Segundo DORATIOTO, “a Guerra do Paraguai foi o conflito externo de maior repercussão para os países envolvidos, quer quanto à mobilização e perda de homens, quer quanto aos aspectos políticos e financeiros”. Ao ser iniciada, no entanto, ninguém imaginava que a guerra se estenderia por cinco anos e tomasse as proporções que tomou.
Francisco Solano López entrou em rota de colisão com Brasil e Argentina ao buscar uma participação ativa nos acontecimentos platinos, apoiando o governo uruguaio hostilizado pelos seus dois maiores vizinhos. Foi assim que acabou por ordenar a invasão de Mato Grosso e Corrientes, declarando guerra ao Brasil e à Argentina, respectivamente nos anos de 1864 e 1865.
Por não se acreditar que o Paraguai estivesse disposto a romper com o Império do Brasil em decorrência do ultimatum dado a Montevidéu, o exército do Império se encontrava totalmente despreparado quando foi surpreendido com a invasão de Mato Grosso, a tal ponto que mesmo seis meses depois de iniciada a luta, não conseguiu tomar a ofensiva. Mato Grosso, que era a província mais isolada e indefesa do Brasil, tornou-se alvo fácil para a invasão paraguaia.
O Paraguai esteve na ofensiva militar entre dezembro de 1864 e setembro de 1865, ao invadir o território brasileiro e argentino. O plano de Solano López de uma guerra-relâmpago, que poderia resultar em um novo equilíbrio de poder no Prata, no entanto, fracassou. As forças invasoras de Corrientes e do Rio Grande do Sul não aproveitaram adequadamente o fator surpresa. Ademais, os blancos, que estavam do lado paraguaio, saíram do poder no Uruguai e, em Corrientes e Entre-Ríos, a população não aderiu à força invasora.
Os antecedentes da Guerra
A Guerra do Paraguai durou mais de cinco anos, de dezembro de 1864 a março de 1870. Brasil, Argentina e Uruguai formaram a Tríplice Aliança contra o Paraguai. A Inglaterra financiou a guerra, fazendo empréstimos ao Brasil. Doratioto busca os antecedentes históricos do conflito. Carlos Antônio López era o presidente do Paraguai desde 1840 e tinha cinco filhos, sendo Solano López um deles. Em agosto de 1862, Carlos adoeceu e fez seu primeiro testamento político, designando seu outro filho, Angel Benigno López, para assumir o cargo de vice-presidente. Mas quando Solano López soube que seu pai piorara de saúde, “retornou a Assunção e discordou quando Carlos López comunicou a decisão de nomear Angel Benigno López para vice-presidente. Solano López conseguiu que o moribundo alterasse o testamento, nomeando-o para esse cargo”.
Carlos Antônio López morreu no dia 10 de setembro de 1862, mas antes de falecer fez um pedido a Solano: “Tem muitas questões pendentes, mas não busque resolvê-las pela espada, mas sim pela caneta, principalmente com o Brasil”. A história seria bem diferente do pedido de Carlos Lopes ao seu filho. Solano López assumiu a chefia do Estado do Paraguai em 16 de outubro de 1862 e deu continuidade à tradição de autoritarismo no país. Em setembro de 1864, César Sauvan Viana de Lima, ministro brasileiro em Assunção “começou a considerar a possibilidade do governo paraguaio ter intenções de promover uma ação armada contra o Brasil” e que se o Brasil invadisse o Uruguai, a guerra estaria declarada.
Questão Uruguaia
O Uruguai estava dividido entre blancos e colorados. Os blancos eram nacionalistas radicais e os colorados mais liberais. No país, um terço da população era constituída de brasileiros a maioria, gaúchos, que tinham terras por lá. Em 1863, o governo imperial tentou evitar o envolvimento dos cidadãos brasileiros na guerra civil uruguaia e buscou conciliar a Argentina e o Uruguai por meio da missão Loureiro. Em abril de 64, a temperatura aumentou na região: o conselheiro brasileiro José Antônio Saraiva foi exigir do governo uruguaio o respeito aos direitos dos brasileiros residentes no país. Estava no poder o líder blanco Bernardo Berro, mas seu mandato “na presidência do Uruguai terminou no início de 1864 e a Guerra Civil no país impediu a realização de novas eleições. O presidente do senado, o blanco Atanásio de la Cruz Aguirre, assumiu, então, o Executivo Uruguaio, prosseguindo na luta contra a rebelião colorada”. Aguirre não queria negociar e o Brasil se preparava para intervir no país. O governo paraguaio acusava o Brasil de querer aumentar seu território às custas de Estados menores e de querer monopolizar o comércio do Prata. Pelas declarações de Solano López, caso as tropas brasileiras entrassem no Uruguai, seria declarada a guerra. Paralelo a isso, Venâncio Flores, um grande líder colorado,estava exilado na Argentina e se preparando para subir ao poder com o apoio brasileiro e argentino.
Em 12 de outubro daquele ano, uma brigada brasileira, sob o comando do general José Luis Mena Barreto invadiu o Uruguai. Venâncio Flores, com sua tropa, também entrou no país e,com a ajuda das tropas imperiais, conseguiria tirar os blancos do poder. Com essa invasão, Solano interpretou que o Império declarava guerra e assim capturou o vapor Marquês de Olinda e toda a tripulação do barco brasileiro, que navegava no Rio Paraguai, acreditando que faziam carregamento de armas, mas que, na verdade transportava passageiros3, correspondências,dinheiro e mercadorias para a então província de Mato Grosso. Com esse ato, Solano convencera-se de que o Brasil se preparava para guerrear. “Apesar da esmagadora inferioridade geográfica, demográfica e econômica, o governante paraguaio pretendeu enfrentar o Império, o
mais povoado e rico dos Estados sul-americanos, aliado à Argentina e ao Uruguai". Paraguai na Guerra: invasão em Mato Grosso A situação paraguaia foi descrita por Doratioto assim: com armamento obsoleto, o país possuía um único vapor armado, o “Tacuarí”, e uma população de aproximadamente 400 mil habitantes. “Mas a falta de oficiais não impediu Solano López de começar a guerra [...]. De acordo com informe da Legação Norte-americana em Assunção, o governo paraguaio buscavaum confronto com o Brasil” Solano preparava-se para invadir o Brasil, enquanto o país governado por D. Pedro II ocupava-se da campanha militar contra os blancos uruguaios. Uma das únicas providências de precaução que o Império tomou foi a de reforçar o forte Coímbra em Corumbá4 com 70 homens e mais 143 militares em Miranda e Nioaque. O Paraguai invadiu a província de Mato Grosso em duas colunas. A primeira, pelo antigo forte paraguaio de Bela Vista e por onde é hoje Ponta Porã. O ataque causou indignação no Brasil “...visto como ato traiçoeiro e injustificável, pois eram normais as relações entre os dois países,bem como o fato de o Marques de Olinda ter sido aprisionado sem declaração de guerra”.O autor enfatiza a vontade de guerra que tinha Solano López. Os ataques à Mato Grosso e Corrientes viabilizaram uma atuação conjunta entre o Brasil e a Argentina, formalizada pelo Tratado da Tríplice Aliança, à qual o Uruguai também aderiu. Em 1º de maio de 1865, esse documento foi assinado, em Buenos Aires, estabelecendo como alvo principal o presidente paraguaio. A população brasileira esperava uma guerra curta e rápida. Segundo Doratioto, “mesmo depois de ter grande parte de seu território ocupado pelos paraguaios, em janeiro de 1865, o governo mato-grossense foi mantido desinformado sobre o que ocorria na guerra”.
Questão inglesa
Quem mais lucrou com a guerra foi a Inglaterra porque foi este país quem fez empréstimos ao Império no valor de 5 milhões de libras e “a quantia deveria ser saldada em 37 anos com pesados juros, para a época, de 5% ao ano” (2002:204). Assim, o Brasil acabou por pagar 160% a mais do valor recebido. Mas o conflito, segundo Doratioto, teria pouca relação com a Inglaterra.A relativização do papel desempenhado pela Grã-Bretanha é o maior contraponto de Doratioto. A Inglaterra serviu apenas para financiar a guerra e não teve a intenção de destruir o Paraguai e dizimar sua população. No capítulo III de “MalditaGuerra”, as potências européias, incluindo a Inglaterra, são tratadas, no título, como “países neutros”.
Os paraguaios eram influenciados por periódicos como o jornal “El Centinela”, pregando que a Tríplice Aliança estava derrotada e que o Paraguai seria o grande vencedor. Ele conta como Solano era retratado nesse jornal:“Como sempre a 'vitória' foi atribuída ao 'heróico' e 'invicto' marechal Solano López, cujos'invencíveis exércitos [...] despedaçaram os negros imbecis', fazendo com que o restante das tropas aliadas se refugiassem 'no espesso matagal, para esconder sua vergonha'. Nesse mesmo número, El Centinela publicava uma ode em que Solano López era classificado de 'grande gênio', 'grande guerreiro', e tinha como versos finais:
Salve, oh vós conspícuo Cidadão
Portento de valor e heroísmo
Que tua figura altiva
Pelos séculos para sempre eterna viva”
De março de 1870, após a morte de Solano López em Cerro Corá, até o final do século XIX, ele era odiado pelos sobreviventes. Naquela época, o Paraguai era visto como um país derrotado em “uma guerra da qual fora o agressor. Ao mesmo tempo, despontava uma geração de estudantes universitários [...] desejosos em [...] encontrar um pensamento que, ao mesmo tempo, recuperasse a auto-estima nacional”. Assim nasceu o revisionismo histórico que buscou reconstruir a imagem do ditador Solano López em herói. O escritor Juan Emiliano O'Leary fora o responsável por recuperar essa imagem e passou a ser conhecido como “El Reivindicador”. Na guerra, de acordo com Doratioto, Solano não admitia seus erros e seus chefes militares também não ousavam dizer a ele que perdiam uma batalha. Só falavam o que o presidente paraguaio gostaria de ouvir, pois ele não aceitaria derrotas. Toda essa dureza era demonstrada nos campos de batalha com seus próprios soldados. Na batalha de Curuzú, paraguaios fugiram da luta e foram punidos, como conta o autor: “Os soldados foram perfilados, contava-se até dez e o décimo soldado era retirado da formação. Repetiu-se a contagem até o final do batalhão e os soldados assim separados foram imediatamente fuzilados”. Os soldados do exército paraguaio que voltou de Corrientes com 8.500 paraguaios a menos, não podiam se queixar pois, se denunciados, seriam castigados. “O descontentamento está registrado nos processos contra militares, acusados de traição por fazerem comentários críticos à condução da guerra por Solano López e às condições de vida da tropa” . O capitão José Maria Rodríguez foi condenado à morte e fuzilado por criticar o ditador. Solano mandou prender o próprio irmão Benigno López, além de outros envolvidos, sob a acusação de conspiração. Foram instalados seis tribunais para julgar os supostos conspiradores. “López marcava com x, a lápis, os nomes dos acusados que deveriam ser mortos”. Os acusados confessavam mediante tortura. Eles tinham as mãos esmagadas com marteladas, eram chicoteados, espancados e muitos morriam nessas sessões de tortura. Em San Fernando, havia um grande terreno, com estacas e nenhuma proteção do sol e chuva, que abrigava os presos. Os sentinelas batiam nos prisioneiros, que recebiam entranhas dos animais mortos como refeição. Em setembro de 1868, Solano López se transferiu de San Fernando para Piquissirí e Doratioto relata o sofrimento desses soldados:“Os prisioneiros tiveram que marchar, em sete dias, quase duzentos quilômetros, com grilhões presos aos pés. Foram obrigados, inclusive, a atravessar, durante cinco horas, um pântano, com água na cintura, e os que, exauridos, não conseguiam mais caminhar foram mortos por baionetas. A esposa do coronel Martinez, que se rendeu em Islã-poí, foi, como se viu, fuzilada, mas antes participara dessa marcha; estava desfigurada, com a cara enegrecida,e por ter sido colocada seis vezes no cepo, tinha o corpo coberto de feridas e as costas em carne viva” . As barbáries da guerra também foram atribuídas ao Conde D'Eu. Ele fazia parte da família real e viera da França ao Brasil, em 1864, para casar com a princesa Isabel. Ele assumiria o comando das forças brasileiras em 16 de abril de 1869, substituindo Caxias, que considerava a guerra terminada.
o Visconde de Taunay confirma a responsabilidade do Conde D'Eu nos degolamentos5. Doratioto questiona apenas a versão de que o comandante brasileiro tenha ordenado o incêndio de um hospital:“Parece não ser verídica, porém a informação, feita por diferentes autores, de que o príncipe mandara incendiar o hospital, no qual morreram carbonizados mais de cem feridos.Provavelmente o incêndio foi conseqüência do bombardeio da vila pelos canhões brasileiros, no início do ataque” .
Um comentário:
Amigo, usamos seu texto para nossa prova parabenes colega, continue escrevendo assim. te amamos.
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