28/04/2008

Resenha Paz e Guerra entre as Nações - Raymond Aron

Em Paz e Guerra entre as Nações (1962), Aron discute os níveis conceituais da compreensão do campo das relações internacionais. Aponta que não cabe uma analogia nem com a economia, nem com o futebol. A economia tem como problema a escassez e coloca escolhas sobre os meios de superá-la. O futebol tem regras, juiz, o preciso objetivo dos times de ganhar a partida, que é travada no interior de um campo delimitado, com número fixo de participantes. O campo das relações internacionais se desdobra sobre a sombra da guerra - para Aron, na sua reflexão sobre Clausewitz (1976), um camaleão que assume sempre novas formas. Além do mais, e em contraste com o futebol e a economia, em função da diversidade dos objetivos, dos meios e da multiplicidade dos atores e dos contextos, o objeto das relações internacionais não é unívoco. Daí - e este é o ponto central da visão de Aron - a relativa indeterminação que caracteriza o campo.

Aron estuda a regularidade sociológica dos fatores que condicionam a condução de uma política externa: espaço, número, recursos, nações e regimes. O que ele realça, com originalidade, é que estes fatores não são mobilizados em função de um objetivo unívoco. É uma característica das relações internacionais a pluralidade dinâmica dos objetivos concretos das políticas externas dos Estados que compõem o sistema internacional. Entre estes objetivos figuram: segurança, desenvolvimento e bem-estar, prestígio, afirmação de idéias. É isto que faz do conceito do interesse nacional um conceito plurívoco e por vezes esquivo.

Assim, por exemplo, obter o prestígio de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU é primeira prioridade da diplomacia do governo Lula, não o foi no governo FHC. A mudança dos regimes políticos de outros países é prioridade no governo Bush, não o foi no governo Clinton. A afirmação regional de uma revolução bolivariana é objetivo maior do governo Chávez, não foi item de outros governos da Venezuela. É por este motivo que a racionalidade da conduta da política externa é circunscrita pela escolha de certas premissas que norteiam o seu processo decisório.

É nesta moldura que Aron explora conceitos dos quais esquematicamente se pode extrair a lógica durável das relações interestatais, caracterizada pela distribuição individual, mas desigual do poder entre os Estados. Entre eles, os provenientes dos equilíbrios/desequilíbrios derivados da ordenação estratificada do poder que podem levar a sistemas multipolares (como o do concerto europeu) ou bipolares (como o da guerra fria) e hoje, diria eu, o das tensões da unipolaridade.

Aron também realça a distinção entre sistemas homogêneos, nos quais prevalece o mútuo reconhecimento dos atores, e os heterogêneos (como o da guerra fria), nos quais isso não ocorreu. Aron estudou o confronto capitalismo-comunismo. Hoje, na sua linha, poder-se-ia discutir como os fundamentalismos vêm, por obra do não-reconhecimento mútuo, trazendo uma nova heterogeneidade ao planeta, que é um dos dados do fenômeno terrorista contemporâneo.

Aron, como observador participante, conclui Paz e Guerra com uma praxeologia na qual estuda as antinomias com que lidam os responsáveis pela condução da política externa. Estes se confrontam com o que denomina o problema maquiavélico e o kantiano. O primeiro é o do realismo dos meios legítimos da condução da política externa, que, no limite, comporta o uso de força. O segundo é o da busca da "paz perpétua" e de um princípio regulador da humanidade que substitua a "moral do combate". Na interação dos dois, Aron desenvolve uma ética de prudência e de equilíbrio entre excessos. Nesta não cabem profecias, mas há espaço para o dever da esperança.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom! Obrigada pela resenha.

Anônimo disse...

Tenho um seminário a fazer e a resenha ajudou muito