O MUNDO PÓS-AMERICANO
fonte: Le monde
No livro “The Post-American World”, Fareed Zakaria nos convida a olhar em volta e perceber o quanto símbolos de poder outrora imediatamente identificados com os Estados Unidos hoje enchem os olhos de cidadãos no “resto” do globo: o maior prédio do mundo fica em Taipei e o próximo será erguido em Dubai; a maior empresa pública de comércio fica em Beijing; a maior refinaria do mundo está sendo construída na Índia, o maior avião de passageiros, na Europa; o maior fundo de investimentos do planeta fica em Abu Dhabi; a grande indústria cinematográfica é Bollywood, não Hollywood; a maior montanha-russa fica em Singapura; o maior cassino, em Macao; e, na lista dos dez maiores shopping centers do mundo, nenhum é norte-americano. Por fim, nos mais recentes rankings, apenas duas das pessoas mais ricas do mundo são norte-americanas. Como alguém que acaba se dando conta de um óbvio silencioso, Zakaria inverte algumas premissas da atualidade e sentencia: “enquanto nos perguntamos por que eles nos odeiam, eles seguem em frente, muito mais interessados em partes mais dinâmicas do globo. O mundo mudou do anti-americanismo para o pós-americanismo”. O mundo pós-americano de Zakaria é o mesmo mundo “não-polar” de Richard Haass, autor de artigo de capa na Foreign Affairs. Para ambos, o presente momento histórico não assiste ao declínio norte-americano, mas a ascensão do “resto” – sim, esse é o termo usado por Zakaria, “the rest”. Para o editor da Newsweek, “the rest” significa os grandes mercados emergentes conforme designado por Antoine van Agtamel no seu The Emerging Markets Century (Free Press, 2007). Tal mercado inclui Brasil, Argentina, Chile, Malásia, México, Taiwan, Índia e China. Já para Haass, o resto é isso e mais um punhado de “poderes” regionais, como Egito, Venezuela e Austrália, algumas organizações internacionais – Banco Mundial, FMI e Liga Árabe de Estados –, mais algumas cidades-poder, como São Paulo e Xangai, além de outras entidades como o Hezbolah, a Cruz Vermelha e o Greenpeace. Para Zakaria, no que diz respeito a aspectos político e militar, nós ainda vivemos em um mundo unipolar, mas em todos os outros – industrial, financeiro, social e cultural – a distribuição de poder está mudando e afastando-se da dominação norte-americana. Haass vai mais longe ao afirmar que a característica que define o século 21 é a não-polaridade, ou seja, o mundo dominado não por um (unipolaridade), dois (bipolaridade) ou vários Estados (multipolaridade), mas por diversos atores, estatais e não-estatais, exercendo vários tipos de poder.
Essa temática já havia sido abordada na edição de janeiro de 2008 da Foreign Affairs, com o artigo de John Ikenberry, “The rise of China and the future of
the West”, que serviu como uma espécie de abre-alas para a atual edição da revista. Ikenberry é categórico na sua definição do mundo do século 21: “O momento unipolar norte-americano irá acabar. Se a guerra que definirá o século 21 for entre os Estados Unidos e a China, então a China vencerá, mas se a guerra for entre a China e um sistema ocidental renovado, então o Ocidente triunfará”. E como se processaria essa renovação? De acordo com Ikenberry, a ordem ocidental do pós-Segunda Guerra é única. Qualquer ordem dominada por uma potência é baseada em um mix de coerção e consenso. Porém, a ordem liderada pelos Estados Unidos é diferente, pois é mais liberal do que imperial e, por isso mesmo, tão acessível, legítima e durável, o que faz com que seja difícil derrubá-la e fácil aderir a ela. Assim, os Estados Unidos devem reinvestir na ordem ocidental, reforçando as características que encorajam engajamento e integração. Contudo, diferentemente de outros autores do passado, como Robert Gilpin, que acreditavam que tal ordem deveria ser reerguida a partir do antigo tripé Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão, Ikenberry, Zakaria e Haass insistem na necessidade de os Estados Unidos empreenderem esforços redobrados no sentido de integrar os Estados em ascensão, mais precisamente os BRIC’s, em instituições globais chave. Para Ikenberry, os EUA não tem como impedir a ascensão chinesa, mas podem fazer com que o poder chinês seja exercido dentro das normas e instituições que os Estados Unidos e seus aliados construíram ao longo das últimas décadas. A posição global dos EUA talvez esteja enfraquecendo, mas o sistema internacional que eles lideram pode continuar sendo a ordem dominante do século 21. E esse sistema só irá continuar funcionando se os newcomers forem chamados a assumir a posição que dignamente lhes cabe no latifúndio do poder mundial ou na governança global. Para o leitor brasileiro, o que chama a atenção é a constante referência ao país como um pólo de poder internacional. Em setembro de 2006, a revista The Economist publicou uma reportagem especial, intitulada The new titans: a survey of the world economy, segundo a qual o G-6 já não era mais a locomotiva da economia mundial, pois os novos carros-chefe da economia global seriam os BRIC’s – Brasil, Rússia, Índia e China. “BRIC’s” é o acrônimo cunhado pelo grupo Goldman Sachs para designar os quatro principais países emergentes do globo. Com base em projeções demográficas, modelos de acumulação de capital e crescimento de produtividade, o grupo especulou que: 1) em menos de 40 anos, as economias BRIC’s seriam maiores do que o atual G-6 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália);
2) do atual G-6, apenas os Estados Unidos e o Japão estarão entre as seis maiores economias do mundo em 2050. Essas seguirão uma ordem: China, Estados Unidos, Índia, Japão, Brasil e Rússia.
A inclusão do Brasil na seleta lista dos “grandes emergentes” tem fundamento. Em um relatório apresentado pelo periódico Asian Perspective, em 2007, sob o título Brazil: to be or not to be a BRIC?, Paulo Sotero e Leslie Elliott Armijo apresentam algumas das potencialidades brasileiras: 1) o Brasil é um poder “ocidental”, cujo alinhamento com os valores ocidentais não gera dúvidas ou temores; 2) temos um perfil de liderança pelo exemplo e pelo respeito, já que não possuímos capacidade militar ofensiva relevante; 3) somos uma potência ambiental que possui enormes recursos naturais e grande possibilidade de desenvolvimento agrícola; 4) temos uma política externa universal e com influência nos fóruns internacionais – vide G-20; 5) não enfrentamos problemas religiosos e/ou de minorias étnicas e conflitos separatistas (como a Rússia / chechenos, China / Tibet e Xinjiang e Índia / Caxemira); e, por fim; 6) o regime democrático brasileiro está consolidado. Claro que também temos as nossas fraquezas – absurda concentração de renda, educação de péssima qualidade e força militar risível. De qualquer maneira, o Brasil foi agrupado juntamente com três potências asiáticas, nuclearizadas, cujo desenvolvimento econômico se processou sob inspiração comunista e que, mesmo após a abertura de suas economias para o mercado, o Estado continua tendo papel central na condução da vida econômica do país. Se o “B” dos BRIC’s foi artificialmente ali introduzido para negar o sucesso do modelo asiático de desenvolvimento econômico orientado pelo Estado e inserção política internacional autônoma, ou se nossas potencialidades são mesmo inquestionáveis em um mundo que precisa de alimentos, combustíveis alternativos, modelos de democracia e lideranças capazes de agir sem o respaldo de armas nucleares, só o tempo dirá. Por hora, cabe aos formuladores de política externa brasileira e àqueles que pensam as relações internacionais do Brasil atentar para a atual posição que nosso país ocupa no debate intelectual norte-americano sobre a nova ordem mundial e quais são, exatamente, as vantagens e desvantagens, obrigações e potencialidades, de nossa inclusão no seleto grupo dos BRIC’s.
Vocação Diplomática
Análise de Relações Internacionais e Questões Atuais
07/09/2010
The Rise of China and the Future of the West | Foreign Affairs
The Rise of China and the Future of the West | Foreign Affairs
The rise of China will undoubtedly be one of the great dramas of the twenty-first century. China's extraordinary economic growth and active diplomacy are already transforming East Asia, and future decades will see even greater increases in Chinese power and influence. But exactly how this drama will play out is an open question. Will China overthrow the existing order or become a part of it? And what, if anything, can the United States do to maintain its position as China rises?
Some observers believe that the American era is coming to an end, as the Western-oriented world order is replaced by one increasingly dominated by the East. The historian Niall Ferguson has written that the bloody twentieth century witnessed "the descent of the West" and "a reorientation of the world" toward the East. Realists go on to note that as China gets more powerful and the United States' position erodes, two things are likely to happen: China will try to use its growing influence to reshape the rules and institutions of the international system to better serve its interests, and other states in the system -- especially the declining hegemon -- will start to see China as a growing security threat. The result of these developments, they predict, will be tension, distrust, and conflict, the typical features of a power transition. In this view, the drama of China's rise will feature an increasingly powerful China and a declining United States locked in an epic battle over the rules and leadership of the international system. And as the world's largest country emerges not from within but outside the established post-World War II international order, it is a drama that will end with the grand ascendance of China and the onset of an Asian-centered world order
The rise of China will undoubtedly be one of the great dramas of the twenty-first century. China's extraordinary economic growth and active diplomacy are already transforming East Asia, and future decades will see even greater increases in Chinese power and influence. But exactly how this drama will play out is an open question. Will China overthrow the existing order or become a part of it? And what, if anything, can the United States do to maintain its position as China rises?
Some observers believe that the American era is coming to an end, as the Western-oriented world order is replaced by one increasingly dominated by the East. The historian Niall Ferguson has written that the bloody twentieth century witnessed "the descent of the West" and "a reorientation of the world" toward the East. Realists go on to note that as China gets more powerful and the United States' position erodes, two things are likely to happen: China will try to use its growing influence to reshape the rules and institutions of the international system to better serve its interests, and other states in the system -- especially the declining hegemon -- will start to see China as a growing security threat. The result of these developments, they predict, will be tension, distrust, and conflict, the typical features of a power transition. In this view, the drama of China's rise will feature an increasingly powerful China and a declining United States locked in an epic battle over the rules and leadership of the international system. And as the world's largest country emerges not from within but outside the established post-World War II international order, it is a drama that will end with the grand ascendance of China and the onset of an Asian-centered world order
06/09/2010
Relaciones Internacionales
Opiniones Relaciones Internacionales
Esther Barbé
Idioma: CASTELLANO
Tema: Derecho Internacional
La sociedad internacional de nuestros días vive en un estado de incertidumbre y de conmoción. Las transformaciones en materia de seguridad (terrorismo, crimen transnacional, violación masiva de los Derechos Humanos) en la posguerra fría convergen con fenómenos propios de la globalización (nuevas tecnologías, cambio climático, desequilibrio económico) creándose lo que algunos autores han dado en llamar «nuevo tiempo mundial». Nuevo tiempo mundial que nos lleva a fijar nuestra atención en hechos (privatización de la guerra), en conceptos (gobernanza) o en objetivos (desarrollo sostenible) que constituyen desafíos apasionantes para el analista de las relaciones internacionales. Esta obra pretende poner al alcance del estudiante aproximaciones teóricas, conceptos de trabajo, datos básicos e instrumentos de análisis que le animen a seguir el fluir de la relaciones internacionales en esta agitada época. Estas páginas pretenden estimular a los estudiantes para que desarrollen una visión propia de la sociedad internacional. De ahí que el cuerpo central de la obra se vea complementado con una serie de textos, «estratégicamente» seleccionados, que inciten a «repensar» las relaciones internacionales: aportaciones teóricas de diverso signo, reflexiones políticas de destacados estadistas o propuestas de futuro para actores centrales en el marco internacional, como las Naciones Unidas. En suma, el conjunto de la obra ha sido concebido para ayudar al estudiante a desarrollar sus propias ideas. Todo ello habría de potenciar un bien cada día más escaso, pero no por ello menos necesario: el debate en las aulas.
Esther Barbé
Idioma: CASTELLANO
Tema: Derecho Internacional
La sociedad internacional de nuestros días vive en un estado de incertidumbre y de conmoción. Las transformaciones en materia de seguridad (terrorismo, crimen transnacional, violación masiva de los Derechos Humanos) en la posguerra fría convergen con fenómenos propios de la globalización (nuevas tecnologías, cambio climático, desequilibrio económico) creándose lo que algunos autores han dado en llamar «nuevo tiempo mundial». Nuevo tiempo mundial que nos lleva a fijar nuestra atención en hechos (privatización de la guerra), en conceptos (gobernanza) o en objetivos (desarrollo sostenible) que constituyen desafíos apasionantes para el analista de las relaciones internacionales. Esta obra pretende poner al alcance del estudiante aproximaciones teóricas, conceptos de trabajo, datos básicos e instrumentos de análisis que le animen a seguir el fluir de la relaciones internacionales en esta agitada época. Estas páginas pretenden estimular a los estudiantes para que desarrollen una visión propia de la sociedad internacional. De ahí que el cuerpo central de la obra se vea complementado con una serie de textos, «estratégicamente» seleccionados, que inciten a «repensar» las relaciones internacionales: aportaciones teóricas de diverso signo, reflexiones políticas de destacados estadistas o propuestas de futuro para actores centrales en el marco internacional, como las Naciones Unidas. En suma, el conjunto de la obra ha sido concebido para ayudar al estudiante a desarrollar sus propias ideas. Todo ello habría de potenciar un bien cada día más escaso, pero no por ello menos necesario: el debate en las aulas.
01/01/2010
Guerra Fria - EUA e Rússia devem renovar acordo de redução de armas nucleares.
Guerra fria dividiu mundo em blocos durante quase 50 anos
EUA e Rússia devem renovar acordo de redução de armas nucleares.
Conflito entre potências levou às corridas armamentista e espacial.
Do G1, em São Paulo
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Principais protagonistas da Guerra Fria, período histórico de conflitos indiretos que dividiu o mundo entre 1945 e 1991, Rússia e Estados Unidos estão próximos de chegar a um acordo sobre uma nova estratégia de redução de armas nucleares.
O último acordo, chamado de Tratado Estratégico de Redução de Armas (Start, na sigla em inglês), firmado em 1991, expira seu prazo de validade neste sábado (5). A Casa Branca espera que um novo acordo seja negociado antes do dia 10, a tempo de ser anunciado antes que o presidente Barack Obama receba o prêmio Nobel da Paz.
O presidente da Rússia, Dimitri Medvedev, e seu colega dos EUA, Barack Obama, durante encontro em 10 de julho na cúpula do G8 na Itália. (Foto: AFP)
Um acordo nuclear reduziria o impacto negativo de Obama receber o prêmio logo após ter anunciado o envio de mais 30 mil homens à Guerra do Afeganistão.
Duas principais potências nucleares do mundo, EUA e Rússia (então parte da União da Repúblicas Socialistas Soviética - URSS) disputaram influência política, econômica e ideológica e polarizaram boa parte do mundo em dois grandes blocos capitalista e socialista no período compreendido entre o fim da Segunda Guerra, em 1945, e a dissolução da União Soviética, em 1991.
O conflito é chamado de “Guerra Fria” porque as duas potências não travaram uma guerra direta, mas iniciaram a corrida pela construção de um grande arsenal de armas nucleares. Os dois países também se envolveram indiretamente numa série de conflitos regionais, apoiando os seus aliados nas guerras da Coreia (1950-1953), do Vietnã (1962-1975) e do Afeganistão (1979-1989), entre outras.
Divisão
Ao final da Segunda Guerra, a Alemanha derrotada foi dividida em quatro áreas de ocupação pelas potências vencedoras. Três anos depois, Estados Unidos, Reino Unido e França resolveram criar um Estado único provisório e fazem uma reforma monetária a fim de controlar a inflação galopante da Alemanha Ocidental e aumentando o isolamento da União Soviética, que controlava a quarta região.
Em julho de 1947, os EUA anunciaram o Plano Marshal, que ofereceu ajuda econômica para reconstruir os países aliados da Europa. Em resposta, a URSS lançou o Comecon, para garantir auxílio mútuo entre os países socialistas em 1949.
No mesmo ano, os soviéticos explodiram sua primeira bomba, dando início à chamada “corrida nuclear”. EUA, Canadá e os princiais países da Europa capitalista criam a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar que visava proteger os países membros em caso de ataque do leste europeu.
Apoio a guerras
Nos anos 50, os Estados Unidos endureceram a perseguição aos ideais soviéticos com a criação, pelo senador John McCarthy, de um comitê de investigação de atividades comunistas. Todo aquele que apoiasse ou cometesse atos considerados comunistas ficava sujeito a prisão ou extradição.
A política de contenção às atividades comunistas também levou os EUA a apoiar duas guerras: a da Coreia, que resultou na criação de duas nações, uma capitalista no sul, e outra comunista no norte, e a do Vietnã, que também tem participação direta da URSS, e da qual os EUA saem derrotados. Os dois países também testaram suas primeiras bombas de hidrogênio, e a União Soviética reuniu seus aliados na Europa Oriental no Pacto de Varsóvia, em 1955, uma espécie de resposta à Otan.
Corrida espacial
O desenvolvimento tecnológico na produção de mísseis e foguetes também levou as duas potências a uma corrida espacial. Em 1957, a URSS lançou o Sputinik I e o Sputinik II, primeiro artefatos humanos a orbitarem a Terra. O segundo levou a bordo a cadela Laika. No ano seguinte, os EUA entrariam na disputa com o lançamento do Explorer I.
Em 12 de abril de 1961, o russo Yuri Gagarin deu uma volta completa ao redor do planeta, tornando-se o primeiro homem a entrar em órbita. A resposta americana viria em 1969, com a transmissão, ao vivo por redes de televisão, da chegada do primeiro homem à lua.
Muro de Berlim
Em terra, a disputa endureceu ainda mais com a construção, em 1961, do Muro de Berlim, que dividiu a fisicamente a cidade (e boa parte do mundo) em zonas de influência capitalista e comunista. Em 1962, a tensão entre as duas potências chegou à beira do conflito aberto quando os EUA descobriram a construção de bases militares soviéticas em Cuba.
O episódio conhecido como crise dos mísseis terminou com um acordo, mediado pelas Nações Unidas, em que a URSS se compreteu a retirar da ilha todas as suas armas e os Estados Unidos a acabar com o embargo à Cuba – medida que não foi cumprida até hoje.
A fim de tentar conter a corrida armamentista, Estados Unidos, União Soviética e Grã-Bretanha assinaram em 1963 um tratado de não-proliferação de armas nucleares. O jogo político começou a ganhar novos contornos em 1968 e 1969 com ideias de abertura política na Tchecoslováquia e na Alemanha.
Distenção
Em 1973, as duas potências concordaram em desacelerar a corrida armamentista. O acordo é selado simbolicamente com um encontro no espaço entre as aeronaves Apollo 18 e Soyouz 1, na primeira missão conjunta entre os dois países, em 1975.
Quatro anos mais tarde, no entanto, os ânimos voltaram a se exaltar com a invasão soviética ao Afeganistão. Na batalha contra a ocupação soviética, os EUA apoiam a resistência, que mais tarde dariam origem ao Talibã.
Perestroika e Glasnost
Mikhail Gorbachev chegou ao poder em 1985 pregando a necessidade de reformar a URSS. Ficaram conhecidas as duas principais medidas lançadas pelo líder soviético: a Perestroika, plano de reforma econômica que previa a diminuição do orçamento militar -e a conseqüente retirada do Afeganistão- e a Glasnost, reforma política que garante liberdade religiosa e transparência.
Gorbachev também se encontraria com o então presidente americano Ronald Regan, em 1986. Os dois assinariam, no ano seguinte, um tratado para eliminação de armas e desativação de grande parte das ogivas nucleares.
O ano de 1989 foi marcado por uma série de revoltas populares pedindo o fim do regime socialista, que se espalham por Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária, Romênia. O processo culmina com a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro, que para muitos marcou o fim da Guerra Fria.
Veja cobertura especial sobre os 20 anos da queda do Muro de Berlim
A dissolução da União Soviética no fim dos anos 80 e início dos 90, no entanto, tornou sem sentido o mundo polarizado. Embora, 13 anos depois, Estados Unidos e Rússia ainda continuem a negociar acordos para garantir a redução das armas nucleares dos dois países.
EUA e Rússia devem renovar acordo de redução de armas nucleares.
Conflito entre potências levou às corridas armamentista e espacial.
Do G1, em São Paulo
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Principais protagonistas da Guerra Fria, período histórico de conflitos indiretos que dividiu o mundo entre 1945 e 1991, Rússia e Estados Unidos estão próximos de chegar a um acordo sobre uma nova estratégia de redução de armas nucleares.
O último acordo, chamado de Tratado Estratégico de Redução de Armas (Start, na sigla em inglês), firmado em 1991, expira seu prazo de validade neste sábado (5). A Casa Branca espera que um novo acordo seja negociado antes do dia 10, a tempo de ser anunciado antes que o presidente Barack Obama receba o prêmio Nobel da Paz.
O presidente da Rússia, Dimitri Medvedev, e seu colega dos EUA, Barack Obama, durante encontro em 10 de julho na cúpula do G8 na Itália. (Foto: AFP)
Um acordo nuclear reduziria o impacto negativo de Obama receber o prêmio logo após ter anunciado o envio de mais 30 mil homens à Guerra do Afeganistão.
Duas principais potências nucleares do mundo, EUA e Rússia (então parte da União da Repúblicas Socialistas Soviética - URSS) disputaram influência política, econômica e ideológica e polarizaram boa parte do mundo em dois grandes blocos capitalista e socialista no período compreendido entre o fim da Segunda Guerra, em 1945, e a dissolução da União Soviética, em 1991.
O conflito é chamado de “Guerra Fria” porque as duas potências não travaram uma guerra direta, mas iniciaram a corrida pela construção de um grande arsenal de armas nucleares. Os dois países também se envolveram indiretamente numa série de conflitos regionais, apoiando os seus aliados nas guerras da Coreia (1950-1953), do Vietnã (1962-1975) e do Afeganistão (1979-1989), entre outras.
Divisão
Ao final da Segunda Guerra, a Alemanha derrotada foi dividida em quatro áreas de ocupação pelas potências vencedoras. Três anos depois, Estados Unidos, Reino Unido e França resolveram criar um Estado único provisório e fazem uma reforma monetária a fim de controlar a inflação galopante da Alemanha Ocidental e aumentando o isolamento da União Soviética, que controlava a quarta região.
Em julho de 1947, os EUA anunciaram o Plano Marshal, que ofereceu ajuda econômica para reconstruir os países aliados da Europa. Em resposta, a URSS lançou o Comecon, para garantir auxílio mútuo entre os países socialistas em 1949.
No mesmo ano, os soviéticos explodiram sua primeira bomba, dando início à chamada “corrida nuclear”. EUA, Canadá e os princiais países da Europa capitalista criam a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar que visava proteger os países membros em caso de ataque do leste europeu.
Apoio a guerras
Nos anos 50, os Estados Unidos endureceram a perseguição aos ideais soviéticos com a criação, pelo senador John McCarthy, de um comitê de investigação de atividades comunistas. Todo aquele que apoiasse ou cometesse atos considerados comunistas ficava sujeito a prisão ou extradição.
A política de contenção às atividades comunistas também levou os EUA a apoiar duas guerras: a da Coreia, que resultou na criação de duas nações, uma capitalista no sul, e outra comunista no norte, e a do Vietnã, que também tem participação direta da URSS, e da qual os EUA saem derrotados. Os dois países também testaram suas primeiras bombas de hidrogênio, e a União Soviética reuniu seus aliados na Europa Oriental no Pacto de Varsóvia, em 1955, uma espécie de resposta à Otan.
Corrida espacial
O desenvolvimento tecnológico na produção de mísseis e foguetes também levou as duas potências a uma corrida espacial. Em 1957, a URSS lançou o Sputinik I e o Sputinik II, primeiro artefatos humanos a orbitarem a Terra. O segundo levou a bordo a cadela Laika. No ano seguinte, os EUA entrariam na disputa com o lançamento do Explorer I.
Em 12 de abril de 1961, o russo Yuri Gagarin deu uma volta completa ao redor do planeta, tornando-se o primeiro homem a entrar em órbita. A resposta americana viria em 1969, com a transmissão, ao vivo por redes de televisão, da chegada do primeiro homem à lua.
Muro de Berlim
Em terra, a disputa endureceu ainda mais com a construção, em 1961, do Muro de Berlim, que dividiu a fisicamente a cidade (e boa parte do mundo) em zonas de influência capitalista e comunista. Em 1962, a tensão entre as duas potências chegou à beira do conflito aberto quando os EUA descobriram a construção de bases militares soviéticas em Cuba.
O episódio conhecido como crise dos mísseis terminou com um acordo, mediado pelas Nações Unidas, em que a URSS se compreteu a retirar da ilha todas as suas armas e os Estados Unidos a acabar com o embargo à Cuba – medida que não foi cumprida até hoje.
A fim de tentar conter a corrida armamentista, Estados Unidos, União Soviética e Grã-Bretanha assinaram em 1963 um tratado de não-proliferação de armas nucleares. O jogo político começou a ganhar novos contornos em 1968 e 1969 com ideias de abertura política na Tchecoslováquia e na Alemanha.
Distenção
Em 1973, as duas potências concordaram em desacelerar a corrida armamentista. O acordo é selado simbolicamente com um encontro no espaço entre as aeronaves Apollo 18 e Soyouz 1, na primeira missão conjunta entre os dois países, em 1975.
Quatro anos mais tarde, no entanto, os ânimos voltaram a se exaltar com a invasão soviética ao Afeganistão. Na batalha contra a ocupação soviética, os EUA apoiam a resistência, que mais tarde dariam origem ao Talibã.
Perestroika e Glasnost
Mikhail Gorbachev chegou ao poder em 1985 pregando a necessidade de reformar a URSS. Ficaram conhecidas as duas principais medidas lançadas pelo líder soviético: a Perestroika, plano de reforma econômica que previa a diminuição do orçamento militar -e a conseqüente retirada do Afeganistão- e a Glasnost, reforma política que garante liberdade religiosa e transparência.
Gorbachev também se encontraria com o então presidente americano Ronald Regan, em 1986. Os dois assinariam, no ano seguinte, um tratado para eliminação de armas e desativação de grande parte das ogivas nucleares.
O ano de 1989 foi marcado por uma série de revoltas populares pedindo o fim do regime socialista, que se espalham por Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária, Romênia. O processo culmina com a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro, que para muitos marcou o fim da Guerra Fria.
Veja cobertura especial sobre os 20 anos da queda do Muro de Berlim
A dissolução da União Soviética no fim dos anos 80 e início dos 90, no entanto, tornou sem sentido o mundo polarizado. Embora, 13 anos depois, Estados Unidos e Rússia ainda continuem a negociar acordos para garantir a redução das armas nucleares dos dois países.
17/08/2009
Os dez princípios para a inovação social e formação de redes sociais
os dez princípios para a inovação social e formação de redes sociais. São eles:
Defina a causa, a missão, quais os resultados que se pretende e como dimensionar esses resultados. “É preciso usar a mente e buscar resultados mensuráveis”, explicou.
Busque o comprometimento local. Identifique quem são as pessoas que podem se comprometer localmente com a causa.
Converse com essas pessoas, dialogue com elas até alcançar o consenso. A partir do consenso o interesse se intensifica.
Neste ponto entram as empresas. As empresas podem usar a mente, o raciocínio para projetar sistemas que permitam tornar um produto ou serviço acessível, na base, por exemplo, de 1 dólar. “Não ter dinheiro é uma situação que força a inovação”, disse Charan.
Projete um sistema. Mas é preciso ter em mente que o sistema só vai funcionar se as pessoas executoras concordarem com esse sistema. Caso contrário, é preciso voltar ao diálogo.
Identifique líderes na comunidade. Pessoas de paixão e confiáveis. Segundo Charan, nenhum grupo de pessoas ou comunidade alcança a sustentabilidade sem um líder, seja ele eleito, indicado informalmente ou escolhido.
Não busque a publicidade e o elogio pelo sucesso alcançado. “A satisfação pessoal não é medida pela publicidade da sua iniciativa”, disse.
Mantenha reuniões periódicas com pessoas de empresas, universidades, autoridades públicas. Estabeleça prioridades, mas não queira nunca abraçar o mundo. Escolha três prioridades, com base na sua causa, nos resultados e mensuração dos resultados. Use palavras exatas, evitando conceitos e definições genéricas.
Busque a criatividade do grupo envolvido no trabalho. É preciso identificar quais os recursos, em termos de criatividade, com que se pode contar para o desenvolvimento das ações.
Tenha em mente que a vida é a felicidade. Seja feliz e, mais importante, faça outras pessoas felizes.
Arquivado em: Artigos | Etiquetado: ação
Defina a causa, a missão, quais os resultados que se pretende e como dimensionar esses resultados. “É preciso usar a mente e buscar resultados mensuráveis”, explicou.
Busque o comprometimento local. Identifique quem são as pessoas que podem se comprometer localmente com a causa.
Converse com essas pessoas, dialogue com elas até alcançar o consenso. A partir do consenso o interesse se intensifica.
Neste ponto entram as empresas. As empresas podem usar a mente, o raciocínio para projetar sistemas que permitam tornar um produto ou serviço acessível, na base, por exemplo, de 1 dólar. “Não ter dinheiro é uma situação que força a inovação”, disse Charan.
Projete um sistema. Mas é preciso ter em mente que o sistema só vai funcionar se as pessoas executoras concordarem com esse sistema. Caso contrário, é preciso voltar ao diálogo.
Identifique líderes na comunidade. Pessoas de paixão e confiáveis. Segundo Charan, nenhum grupo de pessoas ou comunidade alcança a sustentabilidade sem um líder, seja ele eleito, indicado informalmente ou escolhido.
Não busque a publicidade e o elogio pelo sucesso alcançado. “A satisfação pessoal não é medida pela publicidade da sua iniciativa”, disse.
Mantenha reuniões periódicas com pessoas de empresas, universidades, autoridades públicas. Estabeleça prioridades, mas não queira nunca abraçar o mundo. Escolha três prioridades, com base na sua causa, nos resultados e mensuração dos resultados. Use palavras exatas, evitando conceitos e definições genéricas.
Busque a criatividade do grupo envolvido no trabalho. É preciso identificar quais os recursos, em termos de criatividade, com que se pode contar para o desenvolvimento das ações.
Tenha em mente que a vida é a felicidade. Seja feliz e, mais importante, faça outras pessoas felizes.
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MinC promove ciclo de conferências sobre a experiência do pensamento
MinC promove ciclo de conferências sobre a experiência do pensamento
O Ministério da Cultura (MinC) promove com patrocínio da Petrobras, a partir de hoje, 17/8, o 3º Ciclo de Conferências do Programa Cultura e Pensamento, em torno do tema "Mutações: a experiência do pensamento". Estão programadas conferências nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte (entre 17/8 e 9/10) e Brasília (entre 31/8 e 8/10). As inscrições podem ser feitas na Academia Brasileira de Letras (para as conferências no Rio). As conferências do Rio de Janeiro serão transmitidas ao vivo pela internet. Um resumo sobre o conteúdo das conferências está em nota do MinC sobre a iniciativa
O Ministério da Cultura (MinC) promove com patrocínio da Petrobras, a partir de hoje, 17/8, o 3º Ciclo de Conferências do Programa Cultura e Pensamento, em torno do tema "Mutações: a experiência do pensamento". Estão programadas conferências nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte (entre 17/8 e 9/10) e Brasília (entre 31/8 e 8/10). As inscrições podem ser feitas na Academia Brasileira de Letras (para as conferências no Rio). As conferências do Rio de Janeiro serão transmitidas ao vivo pela internet. Um resumo sobre o conteúdo das conferências está em nota do MinC sobre a iniciativa
31/03/2009
OIT e Banco Mundial recomendam aumento de gastos sociais como resposta à crise
OIT e Banco Mundial recomendam aumento de gastos sociais como resposta à crise
Em relatório divulgado na última semana, a Organização Mundial do Trabalho (OIT) afirmou que a ampliação do Programa Bolsa-Família pode contribuir para reduzir os impactos da crise econômica mundial no Brasil. Em sintonia com a apreensão manifestada por autoridades internacionais acerca dos impactos sociais da crise econômica na América Latina, o relatório recomenda que os governos da região aumentem gastos sociais como forma de estímulo econômico para a superação da crise.
Os indicadores sociais delineados até o instante são preocupantes: segundo estudo do Banco Mundial, em 2009, a crise econômica vai aumentar em 6 milhões o número de indivíduos considerados pobres na América Latina. Segundo dados da OIT, a crise econômica poderá implicar aumento para 7,1% na taxa global de desemprego em 2009, comparativamente às taxas de 6% e 5,7% registradas nos dois anos anteriores. Caso as projeções sejam confirmadas, o número de desempregados chegaria a quase 230 milhões, dentre os quais 23 milhões seriam da América Latina.
Diante deste contexto, o diretor de política econômica e programas de redução da pobreza na América Latina e no Caribe do Banco Mundial, Marcelo Giugale, sustenta que a resposta a ser dada pelos países da região não pode ser a mesma dos países desenvolvidos (PDs). Para ele, deve haver especial preocupação com os “custos sociais irreversíveis da crise”, como a má nutrição, o abandono escolar e o fraco atendimento médico. Mesmo ressaltando que os países deverão redobrar o cuidado para que os recentes avanços macroeconômicos – como o controle da inflação e o equilíbrio das contas públicas – não sejam perdidos, Giugale enfatiza que o estímulo à recuperação econômica não poderá se restringir aos âmbitos fiscal e monetário: deve cobrir também o social.
Giugale sustenta que os custos dos programas sociais são relativamente baixos, em relação aos benefícios que proporcionam. Enquanto os governos latino-americanos gastam entre 5 a 10% do PIB em subsídios, programas como o Bolsa Família respondem por apenas 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Tais gastos trariam, contudo, benefícios a toda a economia: “Os pobres têm propensão a consumir mais do que os ricos porque têm necessidades insatisfeitas. O impacto na demanda agregada de focalizar gastos públicos nos pobres é maior e mais rápido”.
Nesse mesmo sentido, o relatório elaborado pela OIT – intitulado Bolsa Família no Brasil: análise, conceito e impactos – constata que o dinheiro recebido pelas famílias contempladas é utilizado principalmente na compra de bens de primeira necessidade, como alimentos, roupas e material escolar, de modo que o programa exerceria efeito direto sobre a demanda destes bens. A OIT entende que o Bolsa Família desempenha importante papel anticíclico, na medida em que promove o comércio e o desenvolvimento locais.
Para além de seus efeitos econômicos, a OIT estima que 25% da redução da pobreza extrema no Brasil podem ser atribuídos ao Bolsa Família, além de benefícios sociais indiretos como a queda da mortalidade e desnutrição infantis, a emancipação da mulher e a diminuição da violência conjugal.
Em relatório divulgado na última semana, a Organização Mundial do Trabalho (OIT) afirmou que a ampliação do Programa Bolsa-Família pode contribuir para reduzir os impactos da crise econômica mundial no Brasil. Em sintonia com a apreensão manifestada por autoridades internacionais acerca dos impactos sociais da crise econômica na América Latina, o relatório recomenda que os governos da região aumentem gastos sociais como forma de estímulo econômico para a superação da crise.
Os indicadores sociais delineados até o instante são preocupantes: segundo estudo do Banco Mundial, em 2009, a crise econômica vai aumentar em 6 milhões o número de indivíduos considerados pobres na América Latina. Segundo dados da OIT, a crise econômica poderá implicar aumento para 7,1% na taxa global de desemprego em 2009, comparativamente às taxas de 6% e 5,7% registradas nos dois anos anteriores. Caso as projeções sejam confirmadas, o número de desempregados chegaria a quase 230 milhões, dentre os quais 23 milhões seriam da América Latina.
Diante deste contexto, o diretor de política econômica e programas de redução da pobreza na América Latina e no Caribe do Banco Mundial, Marcelo Giugale, sustenta que a resposta a ser dada pelos países da região não pode ser a mesma dos países desenvolvidos (PDs). Para ele, deve haver especial preocupação com os “custos sociais irreversíveis da crise”, como a má nutrição, o abandono escolar e o fraco atendimento médico. Mesmo ressaltando que os países deverão redobrar o cuidado para que os recentes avanços macroeconômicos – como o controle da inflação e o equilíbrio das contas públicas – não sejam perdidos, Giugale enfatiza que o estímulo à recuperação econômica não poderá se restringir aos âmbitos fiscal e monetário: deve cobrir também o social.
Giugale sustenta que os custos dos programas sociais são relativamente baixos, em relação aos benefícios que proporcionam. Enquanto os governos latino-americanos gastam entre 5 a 10% do PIB em subsídios, programas como o Bolsa Família respondem por apenas 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Tais gastos trariam, contudo, benefícios a toda a economia: “Os pobres têm propensão a consumir mais do que os ricos porque têm necessidades insatisfeitas. O impacto na demanda agregada de focalizar gastos públicos nos pobres é maior e mais rápido”.
Nesse mesmo sentido, o relatório elaborado pela OIT – intitulado Bolsa Família no Brasil: análise, conceito e impactos – constata que o dinheiro recebido pelas famílias contempladas é utilizado principalmente na compra de bens de primeira necessidade, como alimentos, roupas e material escolar, de modo que o programa exerceria efeito direto sobre a demanda destes bens. A OIT entende que o Bolsa Família desempenha importante papel anticíclico, na medida em que promove o comércio e o desenvolvimento locais.
Para além de seus efeitos econômicos, a OIT estima que 25% da redução da pobreza extrema no Brasil podem ser atribuídos ao Bolsa Família, além de benefícios sociais indiretos como a queda da mortalidade e desnutrição infantis, a emancipação da mulher e a diminuição da violência conjugal.
17/02/2009
Resumo de Esaú e Jacó - Machado de Assis
Resumo de Esaú e Jacó - Machado de Assis
Publicado em 1904, Esaú e Jacó é o penúltimo romance de Machado de Assis.
O título é extraído da Bíblia, remetendo-nos ao Gênesis: à história de Rebeca, que privilegia o filho Jacó, em detrimento do outro filho, Esaú, fazendo-os inimigos irreconciliáveis. A inimizade dos gêmeos Pedro e Paulo, do romance de Machado, não tem causa explícita, daí a denominação de romance "Ab Ovo" (desde o ovo).
É o romance da ambigüidade, narrado em 3ª pessoa, pelo Conselheiro Aires. Pedro e Paulo seriam "os dois lados da verdade". Filhos gêmeos de Natividade e Agostinho Santos, à medida que vão crescendo, os irmãos começam a definir seus temperamentos diversos: são rivais em tudo. Paulo é impulsivo, arrebatado, Pedro é dissimulado e conservador - o que vem a ser motivo de brigas entre os dois. Já adultos, a causa principal de suas divergências passa a ser de ordem política - Paulo é republicano e Pedro, monarquista. Estamos em plena época da Proclamação da República, quando decorre a ação do romance.
Para apaziguar a discórdia fraterna, de nada valem os conselhos de Aires, amigo de Natividade, nem as previsões de discórdia e grandeza feitas por uma adivinha (A Cabocla do Castelo), quando os gêmeos tinham ainda um ano.
Até em seus amores, os gêmeos são competitivos. Flora, a moça de quem ambos gostam, se entretém com um e outro, sem se decidir por nenhum dos dois: a moça é retraída, modesta, e seu temperamento avesso a festas e alegrias, isso levou o Conselheiro Aires a dizer que ela era "inexplicável". O conselheiro Aires é mais um grande personagem da galeria machadiana, que reaparecerá como memorialista no próximo e último romance do autor: velho diplomata aposentado, de hábitos discretos e gosto requintado, amante de citações eruditas, muitas vezes interpreta o pensamento do próprio romancista.
As divergências entre os irmãos continuam, muito embora, com a morte de Flora, tenham jurado junto a seu túmulo uma reconciliação perpétua. A morte da moça, porém, une temporariamente os gêmeos, mais tarde, também a morte de Natividade cria uma trégua entre ambos, mas logo se lançam às disputas.
Continuam a se desentender, agora em plena tribuna, depois que ambos se elegeram deputados por dois partidos diferentes, absolutamente irreconciliáveis: cumpre-se, portanto, a previsão da adivinha: ambos seriam grandes, mas inimigos.
Comentário e estudo:
100 ANOS DE ESAÚ E JACÓ
O penúltimo romance de Machado de Assis reflete com maestria sua ambígua posição política
por Fabio Guimenes (guimenes@yahoo.com.br)
Joaquim José Maria Machado de Assis (1839-1908) é unanimemente celebrado como um dos maiores escritores brasileiros. Nenhum outro reuniu um interesse tão generalizado em torno de sua vida e obra. Este prestígio, que outros escritores mais populares não conseguiram alcançar, o situa à parte, representando por si só um momento incomparável na sucessão das escolas literárias. Destoante pelo pensamento e pelo estilo da tradição literária, Machado de Assis marca seu próprio estilo, fazendo crer ao seu leitor que se colocava face aos acontecimentos históricos que presenciou como simples espectador.
“As décadas situadas em torno da transição dos séculos XIX e XX (...)” diz Nicolau Svcenko, em seu livro Literatura como Missão - Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República , “(...) assinalavam mudanças drásticas em todos os setores da vida brasileira. Mudanças que foram registradas pela literatura, mas, sobretudo mudanças que se transformaram em literatura.”
Nos primeiros anos da República, a intranqüilidade social e política abatia a todos os que tinham esperança no novo regime. Numa época em que os Realistas se desdobravam em detalhes grosseiros, Machado preferia sugerir a declarar. Olhando a natureza como um míope, ele, em compensação, devassa e penetra a alma dos homens, para aí sim, exibi-la em opulência de detalhes. O estudo da obra machadiana ainda nos coloca uma série de obstáculos. Como diz José Barreto Filho em seu livro Introdução à obra de Machado de Assis , “Machado nos quis dizer um segredo, mas o fêz com tanta reserva que não pôde formular talvez, nem para si mesmo”.
Definir em que consiste este universo tem sido tema de artigos, livros e pesquisas, cada qual trazendo sua interpretação. O objetivo deste ensaio é mostrar como Machado de Assis tornou-se um excelente retratista de seu tempo. Através de sua literatura, pode-se conhecer o que de mais característico havia no Rio de Janeiro. Machado não escreveu a História dos Subúrbios, prometida em Dom Casmurro através do personagem-narrador, mas, em compensação, compôs, através de sua visão, a história política e social de toda a cidade, quando esta exercia ainda segundo Sevcenko “papel preponderante, senão hegemônico, como capital cultural, além de ser o centro das decisões políticas e administrativas”.
Em sua dissertação de mestrado, defendida em 1985 na UFF intitulada A República do Pica-pau Amarelo , o Professor Doutor André Luiz Vieira de Campos diz que “mais do que simples testemunho da sociedade, a literatura pode revelar seus conflitos dissimulados e desejos não realizados”. Não há produção humana desvinculada da realidade de seu tempo; por isso, a literatura sempre foi um importante instrumento na formação da mentalidade das elites do país.
Esaú e Jacó , escrito em 1904, foi o penúltimo romance de Machado de Assis, trazendo uma particularidade: reflete a posição política de um homem tido como alheio aos movimentos de tal natureza. O escritor retoma, no título, a referência bíblica — típica de sua ficção — remetendo a história de Pedro e Paulo ao episódio do Antigo Testamento ( Gênesis, capítulos 27 a 33) . Os gêmeos nos trazem reflexões políticas que, certamente, ocupavam o imaginário da época, além de Flora, apaixonada pelos irmãos, que caracteriza a indecisão, marca registrada da obra machadiana, que nada afirma sem, logo a seguir, meter a dúvida de permeio. Machado de Assis utiliza as duas personagens — Pedro e Paulo — para, em cada uma, incorporar seu espírito hesitante e em constante luta íntima na grande questão que nos traz esta obra: Monarquia X República.
A grande preocupação dos estudiosos da obra machadiana é situar suas tendências políticas ao lado da República contra o Império. Mas como diz H. Pereira da Silva em seu livro Sobre os Romances de Machado de Assis , “determinar-lhe o comportamento político só mesmo pelo método dedutivo. E deduzi-lo partidário da República implica em sofismar mais do que em deduzir”.
“Há nos mais graves acontecimentos, muitos pormenores que se perdem, outros que a imaginação inventa para suprimir os perdidos, e nem por isso a história morre”, prega um trecho de Esaú e Jacó . O livro possui uma particularidade: refletir a posição política de um homem tido como alheio a movimentos de tal natureza. Acusado de indiferente, frio e inteiramente desligado das paixões políticas, Machado de Assis, nesta obra, discute e analisa uma das mais importantes épocas da política brasileira.
Vê-se que a obra se ocupa do período de 1855 a 1890, época cuja importância é fundamental na evolução da sociedade brasileira. Neste período de nossa história, temos a economia do café, extinção do trabalho escravo e o emprego da mão-de-obra livre. Há grandes transformações urbanas e a população cresce a cada dia. O autor procura registrar a transição Império/República, o que dá ao texto o nível histórico.
Uma curiosidade deste livro é que Machado de Assis não se coloca como autor da obra. Logo em seu início, há uma advertência onde diz que os manuscritos que deram origem ao livro foram encontrados após a morte do Conselheiro Aires. Machado, então, monta a sua narrativa a partir dos manuscritos do Conselheiro.
A referência bíblica é típica da ficção machadiana e aparece em todos os livros anteriores a este. Através dela, o autor infunde um caráter de parábola à narrativa, dimensionando-a em curto grau de universalidade. A obra faz menção a um episódio, como já foi dito, do Antigo Testamento: como Rebeca era estéril, Isaac implorou a Jeová que lhe concedesse filhos. Concebendo gêmeos e sentindo-os lutar em seu útero, ela interroga a Deus que responde: “duas nações há no teu ventre, dois povos nascidos de ti, que se dividirão; um povo será mais forte do que o outro e o mais velho servirá ao mais moço”. Esta referência fixa, desde já, o nível mítico do discurso. A ação que transcorrerá opondo Pedro e Paulo reporta-se a uma realidade arquetípica, inerente à própria natureza humana e diz respeito às suas origens.
Também é importante notar como Machado vai localizando objetivamente a ação num cenário específico da vida urbana. O autor, como de costume, faz menção minuciosa de lugares, hábitos, profissões e convenções. Revela-se, assim, uma fotografia bastante nítida do código social da burguesia brasileira na segunda metade do século XIX, sendo possível, até mesmo, reconstituí-la através do texto machadiano.
Retomando a análise de Pedro e Paulo, é através destas duas personagens que nos chegam as pulsações políticas do autor. Para resumir o nível de confronto dos irmãos, digo apenas uma coisa: se perguntados sobre a data de seus aniversários — 7 de abril de 1870 — Paulo diria: “Nasci no aniversário do dia em que Pedr oI caiu do trono”. E Pedro: “Nasci no aniversário do dia em que sua Majestade subiu ao trono”.
Flora, personagem dúbia, seria o amor de ambos. Ela não se decide e eles que sempre divergiam concordam com o fato de que nenhuma outra mulher teria as qualidades de Flora e disputam-na. Pedro, Paulo e Flora habitam esta região do mundo machadiano, que são os mais de cem capítulos desta obra, com o objetivo de contrastarem idéias do autor.
Na realidade, os dois não são mais que um, se temos que distinguí-los simbolicamente como meio de expressão de um conjunto de idéias e não, meramente, como personagens. Machado serve-se, digamos assim, dos irmãos para em cada um incorporar o seu espírito hesitante e em constante luta íntima. A segunda metade do século XIX, como disse, rica historicamente, não o seduziria a ponto de fazê-lo tomar parte ativa nos movimentos que culminaram com a abolição da escravatura e a proclamação da República, entre outros.
Havia em Machado de Assis — consumido lentamente pela epilepsia — uma preocupação maior que todas: a de firmar sua personalidade antes que o “grande mal” o vencesse. Firmou, mas foi vencido por outra doença: o câncer. Esaú e Jacó , por certo, foi interrompido mais de uma vez pelas crises e ataques que o prostravam ao leito por dias seguidos.
A proclamação da República merece, na narrativa, mais do que a habitual atenção de Machado de Assis dispensada a um acontecimento político. Trata-se do episódio da tabuleta; ele, melhor do que ninguém, define a exata posição do autor e do povo diante do fato. Custódio, dono de uma confeitaria no Catete, vê-se em sérios problemas com a queda da monarquia e “se pudesse liquidava a confeitaria, afinal que tinha ele com política? Era um simples fabricante e vendedor de doces, estimado, afreguesado, respeitado e principalmente respeitador da ordem pública…”.
Este episódio inicia-se no capítulo 49 e só se completa no capítulo 63. Talvez em nenhuma outra passagem da obra de Machado de Assis a questão das relações entre credos políticos e o individualismo burguês tenha recebido tratamento tão irônico. O temor e a avareza qualificam o conceito de propriedade, expressando-se na busca de um título “simultaneamente definitivo, popular e imparcial” que o defenda em qualquer circunstância. Este diálogo se dá entre Custódio e o Conselheiro Aires. Tudo começa quando Custódio, dias antes da proclamação da República, manda pintar uma tabuleta que dizia “Confeitaria do Império”. Passo, então, após este introdutório que, certamente, despertou a curiosidade dos que não o conhecem, a transcrevê-lo.
“— Mas o que é que há? Perguntou Aires.
— A república está proclamada.
— Já há governo?
— Penso que já; mas diga-me V.Ex.ª: ouviu alguém acusar-me jamais de atacar o governo? Ninguém. Entretanto, uma fatalidade! Venha em meu socorro, Excelentíssimo. Ajude-me a sair deste embaraço. A tabuleta está pronta, o nome todo pintado. —‘Confeitaria do Império', à tinta é viva e bonita. O pintor teima em que lhe pague o trabalho, para então fazer outro. Eu, se a obra não estivesse acabada, mudava de título, por mais que me custasse, mas hei de perder o dinheiro que gastei? V.Ex.ª crê que, se ficar ‘Império', venham quebrar-me as vidraças?
— Isso não sei.
— Pessoalmente, não há motivo; é o nome da casa, nome de trinta anos, ninguém a conhece de outro modo…
— Mas pode por ‘Confeitaria da República'…
— Lembrou-me isso a caminho, mas também me lembrou que, se daqui a um ou dois meses, houver nova reviravolta, fico no ponto em que estou hoje e perco outra vez o dinheiro.
— Tem razão… sente-se.
— Estou bem.
— Sente-se e fume um charuto.
Custódio recusou o charuto, não fumava. Aceitou a cadeira. Estava no gabinete de trabalho, em que algumas curiosidades lhe chamariam a atenção, se não fosse o atordoamento do espírito. Continuou a implorar o socorro do vizinho. S. Exª. com a grande inteligência que Deus lhe dera, podia salvá-lo. Aires propôs-lhe um meio-termo, um título que iria com ambas as hipóteses — ‘Confeitaria do Governo'.
— Tanto serve para um regímen como para outro.
— Não digo que não, e, a não ser a despesa perdida… Há, porém, uma razão contra. V.Exª. sabe que nenhum governo deixa de ter oposição. As oposições, quando descerem à rua, podem implicar comigo, imaginar que as desafio, e quebrarem a tabuleta; entretanto o que eu procuro é o respeito de todos.
Aires compreendeu bem que o terror ia com a avareza. Certo, o vizinho não queria barulhos à porta, nem malquerenças gratuitas, nem ódios de quem quer que fosse; mas, não o afligia menos a despesa que teria de fazer de quando em quando, se não achasse um título definitivo, popular e imparcial. Perdendo o que tinha, já perdia a celebridade, além de perder a pintura e pagar mais dinheiro. Ninguém lhe compraria uma tabuleta condenada. Já era muito ter o nome e o título no Almanaque de Laemmert, onde podia lê-lo algum abelhudo e ir com ou outros, puni-lo do que estava impresso desde o princípio do ano…
— Isso não, interrompeu Aires; o senhor não há de recolher a edição de um almanaque.
E depois de alguns instantes:
— Olhe, dou-lhe uma idéia, que pode ser aproveitada, e, se não a achar boa, tenho outra à mão, e será a última. Mas eu creio que qualquer delas serve. Deixe a tabuleta pintada como está, e à direita, na ponta, por baixo do título, mande escrever estas palavras que explicam o título: ‘Fundada em 1860'. Não foi em 1860 que abriu a casa?
— Foi, respondeu Custódio.
— Pois…
Custódio refletia. Não se lhe podia ler sim nem não; atônito, a boca entreaberta, não olhava para o diplomata, nem para o chão, nem para as paredes ou móveis, mas para o ar. Como Aires insistisse, ele acordou e confessou que a idéia era boa. Realmente, mantinha o título e tirava-lhe o sedicioso, que crescia com o fresco da pintura. Entretanto, a outra idéia podia ser igual ou melhor, e quisera comparar as duas.
— A outra idéia não tem a vantagem de pôr a data à fundação da casa, tem só a de definir título, que fica sendo o mesmo, de uma maneira alheia ao regímen. Deixe-lhe estar a palavra império e acrescente-lhe embaixo, ao centro estas duas, que não precisam ser graúdas: das leis. Olhe, assim, concluiu Aires, sentando-se à secretária, e escrevendo em uma tira de papel que dizia.
Custódio leu, releu e achou que idéia era útil; sim, não lhe parecia má. Só lhe viu um defeito: sendo as letras debaixo menores, podiam não ser lidas tão depressa e claramente como as de cima, e estas é que se meteriam pelos olhos ao que passasse. Daí a que algum político ou sequer inimigo pessoal não entende logo, e… A primeira idéia, bem considerada, tinha o mesmo mal, e ainda este outro: pareceria que o confeiteiro, marcando a data da fundação fazia timbre em ser antigo. Quem sabe que não era pior que nada?
— Tudo é pior que nada.
— Procuremos.
Aires achou outro título, o nome da rua, ‘Confeitaria do Catete', sem advertir que havendo outra confeitaria na mesma rua, era atribuir exclusivamente a Custódio a designação local. Quando o vizinho lhe fez tal ponderação, Aires achou-a justa, e gostou de ver a delicadeza de sentimentos do homem; mas logo depois que o que fez falar o Custódio foi a idéia de que este título ficava comum às duas casas. Muita gente não atinaria com o título e compraria na primeira que lhe ficasse à mão, de maneira que só ele faria as despesas da pintura, e ainda por cima perdia a freguesia. Ao perceber isso, Aires não admirou menos a sagacidade de um homem que, em meio a tantas tribulações, contava os maus frutos de um equívoco. Disse-lhe então que o melhor seria pagar a despesa feita e não por nada, a não ser que preferisse seu próprio nome: ‘Confeitaria do Custódio'. Muita gente certamente lhe não conhecia a casa por outra designação. Um nome, o próprio nome do dono, não tinha significação política ou figuração histórica, ódio nem amor, nada que chamasse a atenção dos dois regimens, e conseguintemente que pusesse em perigo os seus pastéis de Santa Clara, menos ainda a vida do proprietário e dos empregados. Por que é que não adotava esse alvitre? Gastava alguma coisa com a troca de uma palavra por outra, ‘Custódio' em vez de ‘Império', mas as revoluções trazem sempre despesas.
— Sim, vou pensar, excelentíssimo. Talvez convenha esperar um ou dois dias, a ver em que param as modas, disse Custódio agradecendo.
Curvou-se, recuou e saiu. Aires foi à janela para vê-lo atravessar a rua. Imaginou que ele levaria da casa do ministro aposentado em lustre particular que faria esquecer por instantes a crise da tabuleta. Nem tudo são despesas na vida, e a glória das relações podia amaciar as agruras deste mundo. Não acertou desta vez. Custódio atravessou a rua, sem parar nem olhar para trás, e enfiou pela confeitaria dentro com todo sem desespero”.
Não entram aí, por transferência, certos elementos da biografia do autor? Como o “fabricante e vendedor de doces”, “afinal, o que tinha ele a ver com política?” “Respeitado” e “respeitador da ordem pública”; quem o foi mais Machado de Assis?
Situar as tendências de Machado de Assis relativas à política, colocando-o ao lado da República e contra o Império, tem sido, como dissemos, a maior preocupação dos machadianos. A verdade, porém, é que o romancista nutria por D.Pedro II e a Família Imperial grande estima. Ainda jovem, dedicou nas colunas de A Marmota , um soneto ao Imperador.
“Nesse trono, Senhor, que foi erguido
por um povo já livre, e sustentado
por ti, que alimentando as leis, o estado
hás na história teu nome engrandecido.
Neste trono, Senhor, onde esculpido
tem a destra do eterno um nome amado
vês nascer este dia abrilhantado
sorrindo a ti, monarca esclarecido!
Eu te saúdo neste dia imenso!
Da clemência, justiça sã, verdade
queimando as piras perfumoso incenso!
Elevando aos umbraes da imensidade
terá fama, respeito e amor intenso!
Um nome transmitido à eternidade!”
Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1855
Machado de Assis
Depois disso, por diversas vezes se reporta com incontida admiração ao Monarca retratado pelos adeptos do novo regime. A crença de que os monarquistas eram retrógrados desapareceu com os reacionários da república. Sem fazer afirmações, ou melhor, fazendo-as para, ao mesmo tempo, invalidá-las com um ponto de interrogação, Machado de Assis não se deixa apanhar facilmente.
Voltemos a Flora. Ela oscila como um pêndulo entre o amor de Pedro e Paulo e, até a morte, hesita. Chega a ter alucinações. Ouve vozes. E, fundindo-as em apenas uma, de tão iguais que eram, transforma os gêmeos em uma única pessoa.
O drama de Flora consiste em não se decidir, tal era a atração pelos gêmeos. Machado de Assis resume os anseios da moça assim: “Era um espetáculo misterioso, vago, obscuro em que as figuras visíveis se faziam impalpáveis, o dobrado ficava único, o único dobrado, uma fusão, uma confusão, uma difusão”.
A complexidade dos sentimentos que fazem de Flora um símbolo da indecisão de Machado de Assis põe a descoberto uma constante no espírito titubeante do seu criador. Tomar uma decisão constituiu, sem a menor dúvida, algo penoso, quase uma transgressão consigo mesma, para quem, de preferência, acreditava nas coisas boas e más, sem revoltas violentas ou medidas drásticas. A rebeldia machadiana, como a de Voltaire, se manifesta sutilmente nos ditos satíricos, na ironizante e particular maneira de mostrar, nos lábios, um sorriso de desdém e, nos olhos, ocultar as lágrimas de compaixão pelas aspirações humanas. Interrogações seguidas de resposta cética e imediata como esta: “Vives? Não quero outro flagelo”. Expõe feridas e cicatrizes íntimas. Em Machado de Assis, tão introvertido, o humor seria uma válvula de escape em textos carregados de impressões refinadas pela sua sensibilidade.
Esaú e Jacó , pelos motivos expostos, poderia intitular-se Indecisão . As personagens, mesmo as secundárias, não possuem caracteres positivos estáveis; atravessam a obra como criaturas que dão a impressão de incerteza ao primeiro olhar. A figura de Flora não se fixa na memória do leitor sem deixar um rastro de dúvidas quanto à sua preferência por um dos gêmeos. Termina sem chegar a separar Pedro e Paulo, fundindo-os num só, tal como acontecia em suas alucinações.
Na forma, Esaú e Jacó , como expressão literária, é uma obra-prima pouco lembrada pelos críticos. Machado de Assis atinge uma superioridade estilística só mesmo inferior à que conquista em Memorial de Aires . As idéias de Machado são como as moedas: possuem duas faces — cara e coroa —; o seu valor, porém, torna-as únicas
Publicado em 1904, Esaú e Jacó é o penúltimo romance de Machado de Assis.
O título é extraído da Bíblia, remetendo-nos ao Gênesis: à história de Rebeca, que privilegia o filho Jacó, em detrimento do outro filho, Esaú, fazendo-os inimigos irreconciliáveis. A inimizade dos gêmeos Pedro e Paulo, do romance de Machado, não tem causa explícita, daí a denominação de romance "Ab Ovo" (desde o ovo).
É o romance da ambigüidade, narrado em 3ª pessoa, pelo Conselheiro Aires. Pedro e Paulo seriam "os dois lados da verdade". Filhos gêmeos de Natividade e Agostinho Santos, à medida que vão crescendo, os irmãos começam a definir seus temperamentos diversos: são rivais em tudo. Paulo é impulsivo, arrebatado, Pedro é dissimulado e conservador - o que vem a ser motivo de brigas entre os dois. Já adultos, a causa principal de suas divergências passa a ser de ordem política - Paulo é republicano e Pedro, monarquista. Estamos em plena época da Proclamação da República, quando decorre a ação do romance.
Para apaziguar a discórdia fraterna, de nada valem os conselhos de Aires, amigo de Natividade, nem as previsões de discórdia e grandeza feitas por uma adivinha (A Cabocla do Castelo), quando os gêmeos tinham ainda um ano.
Até em seus amores, os gêmeos são competitivos. Flora, a moça de quem ambos gostam, se entretém com um e outro, sem se decidir por nenhum dos dois: a moça é retraída, modesta, e seu temperamento avesso a festas e alegrias, isso levou o Conselheiro Aires a dizer que ela era "inexplicável". O conselheiro Aires é mais um grande personagem da galeria machadiana, que reaparecerá como memorialista no próximo e último romance do autor: velho diplomata aposentado, de hábitos discretos e gosto requintado, amante de citações eruditas, muitas vezes interpreta o pensamento do próprio romancista.
As divergências entre os irmãos continuam, muito embora, com a morte de Flora, tenham jurado junto a seu túmulo uma reconciliação perpétua. A morte da moça, porém, une temporariamente os gêmeos, mais tarde, também a morte de Natividade cria uma trégua entre ambos, mas logo se lançam às disputas.
Continuam a se desentender, agora em plena tribuna, depois que ambos se elegeram deputados por dois partidos diferentes, absolutamente irreconciliáveis: cumpre-se, portanto, a previsão da adivinha: ambos seriam grandes, mas inimigos.
Comentário e estudo:
100 ANOS DE ESAÚ E JACÓ
O penúltimo romance de Machado de Assis reflete com maestria sua ambígua posição política
por Fabio Guimenes (guimenes@yahoo.com.br)
Joaquim José Maria Machado de Assis (1839-1908) é unanimemente celebrado como um dos maiores escritores brasileiros. Nenhum outro reuniu um interesse tão generalizado em torno de sua vida e obra. Este prestígio, que outros escritores mais populares não conseguiram alcançar, o situa à parte, representando por si só um momento incomparável na sucessão das escolas literárias. Destoante pelo pensamento e pelo estilo da tradição literária, Machado de Assis marca seu próprio estilo, fazendo crer ao seu leitor que se colocava face aos acontecimentos históricos que presenciou como simples espectador.
“As décadas situadas em torno da transição dos séculos XIX e XX (...)” diz Nicolau Svcenko, em seu livro Literatura como Missão - Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República , “(...) assinalavam mudanças drásticas em todos os setores da vida brasileira. Mudanças que foram registradas pela literatura, mas, sobretudo mudanças que se transformaram em literatura.”
Nos primeiros anos da República, a intranqüilidade social e política abatia a todos os que tinham esperança no novo regime. Numa época em que os Realistas se desdobravam em detalhes grosseiros, Machado preferia sugerir a declarar. Olhando a natureza como um míope, ele, em compensação, devassa e penetra a alma dos homens, para aí sim, exibi-la em opulência de detalhes. O estudo da obra machadiana ainda nos coloca uma série de obstáculos. Como diz José Barreto Filho em seu livro Introdução à obra de Machado de Assis , “Machado nos quis dizer um segredo, mas o fêz com tanta reserva que não pôde formular talvez, nem para si mesmo”.
Definir em que consiste este universo tem sido tema de artigos, livros e pesquisas, cada qual trazendo sua interpretação. O objetivo deste ensaio é mostrar como Machado de Assis tornou-se um excelente retratista de seu tempo. Através de sua literatura, pode-se conhecer o que de mais característico havia no Rio de Janeiro. Machado não escreveu a História dos Subúrbios, prometida em Dom Casmurro através do personagem-narrador, mas, em compensação, compôs, através de sua visão, a história política e social de toda a cidade, quando esta exercia ainda segundo Sevcenko “papel preponderante, senão hegemônico, como capital cultural, além de ser o centro das decisões políticas e administrativas”.
Em sua dissertação de mestrado, defendida em 1985 na UFF intitulada A República do Pica-pau Amarelo , o Professor Doutor André Luiz Vieira de Campos diz que “mais do que simples testemunho da sociedade, a literatura pode revelar seus conflitos dissimulados e desejos não realizados”. Não há produção humana desvinculada da realidade de seu tempo; por isso, a literatura sempre foi um importante instrumento na formação da mentalidade das elites do país.
Esaú e Jacó , escrito em 1904, foi o penúltimo romance de Machado de Assis, trazendo uma particularidade: reflete a posição política de um homem tido como alheio aos movimentos de tal natureza. O escritor retoma, no título, a referência bíblica — típica de sua ficção — remetendo a história de Pedro e Paulo ao episódio do Antigo Testamento ( Gênesis, capítulos 27 a 33) . Os gêmeos nos trazem reflexões políticas que, certamente, ocupavam o imaginário da época, além de Flora, apaixonada pelos irmãos, que caracteriza a indecisão, marca registrada da obra machadiana, que nada afirma sem, logo a seguir, meter a dúvida de permeio. Machado de Assis utiliza as duas personagens — Pedro e Paulo — para, em cada uma, incorporar seu espírito hesitante e em constante luta íntima na grande questão que nos traz esta obra: Monarquia X República.
A grande preocupação dos estudiosos da obra machadiana é situar suas tendências políticas ao lado da República contra o Império. Mas como diz H. Pereira da Silva em seu livro Sobre os Romances de Machado de Assis , “determinar-lhe o comportamento político só mesmo pelo método dedutivo. E deduzi-lo partidário da República implica em sofismar mais do que em deduzir”.
“Há nos mais graves acontecimentos, muitos pormenores que se perdem, outros que a imaginação inventa para suprimir os perdidos, e nem por isso a história morre”, prega um trecho de Esaú e Jacó . O livro possui uma particularidade: refletir a posição política de um homem tido como alheio a movimentos de tal natureza. Acusado de indiferente, frio e inteiramente desligado das paixões políticas, Machado de Assis, nesta obra, discute e analisa uma das mais importantes épocas da política brasileira.
Vê-se que a obra se ocupa do período de 1855 a 1890, época cuja importância é fundamental na evolução da sociedade brasileira. Neste período de nossa história, temos a economia do café, extinção do trabalho escravo e o emprego da mão-de-obra livre. Há grandes transformações urbanas e a população cresce a cada dia. O autor procura registrar a transição Império/República, o que dá ao texto o nível histórico.
Uma curiosidade deste livro é que Machado de Assis não se coloca como autor da obra. Logo em seu início, há uma advertência onde diz que os manuscritos que deram origem ao livro foram encontrados após a morte do Conselheiro Aires. Machado, então, monta a sua narrativa a partir dos manuscritos do Conselheiro.
A referência bíblica é típica da ficção machadiana e aparece em todos os livros anteriores a este. Através dela, o autor infunde um caráter de parábola à narrativa, dimensionando-a em curto grau de universalidade. A obra faz menção a um episódio, como já foi dito, do Antigo Testamento: como Rebeca era estéril, Isaac implorou a Jeová que lhe concedesse filhos. Concebendo gêmeos e sentindo-os lutar em seu útero, ela interroga a Deus que responde: “duas nações há no teu ventre, dois povos nascidos de ti, que se dividirão; um povo será mais forte do que o outro e o mais velho servirá ao mais moço”. Esta referência fixa, desde já, o nível mítico do discurso. A ação que transcorrerá opondo Pedro e Paulo reporta-se a uma realidade arquetípica, inerente à própria natureza humana e diz respeito às suas origens.
Também é importante notar como Machado vai localizando objetivamente a ação num cenário específico da vida urbana. O autor, como de costume, faz menção minuciosa de lugares, hábitos, profissões e convenções. Revela-se, assim, uma fotografia bastante nítida do código social da burguesia brasileira na segunda metade do século XIX, sendo possível, até mesmo, reconstituí-la através do texto machadiano.
Retomando a análise de Pedro e Paulo, é através destas duas personagens que nos chegam as pulsações políticas do autor. Para resumir o nível de confronto dos irmãos, digo apenas uma coisa: se perguntados sobre a data de seus aniversários — 7 de abril de 1870 — Paulo diria: “Nasci no aniversário do dia em que Pedr oI caiu do trono”. E Pedro: “Nasci no aniversário do dia em que sua Majestade subiu ao trono”.
Flora, personagem dúbia, seria o amor de ambos. Ela não se decide e eles que sempre divergiam concordam com o fato de que nenhuma outra mulher teria as qualidades de Flora e disputam-na. Pedro, Paulo e Flora habitam esta região do mundo machadiano, que são os mais de cem capítulos desta obra, com o objetivo de contrastarem idéias do autor.
Na realidade, os dois não são mais que um, se temos que distinguí-los simbolicamente como meio de expressão de um conjunto de idéias e não, meramente, como personagens. Machado serve-se, digamos assim, dos irmãos para em cada um incorporar o seu espírito hesitante e em constante luta íntima. A segunda metade do século XIX, como disse, rica historicamente, não o seduziria a ponto de fazê-lo tomar parte ativa nos movimentos que culminaram com a abolição da escravatura e a proclamação da República, entre outros.
Havia em Machado de Assis — consumido lentamente pela epilepsia — uma preocupação maior que todas: a de firmar sua personalidade antes que o “grande mal” o vencesse. Firmou, mas foi vencido por outra doença: o câncer. Esaú e Jacó , por certo, foi interrompido mais de uma vez pelas crises e ataques que o prostravam ao leito por dias seguidos.
A proclamação da República merece, na narrativa, mais do que a habitual atenção de Machado de Assis dispensada a um acontecimento político. Trata-se do episódio da tabuleta; ele, melhor do que ninguém, define a exata posição do autor e do povo diante do fato. Custódio, dono de uma confeitaria no Catete, vê-se em sérios problemas com a queda da monarquia e “se pudesse liquidava a confeitaria, afinal que tinha ele com política? Era um simples fabricante e vendedor de doces, estimado, afreguesado, respeitado e principalmente respeitador da ordem pública…”.
Este episódio inicia-se no capítulo 49 e só se completa no capítulo 63. Talvez em nenhuma outra passagem da obra de Machado de Assis a questão das relações entre credos políticos e o individualismo burguês tenha recebido tratamento tão irônico. O temor e a avareza qualificam o conceito de propriedade, expressando-se na busca de um título “simultaneamente definitivo, popular e imparcial” que o defenda em qualquer circunstância. Este diálogo se dá entre Custódio e o Conselheiro Aires. Tudo começa quando Custódio, dias antes da proclamação da República, manda pintar uma tabuleta que dizia “Confeitaria do Império”. Passo, então, após este introdutório que, certamente, despertou a curiosidade dos que não o conhecem, a transcrevê-lo.
“— Mas o que é que há? Perguntou Aires.
— A república está proclamada.
— Já há governo?
— Penso que já; mas diga-me V.Ex.ª: ouviu alguém acusar-me jamais de atacar o governo? Ninguém. Entretanto, uma fatalidade! Venha em meu socorro, Excelentíssimo. Ajude-me a sair deste embaraço. A tabuleta está pronta, o nome todo pintado. —‘Confeitaria do Império', à tinta é viva e bonita. O pintor teima em que lhe pague o trabalho, para então fazer outro. Eu, se a obra não estivesse acabada, mudava de título, por mais que me custasse, mas hei de perder o dinheiro que gastei? V.Ex.ª crê que, se ficar ‘Império', venham quebrar-me as vidraças?
— Isso não sei.
— Pessoalmente, não há motivo; é o nome da casa, nome de trinta anos, ninguém a conhece de outro modo…
— Mas pode por ‘Confeitaria da República'…
— Lembrou-me isso a caminho, mas também me lembrou que, se daqui a um ou dois meses, houver nova reviravolta, fico no ponto em que estou hoje e perco outra vez o dinheiro.
— Tem razão… sente-se.
— Estou bem.
— Sente-se e fume um charuto.
Custódio recusou o charuto, não fumava. Aceitou a cadeira. Estava no gabinete de trabalho, em que algumas curiosidades lhe chamariam a atenção, se não fosse o atordoamento do espírito. Continuou a implorar o socorro do vizinho. S. Exª. com a grande inteligência que Deus lhe dera, podia salvá-lo. Aires propôs-lhe um meio-termo, um título que iria com ambas as hipóteses — ‘Confeitaria do Governo'.
— Tanto serve para um regímen como para outro.
— Não digo que não, e, a não ser a despesa perdida… Há, porém, uma razão contra. V.Exª. sabe que nenhum governo deixa de ter oposição. As oposições, quando descerem à rua, podem implicar comigo, imaginar que as desafio, e quebrarem a tabuleta; entretanto o que eu procuro é o respeito de todos.
Aires compreendeu bem que o terror ia com a avareza. Certo, o vizinho não queria barulhos à porta, nem malquerenças gratuitas, nem ódios de quem quer que fosse; mas, não o afligia menos a despesa que teria de fazer de quando em quando, se não achasse um título definitivo, popular e imparcial. Perdendo o que tinha, já perdia a celebridade, além de perder a pintura e pagar mais dinheiro. Ninguém lhe compraria uma tabuleta condenada. Já era muito ter o nome e o título no Almanaque de Laemmert, onde podia lê-lo algum abelhudo e ir com ou outros, puni-lo do que estava impresso desde o princípio do ano…
— Isso não, interrompeu Aires; o senhor não há de recolher a edição de um almanaque.
E depois de alguns instantes:
— Olhe, dou-lhe uma idéia, que pode ser aproveitada, e, se não a achar boa, tenho outra à mão, e será a última. Mas eu creio que qualquer delas serve. Deixe a tabuleta pintada como está, e à direita, na ponta, por baixo do título, mande escrever estas palavras que explicam o título: ‘Fundada em 1860'. Não foi em 1860 que abriu a casa?
— Foi, respondeu Custódio.
— Pois…
Custódio refletia. Não se lhe podia ler sim nem não; atônito, a boca entreaberta, não olhava para o diplomata, nem para o chão, nem para as paredes ou móveis, mas para o ar. Como Aires insistisse, ele acordou e confessou que a idéia era boa. Realmente, mantinha o título e tirava-lhe o sedicioso, que crescia com o fresco da pintura. Entretanto, a outra idéia podia ser igual ou melhor, e quisera comparar as duas.
— A outra idéia não tem a vantagem de pôr a data à fundação da casa, tem só a de definir título, que fica sendo o mesmo, de uma maneira alheia ao regímen. Deixe-lhe estar a palavra império e acrescente-lhe embaixo, ao centro estas duas, que não precisam ser graúdas: das leis. Olhe, assim, concluiu Aires, sentando-se à secretária, e escrevendo em uma tira de papel que dizia.
Custódio leu, releu e achou que idéia era útil; sim, não lhe parecia má. Só lhe viu um defeito: sendo as letras debaixo menores, podiam não ser lidas tão depressa e claramente como as de cima, e estas é que se meteriam pelos olhos ao que passasse. Daí a que algum político ou sequer inimigo pessoal não entende logo, e… A primeira idéia, bem considerada, tinha o mesmo mal, e ainda este outro: pareceria que o confeiteiro, marcando a data da fundação fazia timbre em ser antigo. Quem sabe que não era pior que nada?
— Tudo é pior que nada.
— Procuremos.
Aires achou outro título, o nome da rua, ‘Confeitaria do Catete', sem advertir que havendo outra confeitaria na mesma rua, era atribuir exclusivamente a Custódio a designação local. Quando o vizinho lhe fez tal ponderação, Aires achou-a justa, e gostou de ver a delicadeza de sentimentos do homem; mas logo depois que o que fez falar o Custódio foi a idéia de que este título ficava comum às duas casas. Muita gente não atinaria com o título e compraria na primeira que lhe ficasse à mão, de maneira que só ele faria as despesas da pintura, e ainda por cima perdia a freguesia. Ao perceber isso, Aires não admirou menos a sagacidade de um homem que, em meio a tantas tribulações, contava os maus frutos de um equívoco. Disse-lhe então que o melhor seria pagar a despesa feita e não por nada, a não ser que preferisse seu próprio nome: ‘Confeitaria do Custódio'. Muita gente certamente lhe não conhecia a casa por outra designação. Um nome, o próprio nome do dono, não tinha significação política ou figuração histórica, ódio nem amor, nada que chamasse a atenção dos dois regimens, e conseguintemente que pusesse em perigo os seus pastéis de Santa Clara, menos ainda a vida do proprietário e dos empregados. Por que é que não adotava esse alvitre? Gastava alguma coisa com a troca de uma palavra por outra, ‘Custódio' em vez de ‘Império', mas as revoluções trazem sempre despesas.
— Sim, vou pensar, excelentíssimo. Talvez convenha esperar um ou dois dias, a ver em que param as modas, disse Custódio agradecendo.
Curvou-se, recuou e saiu. Aires foi à janela para vê-lo atravessar a rua. Imaginou que ele levaria da casa do ministro aposentado em lustre particular que faria esquecer por instantes a crise da tabuleta. Nem tudo são despesas na vida, e a glória das relações podia amaciar as agruras deste mundo. Não acertou desta vez. Custódio atravessou a rua, sem parar nem olhar para trás, e enfiou pela confeitaria dentro com todo sem desespero”.
Não entram aí, por transferência, certos elementos da biografia do autor? Como o “fabricante e vendedor de doces”, “afinal, o que tinha ele a ver com política?” “Respeitado” e “respeitador da ordem pública”; quem o foi mais Machado de Assis?
Situar as tendências de Machado de Assis relativas à política, colocando-o ao lado da República e contra o Império, tem sido, como dissemos, a maior preocupação dos machadianos. A verdade, porém, é que o romancista nutria por D.Pedro II e a Família Imperial grande estima. Ainda jovem, dedicou nas colunas de A Marmota , um soneto ao Imperador.
“Nesse trono, Senhor, que foi erguido
por um povo já livre, e sustentado
por ti, que alimentando as leis, o estado
hás na história teu nome engrandecido.
Neste trono, Senhor, onde esculpido
tem a destra do eterno um nome amado
vês nascer este dia abrilhantado
sorrindo a ti, monarca esclarecido!
Eu te saúdo neste dia imenso!
Da clemência, justiça sã, verdade
queimando as piras perfumoso incenso!
Elevando aos umbraes da imensidade
terá fama, respeito e amor intenso!
Um nome transmitido à eternidade!”
Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1855
Machado de Assis
Depois disso, por diversas vezes se reporta com incontida admiração ao Monarca retratado pelos adeptos do novo regime. A crença de que os monarquistas eram retrógrados desapareceu com os reacionários da república. Sem fazer afirmações, ou melhor, fazendo-as para, ao mesmo tempo, invalidá-las com um ponto de interrogação, Machado de Assis não se deixa apanhar facilmente.
Voltemos a Flora. Ela oscila como um pêndulo entre o amor de Pedro e Paulo e, até a morte, hesita. Chega a ter alucinações. Ouve vozes. E, fundindo-as em apenas uma, de tão iguais que eram, transforma os gêmeos em uma única pessoa.
O drama de Flora consiste em não se decidir, tal era a atração pelos gêmeos. Machado de Assis resume os anseios da moça assim: “Era um espetáculo misterioso, vago, obscuro em que as figuras visíveis se faziam impalpáveis, o dobrado ficava único, o único dobrado, uma fusão, uma confusão, uma difusão”.
A complexidade dos sentimentos que fazem de Flora um símbolo da indecisão de Machado de Assis põe a descoberto uma constante no espírito titubeante do seu criador. Tomar uma decisão constituiu, sem a menor dúvida, algo penoso, quase uma transgressão consigo mesma, para quem, de preferência, acreditava nas coisas boas e más, sem revoltas violentas ou medidas drásticas. A rebeldia machadiana, como a de Voltaire, se manifesta sutilmente nos ditos satíricos, na ironizante e particular maneira de mostrar, nos lábios, um sorriso de desdém e, nos olhos, ocultar as lágrimas de compaixão pelas aspirações humanas. Interrogações seguidas de resposta cética e imediata como esta: “Vives? Não quero outro flagelo”. Expõe feridas e cicatrizes íntimas. Em Machado de Assis, tão introvertido, o humor seria uma válvula de escape em textos carregados de impressões refinadas pela sua sensibilidade.
Esaú e Jacó , pelos motivos expostos, poderia intitular-se Indecisão . As personagens, mesmo as secundárias, não possuem caracteres positivos estáveis; atravessam a obra como criaturas que dão a impressão de incerteza ao primeiro olhar. A figura de Flora não se fixa na memória do leitor sem deixar um rastro de dúvidas quanto à sua preferência por um dos gêmeos. Termina sem chegar a separar Pedro e Paulo, fundindo-os num só, tal como acontecia em suas alucinações.
Na forma, Esaú e Jacó , como expressão literária, é uma obra-prima pouco lembrada pelos críticos. Machado de Assis atinge uma superioridade estilística só mesmo inferior à que conquista em Memorial de Aires . As idéias de Machado são como as moedas: possuem duas faces — cara e coroa —; o seu valor, porém, torna-as únicas
01/10/2008
PAZ E GUERRA No Oriente Medio - David Fromkin- RESENA
"O Oriente Médio, tal como o conhecemos, é uma criação recentíssima. Resultou de decisões tomadas pelos países vitoriosos na Primeira Guerra Mundial, especialmente Inglaterra e França, que desagregaram o Império Otomano (1299-1922), a única potência muçulmana que desafiou a hegemonia européia no mundo moderno.
Novos países, com os respectivos governos, foram fabricados pela Europa. A Inglaterra inventou o Iraque e a Jordânia, traçou em um mapa as fronteiras entre a Arábia Saudita e o Kwait, transformou o Egito em protetorado e deu abrigo, na Palestina, a um Lar Nacional Judaico, precursor do Estado de Israel. A França decidiu a atual configuração da Síria e do Líbano. A maior parte do mundo árabe foi dividida, basicamente, entre duas famílias, que deveriam inaugurar dinastias. A Turquia – centro do antigo império – conquistou com muito sangue o direito à existência, mas os curdos foram deixados sem Estado próprio. A Pérsia, atual Irã, foi humilhada e retalhada.
Há muito tempo os europeus desejavam dominar o Oriente Médio. A ousadia imperial na região, porém, começou tarde demais. A própria Europa estava esgotada pela guerra, incapaz de sustentar tão grande empreitada, desafiada pelos Estados Unidos, de Wilson, e pela União Soviética, de Lenin. Já era incapaz de controlar regiões tão extensas, que abrigam civilizações orgulhosas, com crenças próprias e enraizadas. Na década de 1920, até mesmo para um número crescente de europeus, o velho imperialismo já parecia fora de lugar.
As mudanças, trazidas de fora para dentro, não geraram uma configuração estável. Na região, permanecem pulsantes não apenas disputas de fronteiras ou rivalidades econômicas, mas questões muito mais fundamentais, como o próprio direito à existência das entidades políticas que a compõem. Guerras de sobrevivência nacional ainda estão na ordem do dia. Não há acordo, sequer, sobre as regras do jogo. A permanência do atual arranjo regional é incerta. A própria crença moderna na legitimidade de Estados nacionais leigos, que para nós parece ser natural, é um credo alienígena em sociedades que, há mais de mil anos, se organizam em torno de uma Lei Sagrada que governa toda a vida, inclusive a política.
O professor David Fromkin, da Universidade de Boston (EUA), reconstitui neste livro a história da criação do Oriente Médio moderno, depois de mais de 25 anos de estudos. “Em 1979, quando iniciei minha pesquisa, parecia que tínhamos chegado a um ponto em que, por fim, seria possível contar a verdadeira história do que acontecera. Abriram-se arquivos de documentos oficiais e papéis particulares que eram secretos. Por isso este livro existe.”
Novos países, com os respectivos governos, foram fabricados pela Europa. A Inglaterra inventou o Iraque e a Jordânia, traçou em um mapa as fronteiras entre a Arábia Saudita e o Kwait, transformou o Egito em protetorado e deu abrigo, na Palestina, a um Lar Nacional Judaico, precursor do Estado de Israel. A França decidiu a atual configuração da Síria e do Líbano. A maior parte do mundo árabe foi dividida, basicamente, entre duas famílias, que deveriam inaugurar dinastias. A Turquia – centro do antigo império – conquistou com muito sangue o direito à existência, mas os curdos foram deixados sem Estado próprio. A Pérsia, atual Irã, foi humilhada e retalhada.
Há muito tempo os europeus desejavam dominar o Oriente Médio. A ousadia imperial na região, porém, começou tarde demais. A própria Europa estava esgotada pela guerra, incapaz de sustentar tão grande empreitada, desafiada pelos Estados Unidos, de Wilson, e pela União Soviética, de Lenin. Já era incapaz de controlar regiões tão extensas, que abrigam civilizações orgulhosas, com crenças próprias e enraizadas. Na década de 1920, até mesmo para um número crescente de europeus, o velho imperialismo já parecia fora de lugar.
As mudanças, trazidas de fora para dentro, não geraram uma configuração estável. Na região, permanecem pulsantes não apenas disputas de fronteiras ou rivalidades econômicas, mas questões muito mais fundamentais, como o próprio direito à existência das entidades políticas que a compõem. Guerras de sobrevivência nacional ainda estão na ordem do dia. Não há acordo, sequer, sobre as regras do jogo. A permanência do atual arranjo regional é incerta. A própria crença moderna na legitimidade de Estados nacionais leigos, que para nós parece ser natural, é um credo alienígena em sociedades que, há mais de mil anos, se organizam em torno de uma Lei Sagrada que governa toda a vida, inclusive a política.
O professor David Fromkin, da Universidade de Boston (EUA), reconstitui neste livro a história da criação do Oriente Médio moderno, depois de mais de 25 anos de estudos. “Em 1979, quando iniciei minha pesquisa, parecia que tínhamos chegado a um ponto em que, por fim, seria possível contar a verdadeira história do que acontecera. Abriram-se arquivos de documentos oficiais e papéis particulares que eram secretos. Por isso este livro existe.”
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