20/06/2007

A diplomacia pós-Doha

Será uma "briga de foice", anunciou o chanceler Celso Amorim, ao se preparar para cinco dias de negociações que serão, quase certamente, a última tentativa de salvar a Rodada Doha. Participam da operação de salvamento o Brasil, a Índia, os Estados Unidos e a União Européia (G-4), encarregados de preparar o terreno para um entendimento final com participação dos 150 sócios da OMC. Amorim mostrou, no entanto, algum otimismo quanto à possibilidade de um acordo básico sobre os temas centrais da negociação - a reforma do comércio agrícola e as condições de acesso aos mercados de bens industriais e de serviços. Deu a entender, além disso, que o Brasil poderá ceder um pouco mais aos parceiros desenvolvidos e contentar-se com um pouco menos em termos de liberalização do agronegócio, desde que americanos e europeus também sejam mais flexíveis. Se os demais participantes do encontro na cidade alemã de Potsdam tiverem a mesma disposição, o esforço poderá dar certo. O resultado será menos ambicioso que o objetivo definido em Doha, capital do Catar, em dezembro de 2001. Para uma liberalização maior do comércio, o Brasil deverá recorrer, segundo o ministro, a acordos bilaterais.
É um julgamento pragmático, mas tardio. México, EUA, Chile e vários sul-americanos tomaram esse caminho há mais tempo, indo atrás de acordos comerciais com os parceiros do hemisfério e de outras regiões. O governo brasileiro abandonou uma das principais negociações iniciada nos anos 90, a da Alca, e deixou emperrar a do Mercosul com a União Européia, praticamente congelada nos últimos dois anos. Reiniciar a conversação com os europeus será, segundo o chanceler, a prioridade brasileira, logo depois de encerrado o trabalho na OMC. "É a negociação", afirmou, "em que temos mais capacidade para pagar e mais capacidade para cobrar."
Trata-se, portanto, de ir atrás de uma oportunidade perdida, embora o ministro e outros formuladores da política externa brasileira dificilmente reconheçam, pelo menos em público, esse fato. Poderão repetir o que têm dito nos últimos anos: que a prioridade era Doha.
Mas a rodada era prioritária também para outros países, que não deixaram de se prevenir e negociaram outros acordos. Os EUA foram particularmente ativos, tanto nas Américas quanto no Oriente Médio e no Extremo Oriente. Além disso, a rodada global não implicou, para Brasília, abandono de outras políticas também prioritárias.
Nos últimos quatro anos, a diplomacia econômica do Brasil foi orientada para dois objetivos principais - a integração sul-americana e a construção de alianças com parceiros "estratégicos" de outras áreas, como a Índia, a China, a Rússia e vários países da África. Algumas das manobras envolveram decisões patéticas, como a atribuição à China do status de economia de mercado. A Rússia concedeu cotas de exportação de carnes à União Européia, aos EUA e a outros países, mas não ao Brasil. Continuou importando carne brasileira porque não tinha alternativa, mas criou todos os problemas que pôde. A Índia, embora associada ao Grupo dos 20, formado na OMC por inspiração brasileira, nunca deixou, na rodada global, de cuidar estritamente de seus interesses. Os africanos, em todos os momentos decisivos, mostraram fidelidade quase colonial à Europa.
Na América do Sul o resultado não foi mais brilhante. A maior parte dos sul-americanos votou contra o Brasil na eleição do diretor-geral da OMC e na do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O acordo entre o Mercosul e os andinos foi feito com muita generosidade do lado brasileiro e quase nenhuma concessão relevante da outra parte. O crescimento do comércio entre o Brasil e seus vizinhos tem resultado do esforço do setor privado e não da política oficial.
Quanto ao Mercosul, continua emperrado e mais emperrado ficará com a participação da Venezuela. De imediato, a diplomacia brasileira terá de convencer os parceiros do bloco a adotar alguma flexibilidade na Rodada Doha, mas os governos da Argentina e do Uruguai já indicaram que a tarefa não será simples. E como ficará a negociação com os europeus, se for preciso levar em conta o protecionismo industrial argentino e os interesses do venezuelano Hugo Chávez?

05/06/2007

40 anos após conquistas, Israel vive dilema

40 anos após conquistas, Israel vive dilema
Análise é de Rosemary Hollis, especialista em Oriente Médio.
Ela comenta as 4 décadas da Guerra dos Seis Dias.
Daniel Buarque

Do G1, em São Paulo

Há exatos 40 anos Israel obteve uma histórica vitória militar no
Oriente Médio e redesenhou o mapa múndi. Com muitas bombas e pesada
artilharia, conquistou territórios de países vizinhos e trocou de
papel: deixou de ser a vítima dos árabes e assumiu o protagonismo
geopolítico na região. Mas passadas quatro décadas Israel enfrenta
agora um dilema: como conciliar os três objetivos da criação do país
(manter-se um Estado judeu, democrático e na terra bíblica).





A análise é de Rosemary Hollis, diretora do programa de estudos do
Oriente Médio do Instituto Real de Relações Internacionais da
Inglaterra. "De um pequeno país ameaçado e vulnerável, a guerra fez
emergir uma nova potência regional, capaz de conquistar o
reconhecimento das nações que o ameaçavam. Israel passou a ser visto
como o conquistador. E agora tem que saber lidar com esse protagonismo
e com seus interesses, nem sempre convergentes", afirmou ela em
entrevista ao G1, por telefone.


Para Hollis, é impossível satisfazer os três objetivos
simultaneamente. Se quiser ter um Estado no território desejado, deve
capturar uma população árabe (que era de 1 milhão em 1967 e chega
perto dos 4 milhões atualmente), e daí a predominância judaica deixa
de existir, a não ser que se imponha uma espécie de apartheid. Se
quiser ter a predominância judaica e a democracia, precisa abrir mão
do território. O dilema atualmente é como equilibrar os três
objetivos", explica a pesquisadora inglesa.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.


G1 - É possível considerar a vitória israelense na Guerra dos Seis
Dias completa?
Rosemary Hollis - Israel saiu da guerra vitorioso, em termos
militares, mas levou consigo dois problemas imensos. Em primeiro
lugar, sua imagem foi transformada por sua vitória total. Ele deixou
de ser um pequeno David que se confrontava com o Golias árabe e se
tornou o grande personagem da disputa, o opressor dos palestinos. Hoje
Israel não é mais visto como a vítima das agressões na região, que tem
sua existência ameaçada, como acontecia naquela época. Hoje ele é o
principal personagem dessa história do Oriente Médio, e tem que fazer
concessões para chegar à paz.





Imagem mostra fumaça após ataque israelense ao Egito, em 1967 (Foto:
Reuters)O segundo ponto é que Israel ficou num dilema de segurança,
depois de 1967. Eles [os israelenses] podiam voltar a ser de um
pequeno país, mais vulnerável, ou podiam capitalizar a vitória da
Guerra dos Seis Dias, mantendo um território maior e mais seguro,
devolvendo apenas parte das terras conquistadas. A questão é que nesse
processo, junto com as terras, eles capturaram uma fração da população
palestina, que passou a ser dominada por Israel e a resistir a esta
dominação, criando uma nova forma de insegurança.


Este dilema atinge em cheio os três objetivos dos sionistas ao criarem
Israel, que eram ter um Estado judeu, democrático e na terra bíblica.
Mas é impossível ter os três. Pois, se quiser ter um Estado no
território desejado, deve capturar uma população árabe (que era de 1
milhão em 1967 e chega perto dos 4 milhões atualmente), e a
predominância judaica deixa de existir, a não ser que se imponha uma
espécie de apartheid. Se quiser ter a predominância judaica e a
democracia, precisa abrir mão do território. O dilema atualmente é
como equilibrar os três objetivos.


G1 - Como a Guerra dos Seis Dias se reflete na atual situação de
conflitos no Oriente Médio?
Hollis - Há duas questões importantes. A primeira é que há um conflito
histórico sobre a localização do Estado de Israel na região, fato
interligado à questão dos refugiados palestinos, que vem desde a
criação de Israel e a guerra de 1948. É um conflito bem anterior à
Guerra dos Seis dias, e que se mantém até hoje.





A pesquisadora britânica Rosemary Hollis ( Foto: Divulgação)A segunda
questão é que depois da guerra de 1967 as possibilidades para a
resolução do conflito se distanciaram da discussão sobre a própria
existência de Israel. Israel conseguiu isso em seu tratado de paz com
o Egito em 1978, quando devolveu os territórios daquele país em troca
de paz. Uma paz que dura até hoje entre os dois países. Há uma questão
controversa na relação entre Israel e os países árabes, que exigem que
o seu território conquistado por Israel também seja devolvido.


G1 - Como a guerra afetou a relação de Israel com o resto do mundo e
do mundo com os conflitos no Oriente Médio?
Hollis - Israel tinha muito apoio internacional até o início da Guerra
dos Seis Dias. A vitória arrasadora que teve no conflito mudou sua
posição, deixando de ser visto como vulnerável e passando a ser visto
como o conquistador. Podemos fazer um paralelo com o que acontece com
os Estados Unidos atualmente no Iraque. Não se pode dominar uma
população ocupada contra sua vontade. Os israelenses tiveram a
esmagadora vitória militar, mas se tornaram vulneráveis
internacionalmente por estarem ocupando territórios palestinos contra
a vontade desses povos.




Saiba mais

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A opinião internacional, então, varia. Os norte-americanos se
identificam com os israelenses e os acham defensores da democracia
numa região hostil, enquanto na Europa vem crescendo a percepção de
que os israelenses não podem querer estar seguros enquanto ocuparem o
território palestino contra a vontade do povo palestino.

G1 - É possível imaginar como estaria o Oriente Médio hoje em dia se
não tivesse ocorrido a guerra em 1967? Haveria o risco de o Estado de
Israel realmente deixar de existir?
Hollis - Não está totalmente clara a resposta. Os árabes não estavam
preparados para fazer acordos de paz antes da guerra, e estavam
ameaçando Israel, por mais que não tivessem todos os meios militares
necessários para levar a cabo essas ameaças. Acontece que Israel
estava sendo ameaçado, e não tinha como saber da falta de capacidade
militar dos que o ameaçavam.

G1 - Israel justificou a Guerra dos Seis Dias com as ameaças sofridas
pelo Egito e pelos árabes, que queriam acabar com o Estado judaico.
Podemos comparar a situação de então com as atuais ameaças do Irã de
"apagar" Israel do mapa?
Hollis - Sim e não. Claro que os israelenses eram ameaçados naquela
época. Antes da guerra de 1967 eles não podiam esperar ter paz com os
árabes, que queriam eliminá-los. Depois da vitória na guerra, eles
tinham algo para barganhar em troca da paz com os países árabes.
Atualmente, os iranianos não reconhecem Israel e ameaçam o Estado, mas
os israelenses não têm a opção de capturar territórios iranianos para
negociar a paz e o reconhecimento. Tudo o que eles podem fazer é
ameaçar os iranianos. Há 40 anos, Israel tinha uma opção para garantir
a paz. Hoje, não tem. Se Israel atacasse o Irã, não seria possível
saber se ele conseguiria a vitória necessária para negociar uma paz