revolucionária, graças à interdependência das economias, dos governos, dos lugares. O movimento do mundo conhece uma só pulsação, ainda que as condições sejam diversas segundo continentes, países, lugares, valorizados pela sua forma de participação na produção dessa nova história.

Um dado importante de nossa época é a coincidência entre a produção dessa história universal e a relativa liberação do homem em relação à natureza. A denominação de era da inteligência poderia ter fundamento nesse fato concreto: os materiais hoje responsáveis pelas realizações preponderantes são cada vez mais objetos materiais manufaturados e não mais matérias-primas naturais. Na era da ecologia triunfante, é o homem quem fabrica a natureza, ou lhe atribui valor e sentido, por meio de suas ações já realizadas, em curso ou meramente imaginadas. As pretensões e a cobiça povoam e valorizam territórios desertos.

Todavia a mesma materialidade, atualmente utilizada para construir um mundo confuso e perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais humano. Basta que se completem as duas grandes mutações ora em gestação: a mutação tecnológica e a mutação filosófica da espécie humana.

A grande mutação tecnológica é dada com a emergência das técnicas da informação, as quais, ao contrário das técnicas das máquinas, são constitucionalmente divisíveis, flexíveis e dóceis, adaptáveis a todos os meios e culturas, ainda que o seu uso perverso atual seja subordinado aos interesses dos grandes capitais. Mas, quando sua utilização for democratizada, essas técnicas doces estarão a serviço do homem.

Por outro lado, muito falamos hoje nos progressos e nas promessas da engenharia genética, que conduziriam a uma mutação do homem biológico. Isso, porém, ainda é do domínio da história da ciência e da técnica. Pouco, no entanto, se fala das condições ainda hoje presentes, que podem assegurar uma mutação filosófica do homem, capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e também do planeta.

Nesse emaranhado de técnicas dentro do qual estamos vivendo, o homem descobre suas novas forças. Já que o meio ambiente é cada vez menos natural, o uso do entorno imediato pode ser menos aleatório. Aumenta a previsibilidade e a eficácia das ações. Ampliam-se e diversificam-se as escolhas, desde que se possa combinar adequadamente técnica e política.

O mundo misturado - O mundo fica mais perto de cada qual, não importa onde esteja. Criam-se, para todos, a certeza e a consciência de ser mundo e de estar no mundo, mesmo se ainda não o alcançamos em plenitude material ou intelectual. O próprio mundo se instala nos lugares, sobretudo nas grandes cidades, pela presença maciça de uma humanidade misturada, vinda de todos os quadrantes e trazendo consigo interpretações variadas e múltiplas que ao mesmo tempo se chocam e colaboram na produção renovada do entendimento e da crítica da existência. Assim, o cotidiano de cada qual se enriquece, pela experiência própria e pela do vizinho, tanto pelas realizações atuais como pelas perspectivas de futuro.

As ricas dialéticas da vida nos lugares criam, paralelamente, o caldo de cultura necessário à proposição e o exercício de uma nova política.

Ousamos, desse modo, pensar que a história do homem sobre a Terra dispõe afinal das condições objetivas, materiais e intelectuais, para superar o endeusamento do dinheiro e dos objetos técnicos e enfrentar o começo de uma nova trajetória. Aqui, não se trata de fixar datas para as etapas ou o

início do processo e, nessa ordem de idéias, o ano 2000, o novo século, o novo milênio são apenas momentos da folhinha, marcos num calendário.

Ora, a folhinha e o calendário são outros nomes para o relógio, por isso são convencionais, repetitivos e historicamente vazios. O que conta mesmo é o tempo das possibilidades efetivamente criadas, a que chamamos tempo empírico, cujas mudanças são marcadas pela irrupção de novos objetos, de novas ações e relações e de novas idéias.

As condições materiais já estão dadas para que se imponha a desejada grande mutação, mas o seu destino vai depender de como serão aproveitadas pela política. O que, talvez, seja irreversível são as técnicas, porque elas aderem ao território e ao cotidiano. Mas a globalização atual não é irreversível. Agora que estamos descobrindo o sentido de nossa presença no planeta, pode-se dizer que uma história universal verdadeiramente humana, finalmente, está começando.

Milton Santos é geógrafo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É autor, entre outros, de "Técnica, Espaço, Tempo. Globalização e Meio Técnico-Científico-Informacional" (Hucitec). Ele escreve a cada dois meses na seção "Brasil 500 d.C. do Mais!.