O Estado de S. Paulo
'A diplomacia Sul-Sul tem dado resultado?'
Da Redação
Não
Carlos Pio *
A análise de uma opção de política externa jamais pode ser feita por meio de dados precisos e objetivos. Assim, é muito difícil avaliar com precisão os resultados da guinada terceiro-mundista dada pelo governo Lula.
A partir de uma orientação construída sobre percepções anti-capitalistas, anti-americanas e anti-liberais dos interesses nacionais, da dinâmica da política internacional e dos custos e benefícios das opções existentes para a inserção internacional do Brasil, o governo elegeu como prioridade o adensamento de relações com países, regiões e blocos que resistem (ou que, de acordo com seus formuladores, poderiam resistir) à hegemonia econômica, militar e política dos Estados Unidos. Nesse sentido, em primeiro plano encontram-se China, Rússia, Índia e África do Sul; em segundo, países do Mercosul mais Venezuela e Bolívia; em terceiro, alguns países da África sub-saariana e do Oriente Médio; e, em quarto, mas não menos importante, a liderança de coalizões de países periféricos em organismos multilaterais como a OMC (G-20 e G-4), a UNCTAD (G-77) e o FMI.
O país tem tentado se posicionar como líder do mundo em desenvolvimento em negociações com os ricos em torno de temas tão complexos como o financiamento ao desenvolvimento, ao ajuste estrutural e ao combate à fome e à pobreza; a liberalização comercial nos planos multilateral e regional; e a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Nesse contexto, parece evidente que o Brasil se orienta por uma perspectiva que despreza o sentido da evolução da política e da economia internacional nos últimos 50 anos. Os formuladores da política externa iniciada em 2003 desconsideram inteiramente que o mundo caminha a passos largos para estabelecer a hegemonia do modelo capitalista-democrático, independentemente do grau de consenso que se estabeleça em torno da liderança dos EUA.
O resultado dessa empreitada apenas poderá ser avaliado muitos anos à nossa frente, quando ficarem claras suas conseqüências mais elementares. Por ora, no entanto, parece-me razoável afirmar que pouco nos beneficiamos das brigas compradas com os países ricos, especialmente se considerarmos que haveria muito espaço para estreitarmos nossos vínculos com eles, e da liderança que indubitavelmente temos exercido sobre os países mais atrasados do mundo, que desprezam a lógica implícita ao sistema internacional.
* Professor de Economia Política Internacional da UnB
Sim
André Roberto Martin*
Sim, a prioridade dada pela política exterior do governo Lula ao incremento das relações Sul-Sul está correta, ainda que talvez o próprio Itamaraty não admita, oficialmente, esta preferência. E ela está correta, em primeiro lugar, precisamente porque não exige em contrapartida o fechamento das relações com o Hemisfério Norte. Muito ao contrário, apenas coloca em termos menos assimétricos o comércio e a política inter-hemisféricos.
Raciocinemos. As relações Norte-Norte ainda podem se intensificar desde que reconheçamos a Rússia e a China como membros deste grande Setentrião, que concentra o poder militar e econômico sobre a Terra. Mas há um limite para a utilização dos recursos naturais da Rússia e da mão-de-obra chinesa a partir do qual tornar-se-á mais rentável a exploração de outras fontes ainda não suficientemente utilizadas de ambos os recursos. Aí chegará a vez da África, sul da Ásia, Oceania e América Latina, e é no centro deste conjunto que se situa o Brasil.
Portanto, enfatizar as relações Sul-Sul é não apenas abrir uma avenida de oportunidades para o comércio exterior brasileiro. Substancialmente, significa um ajuste de contas indispensável da nossa sociedade, com seu passado e sua geografia, que trará prestígio para a Nação.
Talvez porque estejamos habituados a buscar prestígio internacional sempre na bajulação das grandes potências, uma postura mais altiva de nossa chancelaria termina sempre criticada pelo pensamento conservador, como demonstração de imaturidade.
Quanto aos périplos presidenciais por países pequenos e pobres, todos acabam sendo invariavelmente tachados como enorme perda de tempo às custas do erário público. Mas o que quer, afinal, o Brasil ser no mundo? Que tipo de país queremos construir? Esta é a questão de fundo. E o Brasil, por seu peso geopolítico, pelo profissionalismo de sua diplomacia, vem conquistando paulatinamente o respeito de todos os países do Hemisfério Sul.
E agora que as questões ambientais estão se tornando dramáticas, mais uma vez os olhos do mundo voltam-se para o Brasil, porque daqui pode sair uma resposta original para o problema. Como país meridional, estamos mais aptos que os do norte a desenvolver as energias renováveis, bem como a pesquisa em biotecnologia. Serão estas as tecnologias do amanhã. Dar atenção ao sul é, portanto, olhar para o futuro.
* Professor de Geografia Política da USP e autor de Fronteiras e Nações (Ed. Contexto).
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