Pensar um mundo em profunda transformação, para além das disputas ideológicas e visões utópicas, é um desafio constante para os pesquisadores das ciências humanas. Nesse contexto, uma das questões mais prementes talvez seja saber se existe hoje um espaço político onde se possa “trabalhar com consistência o interesse comum entre a grande corporação, a sociedade civil e os Estados nacionais”. Para responder a esta pergunta, Gilberto Dupas, um dos principais pensadores dos efeitos e da lógica do capitalismo global, oferece agora "Atores e poderes na nova ordem global – Assimetria, instabilidades e imperativos de legitimação". Aqui, sua atenção está voltada para o problema da assimetria dos poderes entre os principais atores da geopolítica mundial e da busca de legitimidade por parte do capital.
Dupas parte de um resgate histórico para definir quem são os principais atores do metajogo global, com suas contradições e conflitos de interesses e com especial atenção para a realidade da América Latina, que não aparece quando nos limitamos às informações veiculadas pelo discurso hegemônico. Definidos os atores, passa a analisar suas estratégias e poderes, a busca por legitimidade, como o Estado e as instituições internacionais participam desta estratégia de legitimação por parte destes atores e a tentativa das grandes corporações se livrarem do estigma de destruidores do meio ambiente, redutores do mercado de trabalho global. E, após discutir ainda os dilemas do Estado contemporâneo, investiga ainda as forças de resistência ao capital (das redes virtuais às células terroristas) e as possibilidades de reequilíbrio de poderes.
Detalhando assim a lógica dos atores e dos poderes, Dupas chama a atenção para a necessidade da construção de uma identidade coletiva que “permita a percepção de se fazer novamente parte de um todo” e da reinvenção da política, debatendo “a legitimação da economia mundial, o que envolve estruturar as bases do monopólio da legitimação estatal e democrática no confronto com a lógica econômica”. Atores e poderes na nova ordem global constitui-se assim num grande ensaio não apenas sobre política e democracia, mas sobretudo numa reflexão sobre os possíveis caminhos abertos ao homem contemporâneo
27/02/2008
Resenha - Vinte Anos de Crise - Edward Hallett Carr
O período do entre-guerras foi marcado por turbulências e inquietações. A Pri-meira Guerra Mundial, apesar de suas trágicas dimensões, não fora suficiente para dar o golpe de misericórdia na ordem internacional do século XIX, e menos ainda para lançar as bases para uma nova ordem. O livro Vinte Anos de Crise. 1919-1939, de E. H. Carr, publicado no momento em que a Inglaterra declarava guerra à Alemanha em setembro de 1939, apresenta um balanço bastante completo e eloqüente dessa difícil transição de uma ordem para outra, em que padrões tradicionais de comportamento e de percepções deveriam ser abandonados sem que houvesse, contudo, clareza suficiente sobre quais deveriam ser os novos padrões e, conseqüentemente, os meios pelos quais uma nova ordem internacional haveria de se estabelecer.
Escrito no calor dos acontecimentos que precederam o início da Segunda Guerra Mundial e o objeto central da preocupação de Carr era o de compreender e interpretar os inquietantes acontecimentos da política internacional. Entretanto, ao empregar categorias analíticas de uma forma bastante inédita no entendimento dos fenômenos internacionais, sua análise ultrapassou amplamente aquele propósito inicial e acabou por tornar-se um verdadeiro marco na formação do próprio campo de estudo das relações internacionais. Com efeito, E. H. Carr fez parte da geração que estabeleceu as relações internacionais como campo de estudo distinto tal qual conhecemos hoje. Sua motivação inicial tinha por origem os fatos preocupantes de um ambiente internacional ameaçadoramente turbulento, mas sua angústia tornava-se maior ao observar que a inadequação das políticas praticadas derivava em grande parte da total incompreensão a respeito do meio internacional e das forças reais que nele atuavam. Evitar uma conflagração internacional podia fazer parte das preocupações da maioria dos estadistas, todavia esse fato não garantia que esse objetivo seria efetivamente atingido. Carr percebia que na política internacional havia forças que atuavam sobre os atores que, de muitas formas, limitavam ou mesmo condicionavam suas ações. Estava entre aqueles que percebiam que os fenômenos gerados pela convivência internacional tinham peculiaridades que não poderiam ser interpretadas apenas como simples somatórias das ações dos Estados tomados individualmente. [9] Participara da Conferência de Versailles e, assim, acompanhou muito de perto as motivações e as ações dos homens e das instituições que levaram à elaboração e assinatura do Tratado de Paz de Versailles. Além disso, até voltar-se para a vida acadêmica em meados da década de 1930, permaneceu no Foreign Office de onde pode acompanhar, como oficial do Governo, o surgimento e a evolução de várias crises bem como as ações governamentais que tentavam manejá-las. Muitas dessas crises, como a invasão do Ruhr pela França e o colapso da República de Weimar eram conseqüências diretas dos termos do Tratado de Versailles enquanto a incapacidade de ação da Liga das Nações, observava Carr, revelava a incompatibilidade da natureza do meio internacional com a crença predominante, inclusive entre os analistas, de que a simples sistematização de uma ordem jurídica das relações internacionais e a sanção da opinião pública seriam suficientes para banir o uso da força.
Assim, as reflexões de Carr contidas no Vinte Anos de Crise foram também um produto da observação continuada da realidade da política internacional turbulenta, marcada por sucessivas crises que enchiam de perplexidade as mentes pouco acostumadas a padrões em rápida transformação. Nessas circunstâncias, era inevitável que uma mente sensível e atenta como a de Carr se perguntasse angustiadamente o que significava tudo aquilo. O que estava ocorrendo com o Império Britânico? Por que a tentativa de restaurar o padrão ouro fora um fracasso? Por que os acordos de Locarno tiveram tão poucos efeitos sobre a estabilidade internacional? Por que os acontecimentos em regiões distantes haviam se tornado tão importantes para a política internacional? Seriam as elites que teriam se tornado insanas ou as massas é que haviam se tornado incontroláveis? Enfim, para onde o mundo estaria se encaminhando?
As notícias dos acontecimentos, que os jornais divulgavam de maneira cada vez mais febril, ajudavam mais para confundir do que para esclarecer. Tornava-se também claro que as respostas que Carr e a maioria das pessoas preocupadas com as crises procuravam de forma cada vez mais ansiosa, não poderiam ser encontradas nos termos de um tratado ou nas ações de um governante. Perguntas suscitadas pelo ambiente internacional cada vez mais turbulento, como as acima mencionadas, demandavam respostas embasadas em teorias que ligassem os fatos entre si, dando-lhes sentido e orientação. Mais tarde, E. H. Carr iria publicar um pequeno livro intitulado What is History (1961) resultante de suas reflexões sobre essa questão. Nesse livro, Carr argumenta que o historiador não deve restringir-se apenas a localizar e descrever com exatidão os fatos ocorridos. Localizar devidamente os fatos no tempo e descrevê-los com exatidão constituem apenas uma obrigação primária; o verdadeiro historiador, afirma Carr, deve ir além. Deve interpretar os fatos, a começar pela seleção daqueles que julga efetivamente relevantes: “… o fato de César atravessar aquele pequeno riacho, o Rubicão, é um fato da história, ao passo que a travessia do Rubicão, por milhões de outras pessoas, antes ou desde então, não interessa a ninguém em absoluto”, escreve Carr. [10]
Com efeito, desde a Grande Guerra de 1914-18, as notícias sobre os acontecimentos internacionais ganharam espaço nos jornais, mas isto não queria dizer que crises, conflitos e tratados fossem melhor compreendidos. Dessa forma, em grande medida, Vinte Anos de Crise derivava de uma preocupação que se estenderia por toda a sua vida: a de tentar encontrar um sentido para os fatos observáveis e aí buscar as respostas a perguntas como as acima mencionadas. Quando deixou o Foreign Office em 1936 e seguiu para a Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, levava consigo, de um lado, vinte anos de observação da política internacional, mas de outro lado, levava também a inquietante percepção de que as tradicionais categorias empregadas na análise e nas práticas que haviam servido tão bem à geração de Lord Salisbury para compreender e agir na política internacional de seu tempo, tornaram-se referenciais pouco seguras para Balfour e, claramente, haviam se tornado totalmente inadequadas para as questões que a geração de Lloyd George estava tendo que enfrentar.
Na verdade, a percepção de que a realidade internacional precisava ser melhor compreendida era compartilhada por muitos daqueles que haviam participado ou simplesmente acompanhado os acontecimentos que fizeram das primeiras décadas do século XX um período marcado por tragédias e perplexidades. O que não estava claro é como essa demanda poderia ser atendida. Pode-se dizer que E. H. Carr teria sido, na verdade, aquele que, em seu tempo, percebeu mais claramente essas circunstâncias e efetivamente fez a síntese mais completa de um entendimento que se consolidava acerca da utilidade, e mesmo da necessidade, de se olhar as relações internacionais sob um prisma científico. Em outras palavras, embora não houvesse clareza e homogeneidade nessa percepção, generalizava-se o entendimento de que os fenômenos internacionais deveriam ser observados e interpretados por meio de estruturas teóricas e que constituíam uma classe de fenômenos suficientemente distinta para justificar a construção de uma nova ciência. Não foi acidental, portanto, o fato de Carr dedicar a primeira parte do livro Vinte Anos de Crise à explicação do “nascimento de uma nova ciência”. [11]
É importante mencionar o fato de que a novidade das iniciativas não estava na preocupação em destacar a importância da reflexão sobre os fenômenos internacionais, mas sim no entendimento de que essa reflexão poderia tornar-se muito mais precisa e articulada se passasse a ser feita com o emprego de métodos desenvolvidos pela ciência. Com efeito, desde a Antigüidade e especialmente a partir dos fins da Idade Média, no mundo ocidental a reflexão sobre as relações entre povos e unidades políticas vinha sendo feita no âmbito da filosofia política. A novidade da preocupação era o entendimento de que a compreensão dos fenômenos internacionais poderia ser aumentada e tornar-se universal com o desenvolvimento de conceitos e categorias de análise seguindo os padrões da ciência social moderna. A particularidade é que muitos dos conceitos fundamentais deveriam ser tomados diretamente de pensadores como Aristóteles, Maquiavel, Bodin ou Rousseau, que haviam vivido séculos antes. A principal razão era o entendimento de que esses filósofos, por terem refletido sistematicamente sobre o homem e a sua natureza, poderiam oferecer pistas mais seguras sobre possíveis elementos universais e atemporais relativos ao comportamento humano. Assim, enquanto na economia, por exemplo, os autores considerados “clássicos” do pensamento econômico estão situados essencialmente a partir da época tida como a do nascimento da própria ciência econômica, isto é, a partir dos fisiocratas, nas relações internacionais, contudo, há mais de uma dezena de autores considerados consensualmente como “clássicos” e que são muito anteriores ao século XX. Nesse particular, a grande diferença entre os fenômenos característicos de cada um desses domínios do conhecimento é que noções centrais para a vida econômica como a de mercado, por exemplo, só emergem efetivamente na modernidade enquanto estado, poder, guerra e paz são fenômenos observados, descritos e analisados desde a Antigüidade.
veja também esta outra resenha
http://www6.ufrgs.br/nerint/folder/resenhas/resenha3.pdf
Escrito no calor dos acontecimentos que precederam o início da Segunda Guerra Mundial e o objeto central da preocupação de Carr era o de compreender e interpretar os inquietantes acontecimentos da política internacional. Entretanto, ao empregar categorias analíticas de uma forma bastante inédita no entendimento dos fenômenos internacionais, sua análise ultrapassou amplamente aquele propósito inicial e acabou por tornar-se um verdadeiro marco na formação do próprio campo de estudo das relações internacionais. Com efeito, E. H. Carr fez parte da geração que estabeleceu as relações internacionais como campo de estudo distinto tal qual conhecemos hoje. Sua motivação inicial tinha por origem os fatos preocupantes de um ambiente internacional ameaçadoramente turbulento, mas sua angústia tornava-se maior ao observar que a inadequação das políticas praticadas derivava em grande parte da total incompreensão a respeito do meio internacional e das forças reais que nele atuavam. Evitar uma conflagração internacional podia fazer parte das preocupações da maioria dos estadistas, todavia esse fato não garantia que esse objetivo seria efetivamente atingido. Carr percebia que na política internacional havia forças que atuavam sobre os atores que, de muitas formas, limitavam ou mesmo condicionavam suas ações. Estava entre aqueles que percebiam que os fenômenos gerados pela convivência internacional tinham peculiaridades que não poderiam ser interpretadas apenas como simples somatórias das ações dos Estados tomados individualmente. [9] Participara da Conferência de Versailles e, assim, acompanhou muito de perto as motivações e as ações dos homens e das instituições que levaram à elaboração e assinatura do Tratado de Paz de Versailles. Além disso, até voltar-se para a vida acadêmica em meados da década de 1930, permaneceu no Foreign Office de onde pode acompanhar, como oficial do Governo, o surgimento e a evolução de várias crises bem como as ações governamentais que tentavam manejá-las. Muitas dessas crises, como a invasão do Ruhr pela França e o colapso da República de Weimar eram conseqüências diretas dos termos do Tratado de Versailles enquanto a incapacidade de ação da Liga das Nações, observava Carr, revelava a incompatibilidade da natureza do meio internacional com a crença predominante, inclusive entre os analistas, de que a simples sistematização de uma ordem jurídica das relações internacionais e a sanção da opinião pública seriam suficientes para banir o uso da força.
Assim, as reflexões de Carr contidas no Vinte Anos de Crise foram também um produto da observação continuada da realidade da política internacional turbulenta, marcada por sucessivas crises que enchiam de perplexidade as mentes pouco acostumadas a padrões em rápida transformação. Nessas circunstâncias, era inevitável que uma mente sensível e atenta como a de Carr se perguntasse angustiadamente o que significava tudo aquilo. O que estava ocorrendo com o Império Britânico? Por que a tentativa de restaurar o padrão ouro fora um fracasso? Por que os acordos de Locarno tiveram tão poucos efeitos sobre a estabilidade internacional? Por que os acontecimentos em regiões distantes haviam se tornado tão importantes para a política internacional? Seriam as elites que teriam se tornado insanas ou as massas é que haviam se tornado incontroláveis? Enfim, para onde o mundo estaria se encaminhando?
As notícias dos acontecimentos, que os jornais divulgavam de maneira cada vez mais febril, ajudavam mais para confundir do que para esclarecer. Tornava-se também claro que as respostas que Carr e a maioria das pessoas preocupadas com as crises procuravam de forma cada vez mais ansiosa, não poderiam ser encontradas nos termos de um tratado ou nas ações de um governante. Perguntas suscitadas pelo ambiente internacional cada vez mais turbulento, como as acima mencionadas, demandavam respostas embasadas em teorias que ligassem os fatos entre si, dando-lhes sentido e orientação. Mais tarde, E. H. Carr iria publicar um pequeno livro intitulado What is History (1961) resultante de suas reflexões sobre essa questão. Nesse livro, Carr argumenta que o historiador não deve restringir-se apenas a localizar e descrever com exatidão os fatos ocorridos. Localizar devidamente os fatos no tempo e descrevê-los com exatidão constituem apenas uma obrigação primária; o verdadeiro historiador, afirma Carr, deve ir além. Deve interpretar os fatos, a começar pela seleção daqueles que julga efetivamente relevantes: “… o fato de César atravessar aquele pequeno riacho, o Rubicão, é um fato da história, ao passo que a travessia do Rubicão, por milhões de outras pessoas, antes ou desde então, não interessa a ninguém em absoluto”, escreve Carr. [10]
Com efeito, desde a Grande Guerra de 1914-18, as notícias sobre os acontecimentos internacionais ganharam espaço nos jornais, mas isto não queria dizer que crises, conflitos e tratados fossem melhor compreendidos. Dessa forma, em grande medida, Vinte Anos de Crise derivava de uma preocupação que se estenderia por toda a sua vida: a de tentar encontrar um sentido para os fatos observáveis e aí buscar as respostas a perguntas como as acima mencionadas. Quando deixou o Foreign Office em 1936 e seguiu para a Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, levava consigo, de um lado, vinte anos de observação da política internacional, mas de outro lado, levava também a inquietante percepção de que as tradicionais categorias empregadas na análise e nas práticas que haviam servido tão bem à geração de Lord Salisbury para compreender e agir na política internacional de seu tempo, tornaram-se referenciais pouco seguras para Balfour e, claramente, haviam se tornado totalmente inadequadas para as questões que a geração de Lloyd George estava tendo que enfrentar.
Na verdade, a percepção de que a realidade internacional precisava ser melhor compreendida era compartilhada por muitos daqueles que haviam participado ou simplesmente acompanhado os acontecimentos que fizeram das primeiras décadas do século XX um período marcado por tragédias e perplexidades. O que não estava claro é como essa demanda poderia ser atendida. Pode-se dizer que E. H. Carr teria sido, na verdade, aquele que, em seu tempo, percebeu mais claramente essas circunstâncias e efetivamente fez a síntese mais completa de um entendimento que se consolidava acerca da utilidade, e mesmo da necessidade, de se olhar as relações internacionais sob um prisma científico. Em outras palavras, embora não houvesse clareza e homogeneidade nessa percepção, generalizava-se o entendimento de que os fenômenos internacionais deveriam ser observados e interpretados por meio de estruturas teóricas e que constituíam uma classe de fenômenos suficientemente distinta para justificar a construção de uma nova ciência. Não foi acidental, portanto, o fato de Carr dedicar a primeira parte do livro Vinte Anos de Crise à explicação do “nascimento de uma nova ciência”. [11]
É importante mencionar o fato de que a novidade das iniciativas não estava na preocupação em destacar a importância da reflexão sobre os fenômenos internacionais, mas sim no entendimento de que essa reflexão poderia tornar-se muito mais precisa e articulada se passasse a ser feita com o emprego de métodos desenvolvidos pela ciência. Com efeito, desde a Antigüidade e especialmente a partir dos fins da Idade Média, no mundo ocidental a reflexão sobre as relações entre povos e unidades políticas vinha sendo feita no âmbito da filosofia política. A novidade da preocupação era o entendimento de que a compreensão dos fenômenos internacionais poderia ser aumentada e tornar-se universal com o desenvolvimento de conceitos e categorias de análise seguindo os padrões da ciência social moderna. A particularidade é que muitos dos conceitos fundamentais deveriam ser tomados diretamente de pensadores como Aristóteles, Maquiavel, Bodin ou Rousseau, que haviam vivido séculos antes. A principal razão era o entendimento de que esses filósofos, por terem refletido sistematicamente sobre o homem e a sua natureza, poderiam oferecer pistas mais seguras sobre possíveis elementos universais e atemporais relativos ao comportamento humano. Assim, enquanto na economia, por exemplo, os autores considerados “clássicos” do pensamento econômico estão situados essencialmente a partir da época tida como a do nascimento da própria ciência econômica, isto é, a partir dos fisiocratas, nas relações internacionais, contudo, há mais de uma dezena de autores considerados consensualmente como “clássicos” e que são muito anteriores ao século XX. Nesse particular, a grande diferença entre os fenômenos característicos de cada um desses domínios do conhecimento é que noções centrais para a vida econômica como a de mercado, por exemplo, só emergem efetivamente na modernidade enquanto estado, poder, guerra e paz são fenômenos observados, descritos e analisados desde a Antigüidade.
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Resenha - Claro Enigma - Drummond
Contexto Historico:
O Modernismo no Brasil
Momento Histórico
- As máquina e o ritmo acelerado da civilização industrial se incorporavam à paisagem brasileira.
- Problemas sociais antigos continuam sem solução, produzindo tensões e conflitos graves. Os meios intelectuais sentem que é preciso reformar o Brasil, mergulhado numa contradição grave: a mesmo tempo em que se modernizava, mantinha uma organização social arcaica.
Características Literárias
- A 1ª fase é a de ruptura com o passado. Humor, uso do coloquial, primitivismo, vanguardas, tudo é válido para criar uma literatura em sintonia com os novos tempos.
- Na 2ª fase se estabelecem o romance regionalista, que retrata uma certa região do pais, e a prosa intimista, que estuda o homem urbano.
- A 3ª fase nega algumas das propostas da 1ª e retorna o uso cuidadoso e consciente da palavra. O número de correntes literárias e autores cresce, o que torna difícil classificar essa fase.
Os poemas de Claro enigma, livro publicado por Carlos Drummond de Andrade em 1951, revelam um poeta ciente da finitude e disposto a analisar as conquistas e perdas da maturidade para, no atrito com o tempo corrosivo, enriquecer sua obra com a expressão das tensões vividas pelo homem que caminha, lúcido, para a morte. Drummond dedica-se a um exercício obstinado para compreender e representar poeticamente os efeitos desse devir nas respostas emocionais, nas ações praticadas e nos sentidos conferidos ao mundo, inserindo o tema na linha da investigação filosófica que anima a obra no período. Nesse movimento, nota a temporalidade vazia e as várias representações que procuram escamotear a angústia do tempo, reagindo a elas com a incondicional aplicação da lucidez na leitura de si mesmo e do objeto. Armado contra as imagens falaciosas do mundo, o poeta anuncia seu desligamento da poesia atravessada pela matéria histórica, que cultivara na década anterior, e, em seu lugar, apresenta uma poesia fortemente dissonante, que pretende a dicção alta e a referência mítica, mas desautoriza o conhecimento produzido pela tradição cultural. A resistência ao fluxo do tempo faz-se pela experiência amorosa e pela memória da família e da província. A vivência do amor permite ao sujeito reelaborar a vida que se esvai, resgatando alguma vitalidade no momento de ocaso. No entanto, é uma experiência antitética, já que sua aprendizagem é solitária e reafirma a morte incorporada. O estado de simpatia com a morte coloca a memória como a mais fundamental experiência do tempo e, nessa linha, a família e a terra natal são revisitadas em função do desejo de compreender a herança material-emotiva que os antepassados legaram. A palavra que rememora recria a família, tornando-a alvo do desejo e de uma prosaica mitificação, mas não basta para anular os conflitos do passado, que emergem e pontuam a singular identidade mineira do poeta. O conjunto
das questões postas por Claro enigma define um paradoxo entre a proposta de idealidade, representada pelo não-tempo do mito, e o aprisionamento no fluxo diruptivo do tempo, promovido pela experiência da madureza. A lucidez impede a instauração da idealidade, mas o simbólico gesto de tirar os olhos do mundo, muito freqüente na obra, evidenciará a necessidade de manutenção de um refúgio para a subjetividade individual. Essa tensão é o principal recurso estruturador de Claro enigma
Os poemas de Claro enigma, livro publicado por Carlos Drummond de Andrade em 1951, revelam um poeta ciente da finitude e disposto a analisar as conquistas e perdas da maturidade para, no atrito com o tempo corrosivo, enriquecer sua obra com a expressão das tensões vividas pelo homem que caminha, lúcido, para a morte. Drummond dedica-se a um exercício obstinado para compreender e representar poeticamente os efeitos desse devir nas respostas emocionais, nas ações praticadas e nos sentidos conferidos ao mundo, inserindo o tema na linha da investigação filosófica que anima a obra no período. Nesse movimento, nota a temporalidade vazia e as várias representações que procuram escamotear a angústia do tempo, reagindo a elas com a incondicional aplicação da lucidez na leitura de si mesmo e do objeto. Armado contra as imagens falaciosas do mundo, o poeta anuncia seu desligamento da poesia atravessada pela matéria histórica, que cultivara na década anterior, e, em seu lugar, apresenta uma poesia fortemente dissonante, que pretende a dicção alta e a referência mítica, mas desautoriza o conhecimento produzido pela tradição cultural. A resistência ao fluxo do tempo faz-se pela experiência amorosa e pela memória da família e da província. A vivência do amor permite ao sujeito reelaborar a vida que se esvai, resgatando alguma vitalidade no momento de ocaso. No entanto, é uma experiência antitética, já que sua aprendizagem é solitária e reafirma a morte incorporada. O estado de simpatia com a morte coloca a memória como a mais fundamental experiência do tempo e, nessa linha, a família e a terra natal são revisitadas em função do desejo de compreender a herança material-emotiva que os antepassados legaram. A palavra que rememora recria a família, tornando-a alvo do desejo e de uma prosaica mitificação, mas não basta para anular os conflitos do passado, que emergem e pontuam a singular identidade mineira do poeta. O conjunto das questões postas por Claro enigma define um paradoxo entre a proposta de idealidade, representada pelo não-tempo do mito, e o aprisionamento no fluxo diruptivo do tempo, promovido pela experiência da madureza. A lucidez impede a instauração da idealidade, mas o simbólico gesto de tirar os olhos do mundo, muito freqüente na obra, evidenciará a necessidade de manutenção de um refúgio para a subjetividade individual. Essa tensão é o principal recurso estruturador de Claro enigma
O poema se marca, pelo menos na sua camada mais evidente, por uma estética corrosiva que se concretiza no processo de interrogações e negações de cunho niilista, em consonância, aliás, com a onda existencialista em voga na década de 50, momento em que surgiu Claro Enigma. Ao eu poético parece nada restar a não ser a constatação da inutilidade de si mesmo e do mundo, numa reafirmação da visão shopenhaueriana, que também em Heidegger e Sartre encontra eco, segundo a qual é inerente ao homem a sua condição de ser para a morte. Esse recorte singular e solitário da individualidade contra os “monstros atuais” (7º verso), num diálogo surdo com o mundo, mostra-se como a face mais visível do poema de Drummond que, habilmente, guarda como seu trunfo maior aquilo que fará despontar, em seu final, para ser a contraface desse desencanto. É que, embora predominem espressões disfóricas que vão intensificando ao longo do poema o sentido da negação (ou do canto nenhum a ser legado), há outro sentido - o traçado pelo “passo caprichoso” - a irromper para além das negações.
O que interessa a Drummond quanto ao legado a deixar não é a sua obra enquanto totalidade ou acabamento, nem como universo reconfortante, mas como caminho de construção de uma escrita que se escreve dentro e fora do poeta, afirmando-o e libertando-o de seus limites. É o que diz Maurice Blanchot a respeito da obra, vista como fala errante: “uma obra está concluída, não quando o é, mas quando aquele que nela trabalha do lado de dentro pode igualmente terminá-la do lado de fora, já não é retido interiormente pela obra (...)” (1987, p. 48) E a saída que o eu-lírico drummondiano encontra para não ficar retido em sua obra é deslizar para um diálogo irônico com ela, examinando-a com o olhar do “vasto mundo” que o poeta já incorporara em sua poesia de 1930 (em “Poema de sete faces”, por exemplo) e agora recupera para reescrever em outros moldes aquela rima desencontrada com o mundo. O verso “Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.” não é senão um desdobramento de outros, legados de sua poesia passada: “Mundo mundo vasto mundo, / se eu me chamasse Raimundo (...)” - mas uma fala agora já mais amadurecida pelo corroer da consciência e menos explícita quanto ao jogo travado com a própria linguagem. Abandonada a rima, que seria apenas uma solução formal e não resolveria o conflito maior, de natureza semântico-existencial, o que fica para o poeta explorar nessa nova investida contra o mundo é uma matéria que não oculta a sua negatividade constitutiva: o canto não será radioso, não terá poder para desfazer a bruma ou espinhos, muito menos para seduzir ou encantar, diz o poeta. A voz órfica só existe mesmo como referência longínqua para uma modulação lírica moderna desacreditada de seus poderes
O Modernismo no Brasil
Momento Histórico
- As máquina e o ritmo acelerado da civilização industrial se incorporavam à paisagem brasileira.
- Problemas sociais antigos continuam sem solução, produzindo tensões e conflitos graves. Os meios intelectuais sentem que é preciso reformar o Brasil, mergulhado numa contradição grave: a mesmo tempo em que se modernizava, mantinha uma organização social arcaica.
Características Literárias
- A 1ª fase é a de ruptura com o passado. Humor, uso do coloquial, primitivismo, vanguardas, tudo é válido para criar uma literatura em sintonia com os novos tempos.
- Na 2ª fase se estabelecem o romance regionalista, que retrata uma certa região do pais, e a prosa intimista, que estuda o homem urbano.
- A 3ª fase nega algumas das propostas da 1ª e retorna o uso cuidadoso e consciente da palavra. O número de correntes literárias e autores cresce, o que torna difícil classificar essa fase.
Os poemas de Claro enigma, livro publicado por Carlos Drummond de Andrade em 1951, revelam um poeta ciente da finitude e disposto a analisar as conquistas e perdas da maturidade para, no atrito com o tempo corrosivo, enriquecer sua obra com a expressão das tensões vividas pelo homem que caminha, lúcido, para a morte. Drummond dedica-se a um exercício obstinado para compreender e representar poeticamente os efeitos desse devir nas respostas emocionais, nas ações praticadas e nos sentidos conferidos ao mundo, inserindo o tema na linha da investigação filosófica que anima a obra no período. Nesse movimento, nota a temporalidade vazia e as várias representações que procuram escamotear a angústia do tempo, reagindo a elas com a incondicional aplicação da lucidez na leitura de si mesmo e do objeto. Armado contra as imagens falaciosas do mundo, o poeta anuncia seu desligamento da poesia atravessada pela matéria histórica, que cultivara na década anterior, e, em seu lugar, apresenta uma poesia fortemente dissonante, que pretende a dicção alta e a referência mítica, mas desautoriza o conhecimento produzido pela tradição cultural. A resistência ao fluxo do tempo faz-se pela experiência amorosa e pela memória da família e da província. A vivência do amor permite ao sujeito reelaborar a vida que se esvai, resgatando alguma vitalidade no momento de ocaso. No entanto, é uma experiência antitética, já que sua aprendizagem é solitária e reafirma a morte incorporada. O estado de simpatia com a morte coloca a memória como a mais fundamental experiência do tempo e, nessa linha, a família e a terra natal são revisitadas em função do desejo de compreender a herança material-emotiva que os antepassados legaram. A palavra que rememora recria a família, tornando-a alvo do desejo e de uma prosaica mitificação, mas não basta para anular os conflitos do passado, que emergem e pontuam a singular identidade mineira do poeta. O conjunto
das questões postas por Claro enigma define um paradoxo entre a proposta de idealidade, representada pelo não-tempo do mito, e o aprisionamento no fluxo diruptivo do tempo, promovido pela experiência da madureza. A lucidez impede a instauração da idealidade, mas o simbólico gesto de tirar os olhos do mundo, muito freqüente na obra, evidenciará a necessidade de manutenção de um refúgio para a subjetividade individual. Essa tensão é o principal recurso estruturador de Claro enigma
Os poemas de Claro enigma, livro publicado por Carlos Drummond de Andrade em 1951, revelam um poeta ciente da finitude e disposto a analisar as conquistas e perdas da maturidade para, no atrito com o tempo corrosivo, enriquecer sua obra com a expressão das tensões vividas pelo homem que caminha, lúcido, para a morte. Drummond dedica-se a um exercício obstinado para compreender e representar poeticamente os efeitos desse devir nas respostas emocionais, nas ações praticadas e nos sentidos conferidos ao mundo, inserindo o tema na linha da investigação filosófica que anima a obra no período. Nesse movimento, nota a temporalidade vazia e as várias representações que procuram escamotear a angústia do tempo, reagindo a elas com a incondicional aplicação da lucidez na leitura de si mesmo e do objeto. Armado contra as imagens falaciosas do mundo, o poeta anuncia seu desligamento da poesia atravessada pela matéria histórica, que cultivara na década anterior, e, em seu lugar, apresenta uma poesia fortemente dissonante, que pretende a dicção alta e a referência mítica, mas desautoriza o conhecimento produzido pela tradição cultural. A resistência ao fluxo do tempo faz-se pela experiência amorosa e pela memória da família e da província. A vivência do amor permite ao sujeito reelaborar a vida que se esvai, resgatando alguma vitalidade no momento de ocaso. No entanto, é uma experiência antitética, já que sua aprendizagem é solitária e reafirma a morte incorporada. O estado de simpatia com a morte coloca a memória como a mais fundamental experiência do tempo e, nessa linha, a família e a terra natal são revisitadas em função do desejo de compreender a herança material-emotiva que os antepassados legaram. A palavra que rememora recria a família, tornando-a alvo do desejo e de uma prosaica mitificação, mas não basta para anular os conflitos do passado, que emergem e pontuam a singular identidade mineira do poeta. O conjunto das questões postas por Claro enigma define um paradoxo entre a proposta de idealidade, representada pelo não-tempo do mito, e o aprisionamento no fluxo diruptivo do tempo, promovido pela experiência da madureza. A lucidez impede a instauração da idealidade, mas o simbólico gesto de tirar os olhos do mundo, muito freqüente na obra, evidenciará a necessidade de manutenção de um refúgio para a subjetividade individual. Essa tensão é o principal recurso estruturador de Claro enigma
O poema se marca, pelo menos na sua camada mais evidente, por uma estética corrosiva que se concretiza no processo de interrogações e negações de cunho niilista, em consonância, aliás, com a onda existencialista em voga na década de 50, momento em que surgiu Claro Enigma. Ao eu poético parece nada restar a não ser a constatação da inutilidade de si mesmo e do mundo, numa reafirmação da visão shopenhaueriana, que também em Heidegger e Sartre encontra eco, segundo a qual é inerente ao homem a sua condição de ser para a morte. Esse recorte singular e solitário da individualidade contra os “monstros atuais” (7º verso), num diálogo surdo com o mundo, mostra-se como a face mais visível do poema de Drummond que, habilmente, guarda como seu trunfo maior aquilo que fará despontar, em seu final, para ser a contraface desse desencanto. É que, embora predominem espressões disfóricas que vão intensificando ao longo do poema o sentido da negação (ou do canto nenhum a ser legado), há outro sentido - o traçado pelo “passo caprichoso” - a irromper para além das negações.
O que interessa a Drummond quanto ao legado a deixar não é a sua obra enquanto totalidade ou acabamento, nem como universo reconfortante, mas como caminho de construção de uma escrita que se escreve dentro e fora do poeta, afirmando-o e libertando-o de seus limites. É o que diz Maurice Blanchot a respeito da obra, vista como fala errante: “uma obra está concluída, não quando o é, mas quando aquele que nela trabalha do lado de dentro pode igualmente terminá-la do lado de fora, já não é retido interiormente pela obra (...)” (1987, p. 48) E a saída que o eu-lírico drummondiano encontra para não ficar retido em sua obra é deslizar para um diálogo irônico com ela, examinando-a com o olhar do “vasto mundo” que o poeta já incorporara em sua poesia de 1930 (em “Poema de sete faces”, por exemplo) e agora recupera para reescrever em outros moldes aquela rima desencontrada com o mundo. O verso “Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.” não é senão um desdobramento de outros, legados de sua poesia passada: “Mundo mundo vasto mundo, / se eu me chamasse Raimundo (...)” - mas uma fala agora já mais amadurecida pelo corroer da consciência e menos explícita quanto ao jogo travado com a própria linguagem. Abandonada a rima, que seria apenas uma solução formal e não resolveria o conflito maior, de natureza semântico-existencial, o que fica para o poeta explorar nessa nova investida contra o mundo é uma matéria que não oculta a sua negatividade constitutiva: o canto não será radioso, não terá poder para desfazer a bruma ou espinhos, muito menos para seduzir ou encantar, diz o poeta. A voz órfica só existe mesmo como referência longínqua para uma modulação lírica moderna desacreditada de seus poderes
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