01/10/2008

PAZ E GUERRA No Oriente Medio - David Fromkin- RESENA

"O Oriente Médio, tal como o conhecemos, é uma criação recentíssima. Resultou de decisões tomadas pelos países vitoriosos na Primeira Guerra Mundial, especialmente Inglaterra e França, que desagregaram o Império Otomano (1299-1922), a única potência muçulmana que desafiou a hegemonia européia no mundo moderno.

Novos países, com os respectivos governos, foram fabricados pela Europa. A Inglaterra inventou o Iraque e a Jordânia, traçou em um mapa as fronteiras entre a Arábia Saudita e o Kwait, transformou o Egito em protetorado e deu abrigo, na Palestina, a um Lar Nacional Judaico, precursor do Estado de Israel. A França decidiu a atual configuração da Síria e do Líbano. A maior parte do mundo árabe foi dividida, basicamente, entre duas famílias, que deveriam inaugurar dinastias. A Turquia – centro do antigo império – conquistou com muito sangue o direito à existência, mas os curdos foram deixados sem Estado próprio. A Pérsia, atual Irã, foi humilhada e retalhada.

Há muito tempo os europeus desejavam dominar o Oriente Médio. A ousadia imperial na região, porém, começou tarde demais. A própria Europa estava esgotada pela guerra, incapaz de sustentar tão grande empreitada, desafiada pelos Estados Unidos, de Wilson, e pela União Soviética, de Lenin. Já era incapaz de controlar regiões tão extensas, que abrigam civilizações orgulhosas, com crenças próprias e enraizadas. Na década de 1920, até mesmo para um número crescente de europeus, o velho imperialismo já parecia fora de lugar.

As mudanças, trazidas de fora para dentro, não geraram uma configuração estável. Na região, permanecem pulsantes não apenas disputas de fronteiras ou rivalidades econômicas, mas questões muito mais fundamentais, como o próprio direito à existência das entidades políticas que a compõem. Guerras de sobrevivência nacional ainda estão na ordem do dia. Não há acordo, sequer, sobre as regras do jogo. A permanência do atual arranjo regional é incerta. A própria crença moderna na legitimidade de Estados nacionais leigos, que para nós parece ser natural, é um credo alienígena em sociedades que, há mais de mil anos, se organizam em torno de uma Lei Sagrada que governa toda a vida, inclusive a política.

O professor David Fromkin, da Universidade de Boston (EUA), reconstitui neste livro a história da criação do Oriente Médio moderno, depois de mais de 25 anos de estudos. “Em 1979, quando iniciei minha pesquisa, parecia que tínhamos chegado a um ponto em que, por fim, seria possível contar a verdadeira história do que acontecera. Abriram-se arquivos de documentos oficiais e papéis particulares que eram secretos. Por isso este livro existe.”

25/05/2008

Celso Furtado e o Brasil - Maria da Conceição Tavares

Este livro é composto de ensaios escritos para o seminário Celso Furtado e o Brasil, realizado pela Fundação Perseu Abramo, pela Pontifiçia Universidade Católica de Minas Gerais e pelo Conselho Regional de Economia de Minas Gerais, em Belo Horizonte no mês de novembro de 1999.. Os temas apresentados e debatidos tomaram como ponto de partida alguns aspectos da obra do mestre Furtado que foram considerados importantes para esclarecer os problemas contemporâneos do país e retomados com o propósito de aprofundar nossa reflexão comum. A obra de Celso Furtado pode ser caracterizada por sua preocupação recorrente com o tema da construção da nação diante das diversas formas de dominação internacional e do pacto interno de dominação. Coerentemente, a luta incansável pela verdadeira emancipação nacional tem sido a marca de sua vida como pensador e homem público. Em suas obras mais recentes – que resumem o esforço intelectual de uma vida altamente produtiva – reflete novamente sobre o que considera a fonte primeira da dominação mundial – o controle das inovações tecnológicas – e aponta como elemento central de resistência e de possível superação da fratura social a própria formação e o desenvolvimento de uma cultura nacional

Celso Furtado não desiste nunca da idéia da necessidade de um projeto nacional capaz de animar a reconstrução do Brasil, mesmo quando a atual conjuntura de desmantelamento do país parece deslocar os resultados desse processo para um horizonte cada vez mais longínquo. No Manifesto da Frente de Esquerda Em defesa do Brasil, da democracia e do trabalho (1999) – que ele assinou, como a maioria dos intelectuais que ainda continuam na luta de resistência às políticas neoliberais –, a epígrafe é uma frase sua, esclarecedora do estado de espírito do mestre: “Em nenhum momento da nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”. Esta mágoa, que compartilho com paixão, decorre de nosso sentimento comum quanto à situação da nação em matéria de destruição das forças produtivas e da própria desorganização da sociedade.


“Aos intelectuais cabe-lhes aprofundar a percepção da realidade social para evitar que se alastrem as manchas de irracionalidade que alimentam o aventureirismo político; cabe-lhes projetar luz sobre os desvãos da história onde se ocultam os crimes cometidos pelos que abusam do poder; cabe-lhes auscultar e traduzir as ansiedades e aspirações das forças sociais ainda sem meios próprios de expressão.”

Celso Furtado

28/04/2008

Resenha Paz e Guerra entre as Nações - Raymond Aron

Em Paz e Guerra entre as Nações (1962), Aron discute os níveis conceituais da compreensão do campo das relações internacionais. Aponta que não cabe uma analogia nem com a economia, nem com o futebol. A economia tem como problema a escassez e coloca escolhas sobre os meios de superá-la. O futebol tem regras, juiz, o preciso objetivo dos times de ganhar a partida, que é travada no interior de um campo delimitado, com número fixo de participantes. O campo das relações internacionais se desdobra sobre a sombra da guerra - para Aron, na sua reflexão sobre Clausewitz (1976), um camaleão que assume sempre novas formas. Além do mais, e em contraste com o futebol e a economia, em função da diversidade dos objetivos, dos meios e da multiplicidade dos atores e dos contextos, o objeto das relações internacionais não é unívoco. Daí - e este é o ponto central da visão de Aron - a relativa indeterminação que caracteriza o campo.

Aron estuda a regularidade sociológica dos fatores que condicionam a condução de uma política externa: espaço, número, recursos, nações e regimes. O que ele realça, com originalidade, é que estes fatores não são mobilizados em função de um objetivo unívoco. É uma característica das relações internacionais a pluralidade dinâmica dos objetivos concretos das políticas externas dos Estados que compõem o sistema internacional. Entre estes objetivos figuram: segurança, desenvolvimento e bem-estar, prestígio, afirmação de idéias. É isto que faz do conceito do interesse nacional um conceito plurívoco e por vezes esquivo.

Assim, por exemplo, obter o prestígio de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU é primeira prioridade da diplomacia do governo Lula, não o foi no governo FHC. A mudança dos regimes políticos de outros países é prioridade no governo Bush, não o foi no governo Clinton. A afirmação regional de uma revolução bolivariana é objetivo maior do governo Chávez, não foi item de outros governos da Venezuela. É por este motivo que a racionalidade da conduta da política externa é circunscrita pela escolha de certas premissas que norteiam o seu processo decisório.

É nesta moldura que Aron explora conceitos dos quais esquematicamente se pode extrair a lógica durável das relações interestatais, caracterizada pela distribuição individual, mas desigual do poder entre os Estados. Entre eles, os provenientes dos equilíbrios/desequilíbrios derivados da ordenação estratificada do poder que podem levar a sistemas multipolares (como o do concerto europeu) ou bipolares (como o da guerra fria) e hoje, diria eu, o das tensões da unipolaridade.

Aron também realça a distinção entre sistemas homogêneos, nos quais prevalece o mútuo reconhecimento dos atores, e os heterogêneos (como o da guerra fria), nos quais isso não ocorreu. Aron estudou o confronto capitalismo-comunismo. Hoje, na sua linha, poder-se-ia discutir como os fundamentalismos vêm, por obra do não-reconhecimento mútuo, trazendo uma nova heterogeneidade ao planeta, que é um dos dados do fenômeno terrorista contemporâneo.

Aron, como observador participante, conclui Paz e Guerra com uma praxeologia na qual estuda as antinomias com que lidam os responsáveis pela condução da política externa. Estes se confrontam com o que denomina o problema maquiavélico e o kantiano. O primeiro é o do realismo dos meios legítimos da condução da política externa, que, no limite, comporta o uso de força. O segundo é o da busca da "paz perpétua" e de um princípio regulador da humanidade que substitua a "moral do combate". Na interação dos dois, Aron desenvolve uma ética de prudência e de equilíbrio entre excessos. Nesta não cabem profecias, mas há espaço para o dever da esperança.

22/04/2008

Resenha - GLOBALIZAÇAO, DEMOCRACIA E TERRORISMO Hobsbawn

Coletânea de dez palestras e conferências em que faz um balanço dos principais emas da política internacional dos nossos dias. Embora trate de um amplo conjunto de assuntos - imperialismo, nacionalismo e hegemonia, guerra e paz, ordem pública e disponibilidade de armas, o poder da mídia, mercado e democracia, além de futebol e cultura contemporânea -, a obra tem forte unidade temática, centrada na análise da situação mundial no início do novo milênio e dos problemas mais agudos que nos confrontam.
Eric Hobsbawm, analisa as premissas que irão alterar o resultado final de equilíbrio de forças entre potências políticas e consequentes jogos de poder num conjunto de reflexões e ensaios escritos entre 2000 e 2006. Examinando a globalização, a causa da democracia passando pela ameaça do terrorismo, o historiador debruça-se sobre a guerra e paz dos tempos modernos, as modificações das nações e economias e o futuro dos impérios no mundo tendo em linha de conta o seu enquadramento histórico. Absorvente, erudito e alvo de uma meticulosa investigação, é um livro indispensável para uma verdadeira compreensão do mundo onde vivemos. Longe de ser um 'otimista', Hobsbawm mostra-se crítico com relação às tendências que prevalecem no mundo de hoje. Considera 'remotas' as perspectivas de uma paz mundial sólida no século XXI; ressalta o forte crescimento das desigualdades econômicas e sociais e dos desequilíbrios ambientais e políticos trazidos pela globalização baseada no conceito do mercado livre; e não poupa críticas à atuação do governo americano, tanto do ponto de vista econômico-financeiro quanto do político-militar. Com o ar crítico e ousado que caracteriza seus estudos, Hobsbawm classifica a democracia como 'uma vaca sagrada que dá pouco leite' e, sem perder o estilo, a leveza e o bom humor, diz que 'enfrentamos o terceiro milênio como o irlandês anônimo que, perguntado sobre o caminho para Ballynahinch, refletiu e disse - 'Se eu fosse você, não começaria por aqui'.' Segundo E.H., as Nações-estado, mesmo as maiores, são incapazes de controlar por mais tempo o que está acontecendo com a economia mundial, mas podem, contudo, determinar a forma e a natureza da globalização. Ela vai ter de conviver com as nações-estado, cenários das decisões políticas, porque a política tem resistido à globalização, continuando a confrontá-la. As pressões políticas, creio, irão refrear o processo de globalização na próxima década, embora seja pouco provável um revival do protecionismo verificado no período entre-guerras. A globalização vai continuar. Espero que os governos que hoje exercem liderança mundial sejam forçados a abandonar sua aposta no descontrole do mercado livre. Os EUA falharam em seus planos de impor uma política hegemônica sobre o globo após o 11 de Setembro e a guerra contra o Iraque mostrou os limites dessa que foi a mais extraordinária máquina de guerra de nossa época, o que nos dá segurança para dizer que a era dos impérios está definitivamente morta. Se Levarmos em Conta a A instabilidade da nova economia global parece evidente e as nações-estado são aparentemente incapazes de governar a si mesmas aonde visualizamos Muitas regiões do globo - a África, o Oriente Médio, parte do sudeste europeu e a ex-União Soviética - já estão vivendo a era da desordem global. A tendência à desintegração dos estados, principalmente após o colapso dos impérios do século 20, é reforçada por uma nova tendência: a da fragmentação das mais antigas unidades políticas estáveis do mundo rico, como Grã-Bretanha, Espanha, Bélgica, Itália e Canadá. Essa tendência à ‘balcanização’ e ao enfraquecimento do poder estatal certamente favorece a desordem global, mas sua causa principal tem sido a crença de Washington de que os EUA podem impor uma ordem mundial de mão única. O estabelecimento de um padrão mais razoável de política internacional, que reconheça os limites desse poder e a existência de um sistema pluralista, seria menos perigoso. Movimentos separatistas, de modo geral, recorrem à ajuda política de forças externas para conquistar autonomia ou independência, mas os estados que são incapazes de governar a si mesmos não se tornam necessariamente mais governáveis quando ocupados por exércitos estrangeiros.

A miséria permanece um problema em economias emergentes. Particularmente no Brasil, os programas sociais destinados a aliviar a pobreza parecem inoperantes para atender às metas da globalização. A globalização trouxe um rápido crescimento econômico e com ele uma diminuição significativa da pobreza mundial. Ao mesmo tempo, fez crescer a distância entre ricos e pobres. Isso parece evidente em países como a China, onde a globalização se torna visível pela rápida industrialização e geração de empregos. E, vale lembrar, o nome do crescimento econômico, para a maioria das pessoas , é emprego. A Índia, por exemplo, tem mais pobreza que a China porque seu crescimento econômico não se baseia na evolução da indústria de manufaturados. Ao mesmo tempo, a fase atual da globalização, que abre mercado e garante altos preços para produtos agrícolas, favorece países como o Brasil, mas, infelizmente, tem pouco efeito na promoção social dos pobres ou de pequenos agricultores. Os programas para minimizar os efeitos da pobreza têm pouco a ver com a globalização e mais com a correção de certas deficiências de cada país. Não estou capacitado para julgar o que está sendo feito no Brasil, mas o país continua como exemplo extremo de inadequação social e econômica.


O rápido crescimento da China provocou um tremendo impacto em quase todos os países, pequenos ou grandes, contribuindo para elevar o preço das mercadorias e, ao mesmo tempo, tornar economias dos pequenos mais vulneráveis. Considerando que o tamanho e a velocidade do crescimento da China salvaram a economia mundial dos efeitos de uma economia fraca e instável como a americana, ela deveria ser vista como benéfica para a economia de outros países, e não como um perigo. A dependência num único mercado exportador de produtos primários não é uma desvantagem, a menos que tal mercado entre em colapso. Aí, de fato, não haveria alternativa. Argentina e Uruguai, no começo do século 20, saíram-se muito bem ao se livrar da dependência do mercado britânico. Pequenas economias não são necessariamente mais vulneráveis que grandes economias - veja o caso da Islândia, Dinamarca, Noruega e Finlândia. Na verdade, pequenas economias podem até se adaptar mais facilmente à globalização que as grandes, concentrando-se em nichos particulares da economia mundial.

Países desenvolvidos manipulam as leis internacionais de comércio para se proteger, impondo altos custos a outros países e ameaçando-os ainda com a poluição e outras conseqüências negativas de suas atividades. A maneira de Como fazer a globalização funcionar se os países desenvolvidos têm menos consciência ecológica que os não-desenvolvidos é que tais países são mais conscientes e quais os menos conscientes? E mesmo que eles sejam conscientes, isso determina um comportamento ecológico? O governo chinês, por exemplo, é mais consciente que o americano, embora os dois sejam igualmente grandes poluidores. O problema não reside em decisões de cunho nacional, mas na ausência de uma autoridade global capaz de impor medidas de controle para lidar com um problema que é global. Se ela existisse, haveria pontos a discutir sobre como suas decisões afetam países em desenvolvimento.

A possibilidade de uma recessão mundial não está longe, considerando a mudança do sistema de reservas global motivada por uma economia instável. Os meios de eliminar a dependência de uma moeda única em tese e parece claro que o dólar não pode manter por mais tempo sua posição como padrão monetário internacional, considerando as quedas sucessivas da moeda americana. Não sabemos ainda quanto tempo demorará para ele ser substituído por outro parâmetro monetário internacionalmente aceito, tal como imaginou Keynes. É evidente que a maioria das pessoas e estados gostaria de se livrar de seus dólares, mas temem as conseqüências de um súbito colapso da moeda na economia mundial.

O terrorismo de pequenos grupos, que certamente deve ser combatido, não representa uma ameaça real ao mundo moderno. Os terroristas demonstraram sua habilidade em cometer massacres indiscriminados e chocantes, mas o terrorismo não é um fator político ou militar relevante e, mesmo em países onde é proeminente, representa apenas uma pequena célula de resistência à ocupação estrangeira. É ameaçador, sem dúvida, mas porque não o entendemos, não por representar perigo. Os efeitos do furacão Katrina nos EUA foram incomparavelmente maiores que o 11 de Setembro, em que morreram dramaticamente muitos inocentes. É essencial ter em mente os limites do terrorismo para que não fiquemos histéricos. Sobre antigas crenças e culturas ancestrais, há pouco de antigo no braço extremista islâmico que inspira uma organização como a Al-Qaeda. A fatwa que permite a matança indiscriminada de inocentes, incluindo aí muçulmanos, não havia sido aprovada pelo clero egípcio até o começo dos anos 1970. O barbarismo dos quais os terroristas modernos são representantes não está baseado na antiguidade ou na tradição, mas nas sociedades dos séculos 20 e 21.







Opinião de Eric Hobsbawn sobre o terrorismo

O terrorismo não é um inimigo; é um termo propagandístico para qualificar atos de pessoas que não nos agradam e empregam a violência; aos que nos agradam, não chamamos de terroristas, mas combatentes da liberdade ou qualquer outra coisa. Não é que terrorismo seja uma expressão sem sentido, nem muito menos. Porém, desde o ponto de vista dos EUA, é uma outra forma de dizer: “Vamos lutar contra qualquer um que possamos vencer. E isso significa qualquer um”.

12/03/2008

Cronologia O conflito Israel - Palestina

O conflito israelo-palestino envolve a disputa dos dois povos pelo direito à soberania e pela posse da terra ocupada por Israel e pelos territórios palestinos.

O impasse teve início no século 19, quando judeus sionistas expressaram o desejo de criar um Estado moderno em sua terra ancestral e começaram a criar assentamentos na região, na época controlada pelo Império Otomano.

Desde então, houve muita violência e controvérsia em torno da questão, assim como vários processos de negociações de paz durante o século 20 e ainda estão em andamento.

Tanto israelenses quanto palestinos reivindicam sua parte da terra com base na história, na religião e na cultura. Os israelenses, representados pelo Estado de Israel, têm soberania sobre grande parte do território, que foi conquistado após a derrota dos árabes em duas guerras --o conflito árabe-israelense de 1948 e a Guerra dos Seis Dias, de 1967.

Os palestinos, representados pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), querem assumir o controle de parte dos territórios e estabelecer um Estado Palestino soberano e independente.

Grande parte dos palestinos aceitam as regiões da Cisjordânia e da faixa de Gaza como território para um futuro Estado palestino. Muitos israelenses também aceitam essa solução.

Uma discussão em torno dessa solução ocorreu durante os Acordos de Oslo, assinados em setembro de 1993 entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que permitiu a formação da ANP. No entanto, Israel e ANP não chegaram a uma posição comum.

Apesar de vários outros acordos e planos de paz, como os de Camp David e das negociações do chamado Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, União Européia, Rússia e ONU), a situação ainda se vê hoje em um impasse.

Atualmente, as negociações esbarram na questão do governo palestino, que, liderado pelo movimento radical islâmico Hamas (que assim como o moderado Fatah possui braços armado e político) não reconhece o direito de existência de Israel. Após a vitória do Hamas (considerado pelos EUA e por Israel como um grupo terrorista) em 2006, a comunidade internacional iniciou um bloqueio financeiro à ANP que gera uma grave crise nos territórios palestinos.

O recente acordo entre o Hamas e o Fatah para a formação de um governo de coalizão ainda não permitiu o retorno de negociações que incluam os palestinos no processo de paz. O impasse é devido, principalmente, à resistência do Hamas em reconhecer Israel e à resistência da comunidade internacional em reconhecer a legitimidade do movimento islâmico como representante dos palestinos.

Veja a cronologia do conflito:


1862: Publicação de Roma e Jerusalém pelo Moses Hess.

Nascido na Alemanha, Hess foi morar em Paris, onde ele era ativo em grupos socialistas. Entre 1842 à 1843 ele serviu como correspondente do Rheinische Zeitung, editado pelo Karl Marx. Em 1862 ele publica Roma e Jerusalém, uma defensa sistemática do nacionalismo judeu. Hess disse no livro que o ódio contra judeus era uma coisa inevitável, e a única maneira deles conseguirem uma vida nacional era se mudando para Terra Santa. Ele foi um dos criadores do Sionismo.

Sionismo: “O sionismo é um movimento político entre os judeus (também apoiado por não-judeus) que defende que o povo Judaico tem direito a constituir uma nação e viver na sua terra natal. Formalmente fundado em 1897, o sionismo era formado por uma variedade de opiniões sobre em que terra é que a nação judaica deveria ser fundada. A partir de 1917 ele focou-se definitivamente no estabelecimento de um estado na Palestina, a localização do antigo Reino de Israel.” (Yahoo respostas)

1882: Publicação de Autoemancipação pelo Leon Pinsker

Pinsker nasceu na Polônia (Rússia) em 1821, ele fez colegial na Rússia, cursou direito em Odessa e depois medicina na Universidade de Moscou. Ele começou a contribuir para periódicos judeus em 1860, e foi ativo num grupo o qual o objetivo era espalhar a cultura judaica para os judeus da Rússia. Porém, quando os judeus foram massacrados pelos pogroms de 1881, ele deixou esse grupo, convencido que uma atitude mais radical deveria ser tomada, assim resolvendo o martírio dos Russos judeus.

1882-1903: Primeiro Aliyah

Aliyah é o termo usado especificamente para se referir a imigração dos Judeus à Israel. Durante o primeiro Aliyah, aproximadamente 25 mil judeus entraram na Palestina. Em 1850 os Judeus eram a maioria em Jerusalem. Os Otomanos não fizeram nada para limitar a imigração, na verdade, uma lei de 1867 deu o direito para os estrangeiros possuírem suas próprias terras no Império Otomano. Isso facilitou o aquisição sionista de terra na Palestina. A primeira reação séria contra a imigração judaica aconteceu quando o aliayah estava ficando mais sistemático e regular no último quarto do século 19. A primeira briga entre os camponeses palestinos e judeus aconteceu em Junho de 1891.

Representantes das famílias mais proeminentes em Jerusalem mandaram uma carta para Constantinopla expressando seus receios sobre o número de imigrantes judeus na Palestina e pedindo para o sultão controlar a imigração e compra de terras. A comunidade cristã foi uma das primeiras que viu os perigos dessa imigração crescente.

Nesse mesmo tempo Theodor Herzl (líder e criador do Sionismo) estava tentando persuadir o sultão Abd al-Hamid a tratar os objetivos sionistas favoravelmente. Abd al-Hamid foi o último sultão Otomano, líder oficial não apenas do Império Otomano, mas também da Umma Islâmica. O império Otomano estava numa crise econômica, a culminação de um longo declínio, junto com corrupção e oportunismo politico exterior. O Império tinha uma dívida externa gigante. Herzl tentou explorar essa fraqueza, oferecendo ajuda financeira para pagar a divida e então liberar o Império de dominação estrangeira. Em retorno ele pediu ao sultão para permitir imigração na Palestina, ou pelo menos parte da Palestina. Herzl ofereceu mais tarde 20 milhões, mas Abd al-Hamid negou.

1896: Publicação do O Estado Judeu pelo Theodor Herzl.

Herzl foi o fundador do Sionismo e a figura mais importante na imigração dos judeus para Palestina. Ele tentou convencer não apenas o Sultão, mas o Kaiser da Alemanha, e depois os Ingleses.



1917 - Declaração do Reino Unido

O Reino Unido divulga a Declaração de Balfour, que concede aos judeus direitos políticos como nação, e foi vista pelo povo judeu como uma promessa para a formação de um Estado Judeu nos territórios palestinos.

1947 - Plano de partilha da ONU

Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprova plano para partilha da Palestina, ou seja, a criação de Israel e de um Estado palestino. Até então, a região era uma colônia britânica. A partilha é rejeitada por árabes e palestinos, que prometem lutar contra a formação do Estado judaico.

1949 - Expansão das fronteiras

Em 1949 Israel vence guerra árabe-israelense e expande fronteiras. Cisjordânia e Jerusalém Oriental ficam com a Jordânia; Gaza, com o Egito.

Vários outros conflitos armados ocorreram entre o Estado de Israel e os árabes e palestinos tendo como foco Israel e seu território. No que concerne à conquista de terras, é importante destacar também a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel conquista o deserto do Sinai, a faixa de Gaza (Egito), a Cisjordânia, Jerusalém Oriental (Jordânia) e as colinas do Golã (Síria).

Em 1982, seguindo um acordo entre Israel e o Egito alcançado três anos antes, os israelenses se retiram do Sinai.

1987 - Intifada

Entre 1987 e 1993, os palestinos empreenderam uma revolta popular contra Israel que ficou conhecida como Intifada. Marcada pelo uso de armas simples, como paus e pedras lançadas pelos palestinos contra os israelenses, a Intifada incluiu também uma série de atentados graves contra judeus.

1993 - Acordos de Oslo

Em 1993, na Noruega, Israel se compromete a devolver os territórios ocupados em 1967 em troca de um acordo de paz definitivo. Israel deixa boa parte dos centros urbanos palestinos em Gaza e Cisjordânia, dando autonomia aos palestinos, mas mantém encraves. O prazo é adiado devido a impasses sobre Jerusalém, o retorno de refugiados palestinos, os assentamentos judaicos e atentados terroristas palestinos.

1998 - Processo de paz

Após acordos de paz entre israelenses e palestinos, como o de Oslo (93) e o de Wye Plantation (98), Israel entregou porções de terra aos palestinos.

2000 - Camp David

Em julho de 2000, em Camp David (EUA), Israel ofereceu soberania aos palestinos em certas áreas de Jerusalém Oriental e a retirada de quase todas as áreas ocupadas, mas Iasser Arafat [morto 11 de novembro de 2004, após ficar internado durante 14 dias em um hospital militar na França] exigiu soberania plena nos locais sagrados de Jerusalém e a volta dos refugiados. Israel recusou.

2000 - Segunda Intifada

O segundo levante popular palestino contra Israel que teve início em setembro de 2000 ficou conhecido como segunda Intifada, e começou quando o então premiê de Israel, Ariel Sharon, visitou a Esplanada das Mesquitas, local mais sagrado de Jerusalém para palestinos e judeus (que o chamam de Monte do Templo).

2002 Muro de proteção

Israel começa a erguer uma barreira para se separar das áreas palestinas com o objetivo de impedir a entrada de terroristas. Palestinos afirmam que a construção do muro é uma anexação de território. A construção inclui série de muros de concreto, trincheiras fundas e cercas duplas equipadas com sensores eletrônicos

2002 - Quarteto

Em outubro de 2002, um enviado dos EUA apresenta pela primeira vez um esboço do plano de paz internacional elaborado pelo Quarteto [EUA, Rússia, União Européia e ONU]. O novo plano segue as linhas traçadas pelo presidente dos EUA, George W. Bush. Prevê o fim da violência, seguido por reformas políticas e nos serviços de segurança palestinos e a retirada de Israel de territórios ocupados.

Forças israelenses cercam Arafat na Muqata (QG do líder) em meio a uma ampla ofensiva lançada após uma onda de ataques terroristas em Israel. Arafat fica proibido por Israel de deixar a Muqata. Fica confinado até antes de sua morte, em novembro de 2004.

2003 - Plano de Paz Internacional

O plano é oficializado em 2003. Seu texto propõe um cessar-fogo bilateral, a retirada israelense das cidades palestinas e a criação de um Estado palestino provisório em partes da Cisjordânia e da faixa de Gaza. Em uma última fase, seria negociado o futuro de Jerusalém, os assentamentos judaicos, o destino dos refugiados palestinos e as fronteiras. Não é mencionado no texto a exigência do governo israelense de que o presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Iasser Arafat, morto em 11 de novembro último, seja removido do cargo. Apenas diz que os palestinos precisam de uma liderança que atue duramente contra o terror.

2003 - Mahmoud Abbas

Em maio, assume o cargo de premiê palestino o moderado Mahmoud Abbas, indicado por Iasser Arafat após ampla pressão internacional.

Abbas renuncia cerca de quatro meses depois após divergências com Arafat em relação ao controle da segurança palestina.

2004 - Morte de Arafat

Em novembro, morre o líder da Organização pela Libertação da Palestina, Yasser Arafat.

2005 - Eleição

Em janeiro, Mahmoud Abbas vence as eleições e se torna o novo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Um ano depois, a frustração com seu partido, o Fatah, acusado de corrupção, colabora para a vitória do movimento rival Hamas nas eleições parlamentares palestinas, levando o islâmico Ismail Haniyeh ao posto de premiê.

A vitória do Hamas levou a comunidade internacional --liderada pelos EUA e por Israel-- a empreenderem um boicote financeiro à ANP, detonando crises internas e episódios de violência.

2005 - Plano de retirada

Lançado pelo premiê israelense, o plano unilateral de Sharon --que alega ter tomado essa iniciativa por não contar com interlocutores confiáveis no lado palestino-- visa retirar de Gaza e parte da Cisjordânia 25 assentamentos judaicos e suas forças militares. Convivem hoje no território 1,3 milhão de palestinos e cerca de 8.500 judeus. Facções contrárias à retirada adotam o discurso de não desistir de nenhum centímetro de terra.

2006 - Afastamento de Sharon

Em janeiro, o então premiê israelense Ariel Sharon sofre um derrame cerebral e entra em coma. Ele é substituído interinamente pelo atual premiê, Ehud Olmert. Em março, eleições israelenses dão a vitória ao partido Kadima (centro), de Olmert, e após formar uma coalizão o líder é confirmado no posto de premiê israelense.

2007 - Governo de coalizão palestino

Após meses de negociações, os partidos palestinos rivais Fatah (do presidente da ANP, Mahmoud Abbas) e Hamas (do premiê palestino, Ismail Haniyeh) concordam com a criação de um novo gabinete com poder compartilhado. O acordo foi fechado em Meca (Arábia Saudita) em uma reunião com Abbas, Haniyeh e o líder político do Hamas na Síria, Khaled Meshaal, no dia 8 de fevereiro.

A negociação foi marcada pela violência interna que custou a vida de dezenas de palestinos entre dezembro e fevereiro.

Apesar da comunidade internacional --incluindo Israel-- ter pressionado pela realização do acordo entre os dois movimentos, Israel não tem a intenção de tratar com o novo governo palestino.

O Hamas continua a não aceitar de forma direta ou indireta o reconhecimento de Israel, os acordos firmados e a renúncia à violência, informou um comunicado do Ministério de Relações Exteriores de Israel. Esses três pontos são as exigências da comunidade internacional para o fim do bloqueio financeiro à ANP.


fonte: folhaonline, sites diversos

07/03/2008

Resenha - O Brasil: território e sociedade M. Santos M. Laura

Na busca de uma periodização pelo território brasileiro
é um partido essencial para um projeto ambicioso:
fazer falar a nação pelo território. Assim como a economia
foi considerada como a fala privilegiada por
Celso Furtado; o povo, por Darcy Ribeiro; e a cultura,
por Florestan Fernandes, pretendemos considerar o
território como a fala privilegiada da nação.
Essa citação de Milton Santos na obra escrita
junto com Maria Laura Silveira sintetiza bem o desejo
de caracterizar sua contribuição intelectual, cujo
papel seminal na geografia tem sido reconhecido no
Brasil e no mundo inteiro. Os autores partem de um
conceito central “território em uso” para designar a
profunda imbricação entre os artefatos e as técnicas
que transformam os espaços, com a política, a economia
e as relações que conferem direção e sentido a
essas transformações. Deixam claro que as mudanças
ficam registradas nas diferentes escalas com que
o território é apropriado e construído.
Em alguma parte do livro, os autores criticam as
pretensões totalizadoras da sociologia e da economia
que tenderiam a desconhecer a importância do espaço
construído, como se apenas as “relações” contivessem
a totalidade da realidade social. Lembrei-me então
de alguns conceitos caros a uma corrente da filosofia
e da sociologia dialética pensados por autores
como Goldmann e Sartre, à qual me filio, que discutem
as estruturas e os espaços construídos como
ações humanas objetivadas. Esse é o caso também do
pensamento de autores como Nicole Romognino cuja
sociologia dialética se funda na compreensão dos
fenômenos sociais como processos históricos; como
totalidades de significações construídas pelos sujeitos
e como totalidades significativas que se concretizam
na materialidade das formas sociais.
O Brasil: território e sociedade no início do século
XXI pode ser lido como uma síntese científica do
pensador Milton Santos, que criou escola e se associou
– como é o caso da parceria com Maria Laura –
para formular e difundir conceitos e metodologias e
criar discípulos, distinguindo sua contribuição de
tantas outras diferentes abordagens, com as quais
ora converge ora diverge. Mas é também o exemplo
didático de um autor que criou teoria, conceitos, métodos
e técnicas, testou-as na prática, expondo exemplos
de análises e se preocupando em atingir um
grande público. Sem nenhum caráter messiânico,
Milton Santos se tornou responsável pela multidão
de estudiosos que passaram a dividir a história da
geografia no período anterior e posterior a sua contribuição
acadêmica. Teoria e empiria marcam toda
a tessitura desta obra.
Os dois autores assim definem os objetivos de
seu trabalho: levar ao leitor comum uma interpretação
geográfica do Brasil; e oferecer aos estudiosos um

guia de trabalho, ainda que incompleto. E para isso,
discutem o lugar e a importância do que denominam
teorias menores, em contraposição às macro-teorias
que não conseguem propor esquemas aplicáveis de
análise. Consideram seu segundo objetivo sugerir
uma teoria das mediações, na qual a escolha dos fatos
e relações relevantes possa estar apoiada.
O trabalho apresenta a seguinte divisão conceitual:
no primeiro capítulo uso do território é a noção
central. No segundo, três conceitos estruturantes para
análise das transformações do Brasil são apresentados:
o meio natural (hoje quase inexistente); os sucessivos
meios técnicos e o advento do meio técnicocientífico-
informacional. O terceiro capítulo trata,
substantivamente, da constituição do meio geográfico
brasileiro através da história, articulando-se espaço
e tempo. Na quarta e quinta partes, os autores
aprofundam o papel da informação e do conhecimento
na reorganização produtiva do território e
suas especializações. Nos capítulos seis e sete, ganha
forma a idéia de movimentos e círculos de cooperação
que se multiplicam no território nacional, configurando
a modernidade do país. No capítulo oito, os
autores tratam da fluidez e da potência do capital financeiro
como motor do período contemporâneo no
Brasil e no mundo globalizado. No capítulo nono,
mostram como os diferentes fluxos de dinamismo
industrial, dos setores de serviços e financeiros, próprios
da atualidade, dão lugar a uma dinâmica populacional
diferenciada que marca o crescimento das
cidades médias e uma certa decadência das grandes
metrópoles; assim como uma cultura que passa a valorizar
a especificidade local em um quadro de comunicação
globalizada.
O livro, em sua segunda parte, trata da dinâmica
globalizadora num país de tão grandes extensões como
o Brasil que passa a ser um espaço nacional da
economia internacionalizada. Esse tema é discutido
de forma didática e aguçada a partir do conceito de
meio técnico-científico-informacional. A idéia central
dessa parte é que os círculos de cooperação instalam-
se num nível superior de complexidade e numa
escala geográfica muito mais ampla. A plena explicitação
da etapa metamorfoseada do território
brasileiro em meio técnico-científico-informacional
é apresentada como a cara geográfica da globalização.
Pois os acréscimos da ciência, tecnologia e informação
ao território são, ao mesmo tempo, produto e
condição para o desenvolvimento do trabalho material
e intelectual.
Especificando a originalidade do momento atual
a partir da classificação marxista do ciclo econômico
que se realiza pela produção, circulação e reprodução
de bens e mercadorias, os autores pontuam que,
no presente, a circulação preside a produção. E os fluxos
que daí derivam são mais intensos, mais extensos
e mais seletivos, redimensionando o território
em todas as escalas. Os autores falam de quatro grandes
regiões do Brasil nesse atravessamento de século,
denominando-as Quatro brasis. Seriam: uma região
concentrada formada pelo Sudeste e pelo Sul; o Brasil
do Nordeste; o Centro-Oeste e a Amazônia. Nessas regiões
estariam presentes dualidades e contradições:
zonas de densidade e de rarefação; espaços de rapidez
e lentidão; espaços que mandam e espaços que
obedecem. Assim se referem que: num movimento
desigual e combinado, cria-se uma nova geografia do
Brasil, caracterizada, quanto à nova tecnosfera, por
uma região concentrada e por manchas e pontos, enquanto
há uma tendência à generalização da nova
psicosfera, característica do presente período histórico.
O livro termina com oito estudos de caso que são
especificações concretas, por outros estudiosos, do
uso da teoria, do método e das técnicas propostos
por Milton Santos e Maria Laura Silveira. Além de
toda a riqueza conceitual e empírica, há muitos mapas
que localizam, para o leitor, as periodizações, as
especificidades geográficas, demográficas, sociais,
econômicas, técnicas e científicas, e permitem perceber

perceber
a complexidade do momento atual. O livro é um
presente aos leitores que pretendem cultivar uma
consciência crítica que respire, ao mesmo tempo,
muita esperança. De cada página, seus autores fazem
emergir liberdade científica, ética acadêmica, amor
pelo Brasil e compromisso com as gerações presentes
e futuras que continuarão usando e construindo
o território brasileiro. Com certeza, chegaram ao que
pretendiam: propor uma teoria do Brasil a partir do
território, uma tentativa de explicação da sociedade
tomando como pano de fundo o próprio espaço geográfico.
Há uma profusão de conceitos nucleadores e
de idéias-chave espalhadas pelas quase 500 páginas
do livro. Deixo ao leitor o privilégio de saciar sua curiosidade
intelectual e de reinterpretar, de acordo
com seu olhar, a beleza e a grandeza do pensamento
de Milton Santos e de Maria Laura Silveira.

05/03/2008

Resenha - Maldita Guerra - Doratioto

Segundo DORATIOTO, “a Guerra do Paraguai foi o conflito externo de maior repercussão para os países envolvidos, quer quanto à mobilização e perda de homens, quer quanto aos aspectos políticos e financeiros”. Ao ser iniciada, no entanto, ninguém imaginava que a guerra se estenderia por cinco anos e tomasse as proporções que tomou.
Francisco Solano López entrou em rota de colisão com Brasil e Argentina ao buscar uma participação ativa nos acontecimentos platinos, apoiando o governo uruguaio hostilizado pelos seus dois maiores vizinhos. Foi assim que acabou por ordenar a invasão de Mato Grosso e Corrientes, declarando guerra ao Brasil e à Argentina, respectivamente nos anos de 1864 e 1865.
Por não se acreditar que o Paraguai estivesse disposto a romper com o Império do Brasil em decorrência do ultimatum dado a Montevidéu, o exército do Império se encontrava totalmente despreparado quando foi surpreendido com a invasão de Mato Grosso, a tal ponto que mesmo seis meses depois de iniciada a luta, não conseguiu tomar a ofensiva. Mato Grosso, que era a província mais isolada e indefesa do Brasil, tornou-se alvo fácil para a invasão paraguaia.
O Paraguai esteve na ofensiva militar entre dezembro de 1864 e setembro de 1865, ao invadir o território brasileiro e argentino. O plano de Solano López de uma guerra-relâmpago, que poderia resultar em um novo equilíbrio de poder no Prata, no entanto, fracassou. As forças invasoras de Corrientes e do Rio Grande do Sul não aproveitaram adequadamente o fator surpresa. Ademais, os blancos, que estavam do lado paraguaio, saíram do poder no Uruguai e, em Corrientes e Entre-Ríos, a população não aderiu à força invasora.




Os antecedentes da Guerra

A Guerra do Paraguai durou mais de cinco anos, de dezembro de 1864 a março de 1870. Brasil, Argentina e Uruguai formaram a Tríplice Aliança contra o Paraguai. A Inglaterra financiou a guerra, fazendo empréstimos ao Brasil. Doratioto busca os antecedentes históricos do conflito. Carlos Antônio López era o presidente do Paraguai desde 1840 e tinha cinco filhos, sendo Solano López um deles. Em agosto de 1862, Carlos adoeceu e fez seu primeiro testamento político, designando seu outro filho, Angel Benigno López, para assumir o cargo de vice-presidente. Mas quando Solano López soube que seu pai piorara de saúde, “retornou a Assunção e discordou quando Carlos López comunicou a decisão de nomear Angel Benigno López para vice-presidente. Solano López conseguiu que o moribundo alterasse o testamento, nomeando-o para esse cargo”.

Carlos Antônio López morreu no dia 10 de setembro de 1862, mas antes de falecer fez um pedido a Solano: “Tem muitas questões pendentes, mas não busque resolvê-las pela espada, mas sim pela caneta, principalmente com o Brasil”. A história seria bem diferente do pedido de Carlos Lopes ao seu filho. Solano López assumiu a chefia do Estado do Paraguai em 16 de outubro de 1862 e deu continuidade à tradição de autoritarismo no país. Em setembro de 1864, César Sauvan Viana de Lima, ministro brasileiro em Assunção “começou a considerar a possibilidade do governo paraguaio ter intenções de promover uma ação armada contra o Brasil” e que se o Brasil invadisse o Uruguai, a guerra estaria declarada.

Questão Uruguaia

O Uruguai estava dividido entre blancos e colorados. Os blancos eram nacionalistas radicais e os colorados mais liberais. No país, um terço da população era constituída de brasileiros a maioria, gaúchos, que tinham terras por lá. Em 1863, o governo imperial tentou evitar o envolvimento dos cidadãos brasileiros na guerra civil uruguaia e buscou conciliar a Argentina e o Uruguai por meio da missão Loureiro. Em abril de 64, a temperatura aumentou na região: o conselheiro brasileiro José Antônio Saraiva foi exigir do governo uruguaio o respeito aos direitos dos brasileiros residentes no país. Estava no poder o líder blanco Bernardo Berro, mas seu mandato “na presidência do Uruguai terminou no início de 1864 e a Guerra Civil no país impediu a realização de novas eleições. O presidente do senado, o blanco Atanásio de la Cruz Aguirre, assumiu, então, o Executivo Uruguaio, prosseguindo na luta contra a rebelião colorada”. Aguirre não queria negociar e o Brasil se preparava para intervir no país. O governo paraguaio acusava o Brasil de querer aumentar seu território às custas de Estados menores e de querer monopolizar o comércio do Prata. Pelas declarações de Solano López, caso as tropas brasileiras entrassem no Uruguai, seria declarada a guerra. Paralelo a isso, Venâncio Flores, um grande líder colorado,estava exilado na Argentina e se preparando para subir ao poder com o apoio brasileiro e argentino.
Em 12 de outubro daquele ano, uma brigada brasileira, sob o comando do general José Luis Mena Barreto invadiu o Uruguai. Venâncio Flores, com sua tropa, também entrou no país e,com a ajuda das tropas imperiais, conseguiria tirar os blancos do poder. Com essa invasão, Solano interpretou que o Império declarava guerra e assim capturou o vapor Marquês de Olinda e toda a tripulação do barco brasileiro, que navegava no Rio Paraguai, acreditando que faziam carregamento de armas, mas que, na verdade transportava passageiros3, correspondências,dinheiro e mercadorias para a então província de Mato Grosso. Com esse ato, Solano convencera-se de que o Brasil se preparava para guerrear. “Apesar da esmagadora inferioridade geográfica, demográfica e econômica, o governante paraguaio pretendeu enfrentar o Império, o
mais povoado e rico dos Estados sul-americanos, aliado à Argentina e ao Uruguai". Paraguai na Guerra: invasão em Mato Grosso A situação paraguaia foi descrita por Doratioto assim: com armamento obsoleto, o país possuía um único vapor armado, o “Tacuarí”, e uma população de aproximadamente 400 mil habitantes. “Mas a falta de oficiais não impediu Solano López de começar a guerra [...]. De acordo com informe da Legação Norte-americana em Assunção, o governo paraguaio buscavaum confronto com o Brasil” Solano preparava-se para invadir o Brasil, enquanto o país governado por D. Pedro II ocupava-se da campanha militar contra os blancos uruguaios. Uma das únicas providências de precaução que o Império tomou foi a de reforçar o forte Coímbra em Corumbá4 com 70 homens e mais 143 militares em Miranda e Nioaque. O Paraguai invadiu a província de Mato Grosso em duas colunas. A primeira, pelo antigo forte paraguaio de Bela Vista e por onde é hoje Ponta Porã. O ataque causou indignação no Brasil “...visto como ato traiçoeiro e injustificável, pois eram normais as relações entre os dois países,bem como o fato de o Marques de Olinda ter sido aprisionado sem declaração de guerra”.O autor enfatiza a vontade de guerra que tinha Solano López. Os ataques à Mato Grosso e Corrientes viabilizaram uma atuação conjunta entre o Brasil e a Argentina, formalizada pelo Tratado da Tríplice Aliança, à qual o Uruguai também aderiu. Em 1º de maio de 1865, esse documento foi assinado, em Buenos Aires, estabelecendo como alvo principal o presidente paraguaio. A população brasileira esperava uma guerra curta e rápida. Segundo Doratioto, “mesmo depois de ter grande parte de seu território ocupado pelos paraguaios, em janeiro de 1865, o governo mato-grossense foi mantido desinformado sobre o que ocorria na guerra”.

Questão inglesa

Quem mais lucrou com a guerra foi a Inglaterra porque foi este país quem fez empréstimos ao Império no valor de 5 milhões de libras e “a quantia deveria ser saldada em 37 anos com pesados juros, para a época, de 5% ao ano” (2002:204). Assim, o Brasil acabou por pagar 160% a mais do valor recebido. Mas o conflito, segundo Doratioto, teria pouca relação com a Inglaterra.A relativização do papel desempenhado pela Grã-Bretanha é o maior contraponto de Doratioto. A Inglaterra serviu apenas para financiar a guerra e não teve a intenção de destruir o Paraguai e dizimar sua população. No capítulo III de “MalditaGuerra”, as potências européias, incluindo a Inglaterra, são tratadas, no título, como “países neutros”.



Os paraguaios eram influenciados por periódicos como o jornal “El Centinela”, pregando que a Tríplice Aliança estava derrotada e que o Paraguai seria o grande vencedor. Ele conta como Solano era retratado nesse jornal:“Como sempre a 'vitória' foi atribuída ao 'heróico' e 'invicto' marechal Solano López, cujos'invencíveis exércitos [...] despedaçaram os negros imbecis', fazendo com que o restante das tropas aliadas se refugiassem 'no espesso matagal, para esconder sua vergonha'. Nesse mesmo número, El Centinela publicava uma ode em que Solano López era classificado de 'grande gênio', 'grande guerreiro', e tinha como versos finais:

Salve, oh vós conspícuo Cidadão
Portento de valor e heroísmo
Que tua figura altiva
Pelos séculos para sempre eterna viva”

De março de 1870, após a morte de Solano López em Cerro Corá, até o final do século XIX, ele era odiado pelos sobreviventes. Naquela época, o Paraguai era visto como um país derrotado em “uma guerra da qual fora o agressor. Ao mesmo tempo, despontava uma geração de estudantes universitários [...] desejosos em [...] encontrar um pensamento que, ao mesmo tempo, recuperasse a auto-estima nacional”. Assim nasceu o revisionismo histórico que buscou reconstruir a imagem do ditador Solano López em herói. O escritor Juan Emiliano O'Leary fora o responsável por recuperar essa imagem e passou a ser conhecido como “El Reivindicador”. Na guerra, de acordo com Doratioto, Solano não admitia seus erros e seus chefes militares também não ousavam dizer a ele que perdiam uma batalha. Só falavam o que o presidente paraguaio gostaria de ouvir, pois ele não aceitaria derrotas. Toda essa dureza era demonstrada nos campos de batalha com seus próprios soldados. Na batalha de Curuzú, paraguaios fugiram da luta e foram punidos, como conta o autor: “Os soldados foram perfilados, contava-se até dez e o décimo soldado era retirado da formação. Repetiu-se a contagem até o final do batalhão e os soldados assim separados foram imediatamente fuzilados”. Os soldados do exército paraguaio que voltou de Corrientes com 8.500 paraguaios a menos, não podiam se queixar pois, se denunciados, seriam castigados. “O descontentamento está registrado nos processos contra militares, acusados de traição por fazerem comentários críticos à condução da guerra por Solano López e às condições de vida da tropa” . O capitão José Maria Rodríguez foi condenado à morte e fuzilado por criticar o ditador. Solano mandou prender o próprio irmão Benigno López, além de outros envolvidos, sob a acusação de conspiração. Foram instalados seis tribunais para julgar os supostos conspiradores. “López marcava com x, a lápis, os nomes dos acusados que deveriam ser mortos”. Os acusados confessavam mediante tortura. Eles tinham as mãos esmagadas com marteladas, eram chicoteados, espancados e muitos morriam nessas sessões de tortura. Em San Fernando, havia um grande terreno, com estacas e nenhuma proteção do sol e chuva, que abrigava os presos. Os sentinelas batiam nos prisioneiros, que recebiam entranhas dos animais mortos como refeição. Em setembro de 1868, Solano López se transferiu de San Fernando para Piquissirí e Doratioto relata o sofrimento desses soldados:“Os prisioneiros tiveram que marchar, em sete dias, quase duzentos quilômetros, com grilhões presos aos pés. Foram obrigados, inclusive, a atravessar, durante cinco horas, um pântano, com água na cintura, e os que, exauridos, não conseguiam mais caminhar foram mortos por baionetas. A esposa do coronel Martinez, que se rendeu em Islã-poí, foi, como se viu, fuzilada, mas antes participara dessa marcha; estava desfigurada, com a cara enegrecida,e por ter sido colocada seis vezes no cepo, tinha o corpo coberto de feridas e as costas em carne viva” . As barbáries da guerra também foram atribuídas ao Conde D'Eu. Ele fazia parte da família real e viera da França ao Brasil, em 1864, para casar com a princesa Isabel. Ele assumiria o comando das forças brasileiras em 16 de abril de 1869, substituindo Caxias, que considerava a guerra terminada.

o Visconde de Taunay confirma a responsabilidade do Conde D'Eu nos degolamentos5. Doratioto questiona apenas a versão de que o comandante brasileiro tenha ordenado o incêndio de um hospital:“Parece não ser verídica, porém a informação, feita por diferentes autores, de que o príncipe mandara incendiar o hospital, no qual morreram carbonizados mais de cem feridos.Provavelmente o incêndio foi conseqüência do bombardeio da vila pelos canhões brasileiros, no início do ataque” .

02/03/2008

Resenha - FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL- Celso Furtado

FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL



FUNDAMENTOS ECONÔMICOS DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL


DA EXPANSÃO COMERCIAL À EMPRESA AGRÍCOLA




A ocupação econômica das terras americanas constitui um episódio da expansão comercial da Europa. Não se trata de deslocamentos de população provocados por pressão demográfica - como fora na Grécia - ou de grandes movimentos de povos determinados pela ruptura de um sistema cujo equilíbrio se mantivesse pela força - caso das migrações germânicas em direção ao ocidente e sul da Europa. O comercio interno europeu , em intenso crescimento apartir do séc. XI, havia alcançado um elevado grau de desenvolvimento no séc. XV, quando as invasões turcas começaram a criar dificuldades crescentes as linhas orientais de abastecimento de produtos de alta qualidade, inclusive manufaturas.

O início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma conseqüência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pela demais nações européias. Nestas últimas prevalecia o princípio de que espanhóis e portugueses não tinham direito senão àquelas terras que houvessem efetivamente ocupado. A miragem do ouro que existia no interior das terras do Brasil - à qual não era estranha a pressão crescente dos franceses - pesou seguramente na decisão tomada de realizar um esforço relativamente grande para conservar as terras americanas.Em embargo, os recursos de que dispunha Portugal para colocar improdutivamente no Brasil eram limitados e dificilmente teriam sido suficientes para defender as novas terras por muito tempo. A Espanha, cujos recursos eram incomparavelmente superiores, teve que ceder à pressão dos invasores em grande parte das terras que lhe cabiam pelo Tratado de Tordesilhas. Para tornar mais efetiva a defesa de seu quinhão, foi-lhe necessário reduzir o perímetro deste. Demais, fez-se indispensável criar colônias de povoamento de reduzida importância econômica - como no caso de Cuba - com fins de abastecimento e de defesa. Coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma de utilização econômica das terras americanas que não fosse a fácil extração de letais preciosos. Somente assim seria possível cobrir os gastos de defesa dessas terras. Das medidas políticas que então foram tomadas resultou o início da exploração agrícola das terras brasileiras, acontecimento de enorme importância na história americana.






FATORES DO ÊXITO DA EMPRESA AGRÍCOLA

Um conjunto de fatores favoráveis tornou possível o êxito dessa primeira grande empresa colonial agrícola européia. Os portugueses haviam já iniciado há algumas dezenas de anos a produção, em escala relativamente grande, nas ilhas do Atlântico, de uma das especiarias mais apreciadas no mercado europeu: o Açúcar. Essa experiência permitiu a solução dos problemas técnicos relacionados com a produção do açúcar, fomentou o desenvolvimento em Portugal da indústria de equipamentos para os engenhos açucareiros. Se tem em conta as dificuldades que se enfrentavam na época para conhecer qualquer técnica de produção e as proibições que havia para exportação da equipamentos.

A significação maior da experiência das ilhas do Atlântico foi possivelmente no campo comercial.

A partir da metade do século XVI a produção portuguesa de açúcar passa a ser mais e mais uma empresa em comum com os flamengos, que recolhiam o produto de Lisboa, refinavam-no e faziam a distribuição por toda a Europa. A contribuição dos flamengos (particularmente dos holandeses) para a grande expansão do mercado do açúcar, na segunda metade do século XVI, constitui um fator fundamental do êxito da colonização do Brasil. Não somente com sua experiência comercial, pois parte substancial dos capitais requeridos pela empresa açucareira viera dos Países-Baixos.

O êxito da grande empresa agrícola do século XVI, constituiu portanto a razão de ser da continuidade da presença dos portugueses em uma grande extensão das terras americanas.

Nos século seguinte, quando se modifica a relação de forças na Europa com o predomínio das nações excluídas da América pelo Tratado de Tordesilhas, Portugal já havia avançado enormemente na ocupação efetiva da parte que lhe coubera.






RAZÕES DO MONOPÓLIO

Os magníficos resultados financeiros da colonização agrícola do Brasil abriram perspectivas atraentes à utilização econômica das novas terras. Sem embargo, os espanhóis continuaram concentrados em sua tarefa de extrair metais preciosos. Ao aumentar a pressão de seus adversários, limitaram-se a reforçar o cordão de isolamento em torno do seu rico quinhão.

A forma como estavam organizadas as relações entre Metrópole e colônias criava uma permanente escassez de meios de transporte; e era a causa de fretes excessivamente elevados. A política espanhola estava orientada no sentido de transformar as colônias em sistemas econômicos o quanto possível auto-suficientes e produtores de um excedente líquido -na forma de metais preciosos- que se transferia periodicamente para a Metrópole.

Sendo a Espanha o centro de uma inflação que chegou a propagar-se por toda a Europa, não é de estranhar que o nível geral de preços tenha sido persistentemente mais elevado nesse país que em seus vizinhos, o que necessariamente teria de provocar um aumento de importações e uma diminuição de exportações. Em conseqüência, os metais preciosos que a Espanha recebia da América sob a forma de transferências unilaterais provocavam um fluxo de importação de efeitos negativos, sobre a produção interna, e altamente estimulante para as demais economias européias.

O abastecimento de manufaturas das grandes massas de população indígena continuou a basear-se no artesanato local, o que retardou a transformação das economias de subsistência preexistentes na região.

Cabe portanto admitir que um dos fatores do êxito da empresa colonizadora agrícola portuguesa foi a decadência mesma da economia espanhola, a qual se deveu principalmente à descoberta precoce dos metais preciosos.






DESARTICULAÇÃO DO SISTEMA

O quadro político-econômico dentro do qual nasceu e progrediu de forma surpreendente a empresa agrícola em que assentou a colonização do Brasil foi profundamente modificado pela absorção de Portugal na Espanha. A guerra que contra este último país promoveu a Holanda, durante esse período, repercutiu profundamente na colônia portuguesa da América. A começos do séc. XVII os holandeses controlavam praticamente todo o comercio dos países europeus realizado por mar.

A luta pelo controle do açúcar torna-se, destarte, uma das razões de ser da guerra sem quartel que promovem os holandeses contra a Espanha. E um dos episódios dessa guerra foi a acupação pelos batavos, durante um quarto de século, de grande parte da região produtora de açúcar no Brasil.

Durante a permanência no Brasil, os holandeses adquiriram o conhecimento de todos os aspectos técnicos e organizacionais da indústria açucareira. Esses conhecimentos vão constituir a base para a implantação e desenvolvimento de uma indústria concorrente, de grande escala, na região do Caribe. A partir desse momento, estaria perdido o monopólio, que nos três quartos de século anteriores se assentara na identidade de interesse entre os produtores portugueses e os grupos financeiros holandeses que controlavam o comércio europeu. No terceiro quartel do século XVIII os preços do açúcar estarão reduzidos à metade e persistirão nesse nível relativamente baixo durante todo o século seguinte.






AS COLÔNIAS DE POVOAMENTO DO HEMISFÉRIO NORTE

O principal acontecimento da história americana no século XVII foi, para o Brasil, o surgimento de uma poderosa economia concorrente no mercado dos produtos tropicais. O advento dessa economia decorreu, em boa medida, do debilitamento da potência militar espanhola na primeira metade do século XVII, debilitamento esse observado de perto pelas três potências cujo poder crescia na mesma época: Holanda, França e Inglaterra.

A colonização de povoamento que se inicia na América no século XVII constitui, portanto, seja uma operação com objetivos políticos, seja uma forma de exploração de mão-de-obra européia que um conjunto de circunstâncias tornara relativamente barata nas Ilhas Britânicas.

A Inglaterra do século XVII apresentava um considerável excedente da população, graças as profundas modificações de sua agricultura iniciadas no século anterior.

O início dessa colonização de povoamento no século XVII are uma etapa nova na história da América. Em seus primeiros tempos essas colônias acarretaram vultuosos prejuízos para companhias que a organizavam.

Por todos os meios procurava-se induzir as pessoas que haviam cometido qualquer crime ou mesmo contravenção a vender-se para trabalhar na América em vez de ir para o cárcere. Contudo o suprimento de mão- de- obra deveria ser insuficiente pois a prática do rapto de adultos e crianças tendeu a transformar-se em calamidade pública nesse país. Por esse e outros métodos a população européia das Antilhas cresceu intensamente, e só a Ilha de Bordados chegou a ter, em 1634, 37.200 habitantes dessa origem.

Na medida em que a agricultura tropical - particularmente a do fumo - transformava-se num êxito comercial, cresciam as dificuldades apresentadas pelo abastecimento de mão-de-obra européia.

As colônias de povoamento destas regiões, com efeito, resultaram ser simples estações experimentais para a produção de artigos de potencialidade econômica ainda incerta. Superada essa etapa de incerteza, as invenções maciças exigidas pelas grande plantações escravistas demonstraram ser negócio muito vantajoso.

A partir desse momento se modifica o curso da colonização antilhana, e essa modificação será de importância fundamental para o Brasil. A idéia original de colonização dessas regiões tropicais, à base de pequena propriedade, excluída per se toda cogitação em torno à produção de açúcar. Dentre os produtos tropicais, mais que qualquer outro, este era incompatível com o sistema da pequena propriedade.

A essas diferenças de estrutura econômica teriam necessariamente de corresponder grandes disparidades de comportamento dos grupos sociais dominantes nos dois tipos de colônias. Nas Antilhas inglesas os grupos dominantes estavam intimamente ligados a poderosos grupos financeiros da Metrópole e tinham inclusive uma enorme influencia no parlamento britânico. Esse entrelaçamento de interesses inclinava os grupos que dirigiam a economia antilhana a considera-la exclusivamente como parte integrante de importantes empresas manejadas da Inglaterra. As colônias setentrionais, ao contrário, eram dirigidas por grupos ligados uns a interesses comerciais em Boston e Nova York - os quais freqüentemente entrava em conflito com os interesses metropolitanos - e outros representativos de populações agrícolas praticamente sem qualquer afinidade de interesses com a Metrópole. Essa independência dos grupos dominantes vis-à-vis da Metrópole teria de ser um fator de fundamental importância para o desenvolvimento da colônia, pois significava que nela havia órgãos capazes de interpretar seus verdadeiros interesses e não apenas de refletir as ocorrências do centro econômico dominante.






CONSEQÜÊNCIAS DA PENETRAÇÃO DO AÇÚCAR NAS ANTILHAS

Na medida que a agricultura tropical se tornava um sucesso comercial, principalmente o fumo, cresciam as dificuldades apresentadas pelo abastecimento de mão-de-obra européia. Do ponto de vista das companhias interessadas no comércio das novas colônias, a solução natural do problema estava na introdução da mão-de-obra escrava africana. Na Virgínia aonde as terras não estavam todas divididas em mãos de pequenos produtores, a formação de grandes unidades agrícolas se desenvolveu mais rapidamente. Surge assim uma situação totalmente nova no mercado de produtos tropicais: uma intensa concorrência entre regiões que exploram mão-de-obra escrava em grandes unidades produtivas, e regiões de pequenas propriedades e mão-de-obra européia. As colônias de povoamento destas regiões resultaram ser simples estações experimentais para produção de artigos de potencialidade comercial ainda incerta. Superada essa etapa de incerteza, as inversões maciças exigidas pelas grandes plantações escravistas demonstram ser negocio muito vantajoso.

A partir deste momento se modifica o curso da colonização antilhana, e essa modificação será de importância fundamental para o Brasil. A idéia original de colonização dessas regiões tropicais, à base de pequena propriedade, excluía per se toda cogitação em torno à produção de açúcar. Dentre os produtos tropicais, mais que qualquer outro, este era incompatível com o sistema de pequenas propriedades. Nesta primeira fase da colonização agrícola não-portuguesa das terras americanas, aparentemente se dava por assentado que ao Brasil cabia o monopólio da produção açucareira. Às colônias antilhanas ficavam reservados os demais produtos tropicais. A razão de ser dessa divisão de tarefas derivada dos próprios objetivos políticos da colonização antilhana, onde franceses e ingleses pretendiam reunir fortes núcleos de população européia. Sem embargo, esses objetivos políticos tiveram de ser abandonados sob a forte pressão de fatores econômicos.

As colônias do norte dos EUA se desenvolveram, assim, na segunda metade do séc. XVII e primeira do séc XVIII, como parte integrante de um sistema maior dentro do qual o elemento dinâmico são as regiões antilhanas produtoras de artigos tropicais. O fato que as duas partes principais do sistema - a região produtora do artigo básico de exportação; e a região que abastecia a primeira - hajam estado separadas é de fundamental importância para explicar o desenvolvimento subsequente de ambas.






ENCERRAMENTO DA ETAPA COLONIAL

A partir da segunda metade do séc. XVII, será profundamente marcada pelo novo rumo que toma Portugal como potência colonial. Na época que esteve ligada a Espanha, perdeu esse país o melhor de seus entrepostos orientais, ao mesmo tempo que a melhor parte da colônia americana era ocupada pelos holandeses. Ao recuperar a independência Portugal encontro-se em posição extremamente débil, pois a ameaça da Espanha - que por mais de um quarto de século não reconheceu essa independência - pesava permanentemente sobre o território metropolitano. Por outro lado, o pequeno reino, perdido o comércio oriental e desorganizado o comércio do açúcar, não dispunha de meios para defender o que lhe sobrará das colônias numa época de crescente atividade imperialista. A neutralidade em face das grandes potências era impraticável. Portugal compreendeu, assim, que para sobreviver como metrópole colonial deveria ligar o seu destino a uma grande potência, o que significaria necessariamente alienar parte de sua soberania. Os acordos concluídos com a Inglaterra em 1642-54-61 estruturam essa aliança que marcará profundamente a vida política e econômica de Portugal e do Brasil durante os dois séculos seguintes.








ECONOMIA ESCRAVISTA DE AGRICULTURA TROPICAL





CAPITALIZAÇÃO E NÍVEL DE RENDA NA COLÔNIA AÇUCAREIRA

O rápido desenvolvimento da indústria açucareira , malgrado as enormes dificuldades decorrentes do meio físico , da hostilidade do silvícola e do custo dos transportes , indica claramente que o esforço do governo português se concentrara nesse setor . O privilegio , outorgado ao donatário , de só ele fabricar moenda e engenho de água , denota ser a lavoura do açúcar a que tinha especialmente em mira introduzir.

Observada de uma perspectiva ampla, a colonização do séc. XVI surge fundamentalmente ligada a atividade açucareira. Aí onde a produção de açúcar falhou - caso de São Vicente - o pequeno núcleo colonial conseguiu substituir graças à relativa abundância de mão-de-obra indígena.

O fato de que desde o começo da colonização algumas comunidades se hajam especializado na captura de escravos indígenas põe em evidência a importância da mão-de-obra nativa na etapa inicial de instalação da colônia. No processo de acumulação de riqueza quase sempre o esforço inicial é relativamente o maior. A mão-de-obra africana chegou para a expansão da empresa, que já estava instalada. É quando a rentabilidade do negócio está assegurada que entram em cena , na escala necessária, os escravos africanos: base de um sistema de produção mais eficiente e mais densamente capitalizado.






FLUXO DE RENDA E CRESCIMENTO

O que mais singulariza a economia escravista é, seguramente, a forma como nela opera o processo de formação de capital. O empresário açucareiro teve, no Brasil, desde o começo, que operar em escala relativamente grande. As condições do meio não permitiam pensar em pequenos engenhos, como fora o caso das ilhas do Atlântico. Cabe deduzir, por tanto, que os capitais foram importados. Mas o que se importava, na etapa inicial, eram os equipamentos e a mão-de-obra especializada. A introdução do trabalhador africano não constitui modificação fundamental pois apenas veio substituir outro escravo menos eficiente e de recrutamento mais incerto.

Na segunda metade do séc. XVII, quando se desorganizou o mercado do açúcar e teve inicio a forte concorrência antilhana, os preços se reduziram a metade. Contudo, os empresários brasileiros fizeram o possível para manter um nível de produção relativamente elevado.






PROJEÇÃO DA ECONOMIA AÇUCAREIRA: A PECUÁRIA

Pode-se admitir como ponto pacífico, que a economia açucareira constituía um mercado de dimensões relativamente grandes, portanto, atuar como fator altamente dinâmico do desenvolvimento de outras regiões do país. Um conjunto de circunstancia tenderam, sem embargo, a desviar para o exterior em quase sua totalidade esse impulso dinâmico. Em primeiro lugar havia os interesses criados dos exportadores portugueses e holandeses, os quais gozavam dos fretes excepcionalmente baixos que podiam propiciar os barcos que seguiam para colher açúcar. Em segundo estava a preocupação política de evitar o surgimento na colônia de qualquer atividade que concorresse com a economia metropolitana.

Ao expandir-se a economia açucareira, a necessidade de animais de tiro tendeu a crescer mais que proporcionalmente, pois a desvastação das florestas litorâneas obrigava a buscar a lenha a distancia cada vez maiores. Por outro lado, logo se evidenciou a impraticabilidade de criar o gado na faixa litorânea, isto é, dentro das próprias unidades produtoras de açúcar. Os conflitos provocados pela penetração de animais em plantações deve ter sido grandes, pois o próprio governo português proibiu, finalmente, a criação de gado na faixa litorânea. E foi a separação das duas atividades econômicas - a açucareira e a criatória - que deu lugar ao surgimento de uma economia dependente na própria região nordestina.






FORMAÇÃO DO COMPLEXO ECONÔMICA NORDESTINO

As formas que assumem os dois sistemas da economia nordestina - o açucareiro e o criatório - no lento processo de decadência que se inicia na segunda metade do séc. XVII, constitui elementos fundamentais na formação do que no séc. XX viria a ser a economia brasileira. Vimos jà que as unidades produtivas, tanto na economia açucareira como na criatória, tendiam a preservar sua forma original seja nas etapas de expansão seja nas de contração. Por um lado o crescimento era de caráter puramente extensivo, mediante a incorporação de terra e mão-de-obra, não implicando modificação estruturais que repercutissem nos custos de produção e por tanto na produtividade. Por outro lado, a reduzida expressão dos custos monetários - isto é, a pequena proporção da folha de salários e da compra de serviços a outras unidades produtivas - tornava a economia enormemente resistente aos efeitos a curto prazo de uma baixa de preços. Convinha continuar operando, não obstante os preços sofressem uma forte baixa, pois os fatores de produção não tinham uso alternativo. Como se diz hoje em dia, a curto prazo a oferta era totalmente inelástica. Contudo, seus efeitos a curto prazo de uma contração da procura eram muito parecidos nas economias açucareira e criatória, a longo prazo as diferenças eram substanciais.




CONTRAÇÃO ECONÔMICA E EXPANSÃO TERRITORIAL

O séc. XVII constitui a etapa de maiores dificuldades na vida política da colônia. Em sua primeira metade, o desenvolvimento da economia açucareira foi interrompido pelas invasões holandesas. Nessa etapa os prejuízos são bem maiores para Portugal que para o próprio Brasil, teatro das operações de guerra. A administração holandesa se preocupou em reter na colônia parte das rendas fiscais proporcionadas pelo açúcar, o que permitiu um desenvolvimento mais intenso da vida urbana. Do ponto de vista do comércio e do fisco portugueses, entretanto, os prejuízos deveriam ser consideráveis. Simonsen estimou em vinte milhões de libras o valor das mercadorias subtraídas ao comércio lusitano. Isso concomitantemente com gastos militares vultosos. Encerrada a etapa militar, tem inicio a baixa nos preços do açúcar provocada pela perda do monopólio. Na segunda metade do século a rentabilidade da colônia baixou substancialmente, tanto para o comércio como para o erário lusitanos, ao mesmo tempo que cresciam suas próprias dificuldades de administração e defesa.








ECONOMIA ESCRAVISTA MINEIRA





POVOAMENTO E ARTICULAÇÃO DAS REGIÕES MERIDIONAIS

Que poderia Portugal esperar da extensa colônia sul-americana, que se empobrecia a cada dia, crescendo ao mesmo tempo seus gastos de manutenção? Era mais ou menos evidente que da agricultura tropical não se podia esperar outro milagre similar ao do açúcar. Iniciara-se uma intensa concorrência no mercado de produtos tropicais, apoiando-se os principais produtores - colônias francesas e inglesas - nos respectivos mercados metropolitanos. Para um observador de fins do séc. XVII, os destinos da colônia deveriam parecer incertos. Em Portugal compreendeu-se claramente que a única saída estava na descoberta de metais preciosos. Retrocedia-se, assim, à idéia primitiva de que as terras americanas só se justificavam economicamente se chegassem a produzir ditos metais. Os governantes portugueses cedo se deram conta do enorme capital que, para a busca de minas, representavam os conhecimentos que do interior do país tinham os homens do planalto de Piratininga. Com efeito, se estes já não haviam descobertos o ouro em suas entradas pelos sertões, era por falta de conhecimentos técnicos. A ajuda técnica que então receberam da metrópole foi decisiva.






FLUXO DA RENDA

A base geográfica da economia mineira estava situada numa vasta região compreendida entre a serra da Mantiqueira, no atual Estado de Minas, e a região de Cuiabá, no Mato Grosso, passando por Goiás. Em algumas regiões a curva de produção subiu e baixou rapidamente provocando grandes fluxos e refluxos de população; noutras, essa curva foi menos abrupta tornando-se possível um desenvolvimento demográfico mais regular e a fixação definitiva de núcleos importantes de população. A renda média dessa economia, isto é, sua produtividade média, é algo que dificilmente pode se definir. Em dados momentos deveria alcançar pontos altíssimos em uma sub-região, e, quanto mais altos fossem esses pontos, maiores seriam as quedas subseqüentes. Os depósitos de aluvião se esgotam tanto mais rapidamente quanto é mais fácil sua exploração. Dessa forma, as regiões mais “ricas” se incluem entre as de vida produtiva mais curta.






REGRESSÃO ECONÔMICA E EXPANSÃO DA ÁREA DE SUBSISTÊNCIA

Não se havendo criado nas regiões mineiras formas permanentes de atividades econômicas - à exceção de alguma agricultura de subsistência - era natural que, com o declínio da produção de ouro, viesse uma rápida e geral decadência. Na medida em que se reduzia a produção, as maiores empresas se iam descapitalizando e desagregando. A reposição da mão de obra escrava já não se podia fazer, e muitos empresários de lavras, com o tempo, se foram reduzindo a simples faiscadores. Dessa forma, a decadência se processava através de uma lenta diminuição do capital aplicado no setor mineratório. A ilusão de que uma nova descoberta poderia vir a qualquer momento induzia o empresário a persistir na lenta destruição de seu ativo, antes que transferir algum saldo liquidável para outra atividade econômica. Todo o sistema se ia assim atrofiando, perdendo vitalidade, para finalmente desagregar-se numa economia de subsistência.






ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA O TRABALHO ASSALARIADO





O MARANHÃO E A FALSA EUFORIA DA ÉPOCA COLONIAL

O ultimo quartel do século XVIII constitui uma nova etapa de dificuldades para a colônia. as exportações, que em torno de 1760 se haviam aproximado de cinco milhões de libras, pouco excedem em média, nos últimos vinte e cinco anos do século, os três milhões. O açúcar enfrenta novas dificuldades e o valor total de suas vendas desce a níveis tão baixos como não se havia conhecido nos dois séculos anteriores. As exportações de ouro, durante esse período, promediaram pouco mais de meio milhão de libras. Enquanto isso a população havia subido a algo mais de três milhões de habitantes. A renda per capita, ao terminar o século, provavelmente não seria superior a cinqüenta dólares de poder aquisitivo atual - admitida uma população livre de dois milhões - sendo esse provavelmente o nível de renda mais baixo que haja conhecido o Brasil em todo período colonial.




PASSIVO COLONIAL, CRISE FINANCEIRA E INSTABILIDADE POLÍTICA

A repercussão, no Brasil, dos acontecimentos políticos da Europa de fins do século XVIII e começo do seguinte, se por um lado acelerou a evolução política do pais, por outro contribuiu para prolongar a etapa de dificuldades econômicas que se iniciara com a decadência do ouro. Ocupado o reino português pelas tropas francesas,desapareceu o entreposto que representava Lisboa para o comercio da colônia, tornando-se indispensável o contato direto desta com os mercados ainda acessíveis. A “abertura dos portos” decretada ainda em 1808, resultava de uma imposição de acontecimentos. Vem em seguida os tratados de 1810 que transformaram a Inglaterra em potência privilegiada, com direitos de extraterritorialidade e tarifas preferenciais a níveis extremamente baixos, tratados esses que constituirão, em toda a primeira metade do século, uma seria limitação à autonomia do governo brasileiro no setor econômico. A separação definitiva de Portugal em 1822 e o acordo pelo qual a Inglaterra consegue consolidar sua posição em 1827 são outros dois marcos fundamentais nessa etapa de grandes acontecimentos políticos. Por ultimo cabe referir a eliminação do poder pessoal de Dom Pedro I, em 1831, e a conseqüente ascensão definitiva ao poder da classe colonial dominante formada pelos senhores da grande agricultura de exportação.






CONFRONTO COM O DESENVOLVIMENTO DOS EUA

As observações anteriores põem em evidencia as dificuldades criadas indiretamente, ou agravadas, pelas limitações impostas ao governo brasileiro nos acordos comerciais com a Inglaterra, firmados entre 1810 e 1827. Sem embargo, não parece ter fundamento a critica corrente que se faz a esses acordos, segundo a qual eles impossibilitaram a industrialização do Brasil nessa época, retirando das mãos do governo o instrumento do protecionismo. Observando atentamente o que ocorreu na época, comprova-se que a economia brasileira atravessou uma fase de fortes desequilíbrio, determinados principalmente pela baixa relativa dos preços das exportações e pela tentativa do governo, cujas responsabilidades se haviam avolumado com a independência política, de aumentar sua participação no dispêndio nacional. A exclusão do entreposto português, as maiores facilidades de transporte e comercialização - devidas ao estabelecimento de inúmeras firmas inglesas no pais - provocaram uma baixa relativa dos preços das importações e um rápido crescimento da procura de artigos importados. criou-se, assim, uma forte pressão sobre a balança de pagamentos, que teria de repercutir na taxa de cambio. Por outro lado, conforme indicamos, a forma como se financiou o déficit do governo central veio reforçar enormemente essa pressão sobre a taxa de cambio. Na ausência de uma corrente substancial de capitais estrangeiros ou de uma expansão adequada das exportações, a pressão teve de resolver-se em depreciação externa da moeda, o que provocou por seu lado um forte aumento relativo dos preços dos produtos importados. Se houvesse adotado, desde o começo, uma tarifa geral de 50% ad valorem, possivelmente o efeito protecionista não tivesse sido tão grande como resultou ser com a desvalorização da moeda.






DECLÍNIO A LONGO PRAZO DO NÍVEL DE RENDA: PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

Condição básica para o desenvolvimento da economia brasileira, na primeira metade do século XIX, teria sido a expansão de suas exportações. Fomentar a industrialização nessa época, sem o apoio de uma capacidade para importar em exportação, seria tentar o impossível num pais totalmente carente de base técnica. As iniciativas de industria siderúrgica da época de Dom João VI fracassaram não exatamente por falta de proteção, mas simplesmente porque nenhuma industria cria mercado para si mesma, e o mercado para produtos siderúrgicos era praticamente inexistente .O pequeno consumo dos pais estavam declínio com a decadência da mineração, e espalhava-se pelas distintas províncias exigindo uma complexa organização comercial. A industrialização teria de começar por aqueles produtos que já dispunham de um mercado de certa magnitude, como era o caso dos tecidos, única manufatura cujo mercado se estendia inclusive a população escrava. Ocorre, porem, que a forte baixa dos preços dos tecidos ingleses, a que nos referimos, tornou difícil a própria subsistência do pouco artesanato têxtil que existia no pais. A baixa de preços foi de tal ordem que se tornava praticamente impossível defender qualquer industria local por meio de tarifas. Houvera sido necessário estabelecer cotas de importação. Cabe reconhecer, entretanto, que dificultar a entrada no pais de um produto cujo preço apresentavam tão grande declínio seria reduzir substancialmente a renda real da população numa etapa em que esta atravessava grandes dificuldades. Por ultimo e necessário não esquecer que a instalação de uma industria têxtil moderna em contraria serias dificuldades, pois os ingleses impediam por todos os meios a seu alcance a exportação de maquinas.






GESTAÇÃO DA ECONOMIA CAFEEIRA

Dificilmente um observador que estudasse a economia brasileira pela metade do século XIX chegaria a perceber a amplitude das transformações que nela se operariam no correr dos meio século que se iniciavam. Haviam três quartos de século em que a característica dominante fora a estagnação ou a decadência. Ao rápido crescimento demográfico de base migratória dos três primeiros quartéis do século XVIII sucedera um crescimento vegetativo relativamente lento no período subsequente . As fases de progresso, como a que conheceu o Maranhão, haviam sido de efeitos locais, sem chegar a afetar o panorama geral. A instalação de um rudimentar sistema administrativo, a criação de um banco nacional e umas poucas outras iniciativas governamentais constituíam - ao lado da preservação da unidade nacional - o resultado liquido desse longo período de dificuldades. As novas técnicas criadas pela revolução industrial escassamente haviam penetrado no pais, e quando o fizeram foi sob a forma de bens ou serviços de consumo sem afetar a estrutura do sistema produtivo. Por ultimo o problema nacional básico - a expansão da força de trabalho do pais - encontrava-se em verdadeiro impasse : estancara-se a tradicional fonte africana sem que se vislumbrasse uma solução alternativa.








O PROBLEMA DA MÃO-DE-OBRA



I - OFERTA INTERNA POTENCIAL

Pela metade do séc. XIX, a força de trabalho da economia brasileira estava basicamente consthtuída por uma massa de escravos que talvez não alcançasse dois milhões de indivíduos. Qualquer empreendimento que se pretendesse realizar teria de chocar-se com a inelasticidade da oferta de trabalho. O primeiro senso demográfico, realizado em 1872, indica que nesse ano existiam no Brasil aproximadamente 1,5 milhão de escravos. Tendo em conta que o numero de escravos, no começo do século, era de algo mais de 1 milhão, e que nos primeiros 50 anos do século XIX se importou muito provavelmente mais de ½ milhão deduz-se que a taxa de mortalidade era superior à de natalidade. É interessante observar a evolução diversa que teve o estoque de escravo dos dois principais países escravistas do continente: os EUA e o Brasil. Ambos os países começaram o século XIX com um estoque de aproximadamente 1 milhão de escravos. As importações brasileiras, no correr do século, foram cerca de 3 vezes maiores do que as norte-americanas. Sem embargo, a iniciar-se a Guerra de Secessão, os EUA tinham uma força de trabalho escrava de cerca de 4 milhões e o Brasil na mesma época algo como 1,5 milhão. A explicação desse fenômeno está na elevada taxa de crescimento vegetativo da população escrava norte-americana, grande parte da qual vivia em propriedades relativamente pequenas, nos Estados do chamado Old South. As condições de alimentação e de trabalho nesses Estados deveriam ser relativamente favoráveis, tanto mais que, com a elevação permanente dos preços dos escravos seus proprietários passaram a derivar uma renda do incremento natural dos mesmos.






O PROBLEMA DA MÃO-DE-OBRA



II - A IMIGRAÇÃO EUROPÉIA

Como solução alternativa do problema da mão-de-obra sugeria-se fomentar uma corrente de imigração européia. O espetáculo do enorme fluxo de população que espontaneamente se dirigia da Europa para os EUA parecia indicar a direção que cabia tomar. E, com efeito, já antes da independência começara, por iniciativa governamental, a instalação de “colônias” de imigrantes europeus. Entretanto, essas colônias que, as palavras de Mauá, “pesavam com a mão de ferro” sobre as finanças do país, vegetavam raquíticas sem contribuir em coisa alguma para alterar os termos do problema da inadequada oferta de mão-de-obra. E a questão fundamental era aumentar a oferta de força de trabalho disponível para a grande lavoura, denominação brasileira da época correspondente à plantation dos ingleses. Ora, não existia nenhum precedente, no continente, de imigração de origem européia de mão de obra livre para trabalhar em grandes plantações. As dificuldades que encontraram os ingleses para solucionar o problema da falta de braços, em suas plantações da região do Caribe são bem conhecidas. É sabido, por exemplo, que grande parte dos africanos aprendidos nos navios que traficavam para o Brasil eram reexportados para as Antilhas como trabalhadores “livres”.






O PROBLEMA DA MÃO-DE-OBRA



III - TRANSUMÂNCIA AMAZÔNICA

Além da grande corrente migratória de origem européia para a região cafeeira, o Brasil conheceu no ultimo quartel do século XIX e primeiro decênio deste um outro grande movimento de população: da região nordestina para a amazônica.

A economia amazônica entrará em decadência desde fins do século XVIII. Desorganizado o engenhoso sistema de exploração da mão-de-obra indígena estruturado pelos jesuítas, a imensa região reverteu a um estado de letargia econômica. Em pequena zona do Pará se desenvolveu uma agricultura de exportação que seguiu de perto a evolução da maranhense, com a qual estivera integrada comercialmente através dos negócios da companhia de comercio criada na época de Pombal. O algodão e o arroz aí tiveram sua etapa de prosperidade, durante as guerras napoleonicas, sem contudo jamais alcançar cifras de significação para conjunto do país. A base da economia da bacia amazônica eram sempre as mesmas especiarias extraídas da floresta que haviam tornado possível a penetração jesuítica na extensa região. Desses produtos extrativos o cacau continuava a ser mais importante. A forma como era produzido, entretanto, não permitia que o produto alcançasse maior significação econômica. A exportação anual média, nos anos 40 do século passado, foi de 2.900 toneladas, no decênio seguinte alcança 3.500 e nos anos 60 baixa para 3.300. O aproveitamento dos demais produtos da floresta deparava-se com a mesma dificuldade: a quase inexistência de população e a dificuldade de organizar a produção com base no escasso elemento indígena local.






O PROBLEMA DA MÃO-DE-OBRA




IV - ELIMINAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO

Já observamos que, na segunda metade do século XIX, não obstante a permanente expansão do setor de subsistência, a inadequada oferta de mão-de-obra constitui o problema central da economia brasileira. Vimos também como este problema foi resolvido nas duas regiões em rápida expansão econômica: o planalto paulista e a bacia amazônica. Sem embargo, não seria avisado deixar de lado um outro aspecto desse problema, que aos contemporâneos pareceu serem realidade de todos os mais fundamental: a chamada “questão do trabalho servil”.

A abolição da escravatura, à semelhança de uma “reforma agraria”, não constitui per se nem destruição nem criação de riqueza. Constitui simplesmente numa redistribuição da propriedade de uma coletividade. A aparente complexidade desse problema deriva de que a propriedade da força de trabalho, ao passar do senhor de escravos para o indivíduo, deixa de ser um ativo que figura numa contabilidade para constituir-se em simples virtualidade. Do ponto de vista econômico, o aspecto fundamental desse problema radica no tipo de repercussões que a redistribuição da propriedade terá na organização da produção, no aproveitamento dos fatores disponíveis, na distribuição da renda e na utilização final desse renda.

NÍVEL DE RENDA E RITMO DE CRESCIMENTO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

Considerada em conjunto, a economia brasileira parece haver alcançada uma taxa relativamente alta de crescimento na segunda metade do século XIX. Sendo o comercio exterior o setor dinâmico do sistema, é no seu comportamento que está a chave do processo de crescimento nessa etapa. Comparando os valores médios correspondentes aos anos 90 com os relativos ao decênio dos 40, depreende-se que o quantum das exportações brasileiras aumentou 214%. Esse aumento do volume físico da exportação foi acompanhado de uma elevação dos preços médios dos produtos exportados de aproximadamente 46%. Por outro lado, observa-se uma redução de cerca de 8% no índice de preços dos produtos importados, sendo, portanto, de 58% a melhora na relação de preços dk intercâmbio externo. Um aumento de 214% do quantum das exportações acompanhado de uma melhora de 58% na relação de preços do intercâmbio, significa um incremento de 396% na renda real gerada pelo setor exportador.






O FLUXO DE RENDA NA ECONOMIA DE TRABALHO ASSALARIADO

O fato de maior relevância ocorrido na economia brasileira no ultimo quartel do século XIX foi, sem lugar à duvida, o aumento da importância relativa do setor assalariado. A expansão anterior se fizera, seja através do crescimento do setor escravista, seja pela multiplicação dos núcleos de subsistência. Em um e outro caso o fluxo de renda, real ou virtual, circunscrevia-se a unidades relativamente pequenas, cujos contatos externos assumiam caráter internacional no primeiro caso e eram de limitadíssimo alcance no segundo. A nova expansão tem lugar no setor que se baseia no trabalho assalariado. O mecanismo desse nova sistema, cuja a importância relativa cresce rapidamente, apresenta diferenças profundas com respeito à antiga economia exclusivamente de subsistência. Essa ultima, como vimos , caracteriza-se por um elevado grau de estabilidade, mantendo-se imutável sua estrutura tanto nas etapas de crescimento como nas de decadência. A dinâmica do novo sistema é distinta. Convém analiza-la detidamente, se pretendemos compreender as transformações estruturais que levariam, na primeira metade do século atual, à formação no Brasil de uma economia de mercado interno.






A TENDÊNCIA AO DESEQUILÍBRIO EXTERNO

O funcionamento do novo sistema econômico, baseado no trabalho assalariado, apresentava uma serie de problemas que, na antiga economia exportadora-escravista, apenas se haviam esboçado. Um desses problemas - alias comum a outras economias de características similares - consistiria na impossibilidade de adaptar-se às regras do padrão-ouro, base de toda a economia internacional no período que aqui nos ocupa. O principio fundamental do sistema do padrão-ouro radicava em que cada país deveria dispor de uma reserva metálica - ou de divisas conversíveis, na variante mais corrente, - suficientemente grande para cobrir os deficits ocasionais de sua balança de pagamentos. É fácil compreender que uma reserva metálica - estivesse ela amoedada ou não - constituía uma inversão improdutiva que era na verdade a contribuição de cada país para o financiamento a curto prazo das trocas internacionais. A dificuldade estava em que cada país deveria contribuir para este financiamento em função de sua participação no comercio internacional e da amplitude das flutuações de sua balança de pagamentos.






A DEFESA DO NÍVEL DE EMPREGO E A CONCENTRAÇÃO DA RENDA

Vimos que a existência de uma reserva de mão-de-obra dentro do país , reforçada pelo fluxo imigratório , permitiu que a economia cafeeira se expandisse durante um longo período sem que os salários reais apresentassem tendência para a alta . A elevação do salário médio no país refletia a aumento de produtividade que se ia alcançando através da simples transferência de mão-de-obra da economia estacionária de subsistência para a economia exportadora . As melhoras de produtividade obtidas dentro da própria economia exportadora , essas o empresário podia retê-las , pois nenhuma pressão se formava dentro do sistema que o obrigasse a transferi-las total ou parcialmente para os assalariados . Também assinalamos que esses aumentos de produtividade do setor exportador eram de natureza puramente econômica, e refletiam modificações nos preços do café . Para que houvesse aumento na produtividade física , seja da mão-de-obra ,seja da terra , era necessário que o empresário aperfeiçoasse os processos de cultivo ou intensificasse a capitalização , isto é , aplicasse maior quantidade de capital por unidade de terra ou de mão-de-obra .






A DESCENTRALIZAÇÃO REPUBLICANA E A FORMAÇÃO DE NOVOS GRUPOS DE PRESSÃO

Observando mais detidamente o processo de depreciação cambial , depreende-se facilmente que as transferências de renda assumiam várias formas . Por outro lado havia transferências entre o setor de subsistência e o exportador , em benefício deste último , pois os preços que pagava o setor de subsistência pelo que imputava cresciam relativamente aos preços que pagava o setor exportador pelos produtos de subsistência . Por outro lado havia importantes transferências dentro do próprio setor exportador , uma vez que os assalariados rurais empregados neste último, se bem que produzissem boa parte de seus próprios alimentos , recebiam em moeda a principal parte de seu salário e consumiam uma série de artigos de uso corrente que eram importados ou semimanufaturados no país com matéria-prima importada . Os núcleos mais prejudicados eram , entretanto , as populações urbanas . Vivendo de ordenados e salários e consumindo grandes quantidades de artigos importados , inclusive alimentos , o salário real dessas populações era particularmente afetado pelas modificações da taxa cambial .







ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA UM SISTEMA INDUSTRIAL





A CRISE DA ECONOMIA CAFEEIRA

No último decênio do século XIX criou-se uma situação excepcionalmente favorável à expansão da cultuara do café no Brasil. Por outro lado a oferta não-brasileira atravessou uma etapa de dificuldades , sendo a produção asiática grandemente prejudicada por enfermidades , que praticamente destruíram os cafezais da ilha do Ceilão. Por outro lado , com a descentralização republicana o problema da imigração passou às mãos dos Estados , sendo abordado de forma muito mais ampla pelo governo do Estado de São Paulo, vale dizer, pela própria classe dos fazendeiros de café. Finalmente , o efeito estimulante da grande inflação de crédito desse período beneficiou duplamente a classe de cafeicultores : proporcionou o crédito necessário para financiar a abertura de novas terras e elevou os preços dos produtos em moedas nacional com a depreciação cambial. A produção brasileira , que havia aumentado de 3,7 milhões de sacas (de 60 Kg) em 1880-81 para 5,5 em 1890-91, alcançaria em 1901-02 16,3 milhões .






OS MECANISMOS DE DEFESA E A CRISE DE 1929

Ao deflagrar-se a crise mundial a situação da economia cafeeira se apresentava como segue . A produção , que se encontrava a altos níveis , teria de seguir crescendo , pois os produtores haviam continuado a expandir as plantações até aquele momento . Com efeito , a produção máxima seria alcançada em 1933 , ou , seja , no ponto mais baixo da depressão , como reflexo das grandes plantações de 1927-28 . Por outro lado , era totalmente impossível obter crédito no exterior para financiar a retenção de novos estoques , pois o mercado internacional de capitais se encontrava em profunda depressão e o crédito do governo desaparecera com a evaporação das reservas .

A grande acumulação de estoques de 1929, a rápida liquidação das reservas metálicas brasileiras e as precárias perspectivas de financiamento das grandes safras previstas para o futuro , aceleraram a queda do preço internacional do café iniciada conjuntamente com a de todos os produtos primários em fins de 1929 . Essa queda assumiu proporções catastróficas, pois, de setembro de 1929 a esse mesmo mês de 1931, a baixa foi de 22,5 centavos de dólar por libra para 8 centavos .






DESLOCAMENTO DO CENTRO DINÂMICO

Vimos como a política de defesa do setor cafeeiro contribuiu para manter a procura efetiva e o nível de emprego nos outros setores da economia . Vejamos agora o que significou isso como pressão sobre a estrutura do sistema econômico . O financiamento dos estoques de café com recursos externos evitava , conforme indicamos , o desequilíbrio na balança de pagamentos . Com efeito, a expansão das importações induzida pela inversão em estoques de café dificilmente poderia exceder o valor desses estoques, os quais tinham uma cobertura cambial de 100 por cento .

Suponhamos que cada mil-réis invertido em estoques de café se multiplicasse, de acordo com o mecanismo já exposto, por 3, e criasse assim uma renda final de 3 mil-réis .Seria necessário que as importações induzidas pelo aumento da renda global ultrapassassem a terça parte desse aumento para que se criasse um desequilíbrio externo . Por uma série de razões fáceis de perceber, esse tipo de desequilíbrio não se concretiza sem que interfiram outros fatores, pois a propagação da renda dentro da economia reflete em grande parte as possibilidades que tem essa economia de satisfazer ela mesma as necessidades decorrentes do aumento da procura . No caso limite de que essas possibilidades fossem nulas, isto é, de que todo o aumento da procura tivesse de ser atendido com importações, o multiplicador seria 1, crescendo a renda global apenas no montante em que tivessem crescido as exportações. Neste caso não haveria nenhuma possibilidade de desequilíbrio, pois as importações induzidas seriam exatamente iguais ao aumento das exportações .




O DESEQUILÍBRIO EXTERNO E SUA PROPAGAÇÃO

No capítulo anterior se fez referência ao fato de que a baixa do coeficiente de importação havia sido obtida, nos anos trinta, à custa de um reajustamento profundo dos preços relativos . A alta da taxa cambial reduziu praticamente à metade o poder aquisitivo externo da moeda brasileira e, se bem houve flutuações durante o decênio nesse poder aquisitivo , a situação em 1938-1939 era praticamente idêntica à do ponto mais agudo da crise . Esta situação permitira um amplo barateamento relativo nas mercadorias de produção interna , e foi sobre a base desse novo nível de preços relativos que se processou o desenvolvimento industrial dos anos trinta .

Observamos também que a formação de um só mercado para produtores internos e importadores - conseqüência natural do desenvolvimento do setor ligado ao mercado interno - transformou a taxa cambial em um instrumento de enorme importância para todo o sistema econômico . Qualquer modificação , num sentido ou noutro, dessa taxa, acarretaria uma alteração no nível dos preços relativos dos produtos importados e produzidos no país , os quais concorriam em um pequeno mercado. Era perfeitamente óbvio que a eficiência do sistema econômico teria de prejudicar-se com os sobressaltos provocados pelas flutuações cambiais .






REAJUSTAMENTO DO COEFICIENTE DE IMPORTAÇÕES

Ao liberarem-se as importações no após-guerra e ao regularizar-se a oferta externa, o coeficiente de importações subiu bruscamente, alcançando em 1947, 15 por cento. Aos observadores do momento , esse crescimento relativo das importações pareceu refletir apenas a compressão da procura nos anos anteriores. Tratava-se, entretanto , de um fenômeno muito mais profundo. Ao estabelecer-se o nível de preços relativos de 1929, a população novamente pretendeu voltar ao nível relativo de gastos em produtos importados, que havia prevalecido naquela época. Ora, uma tal situação era incompatível com a capacidade para importar. Essa capacidade em 1947 era praticamente idêntica à de 1929, enquanto que a renda nacional havia aumentado em cerca de 50 por cento. Era, portanto, natural de que os desejos de importação manifestados pela população (consumidores e inversionistas) tendessem a superar em escala considerável as reais possibilidades de pagamento no exterior . Para corrigir esse desequilíbrio, as soluções que se apresentavam eram estas : desvalorizar substancialmente a moeda , ou introduzir uma série de controles seletivos das importações. A decisão de adotar a segunda dessas soluções teve profunda significação para o futuro imediato, se bem que foi tomada com aparente desconhecimento de seu verdadeiro alcance. Trata-se de uma relação que teve importância básica na intensificação do processo de industrialização do país .






OS DOIS LADOS DO PROCESSO INFLACIONÁRIO

As observações feitas anteriormente põem em evidência que a aceleração do ritmo de crescimento da economia brasileira no após-guerra está fundamentalmente ligada à política cambial e ao tipo de controle seletivo que se impôs às importações. Mantendo-se baixos os custos dos equipamentos importados enquanto se elevaram os preços internos das manufaturadas produzidas no país, é evidente que aumentava a eficácia marginal das inversões nas indústrias. Não se pode ignorar, entretanto, que um dos fatores que atuam nesse processo era a alta dos preços nas manufaturadas de produção interna . É este um ponto de grande interesse, que vale a pena analisar . Chamamos a atenção para o fato de que os capitais adicionais de que dispuseram os industriais para intensificar suas inversões não foram o fruto de uma simples redistribuição de renda e, portanto, não resultaram do processo inflacionário, isto é, da elevação dos preços. Esses capitais foram criados por assim dizer fora da economia , através do aumento geral de produtividade econômica que advinha da baixa relativa dos preços de importação. Atribuir à inflação um aumento de capitalização da magnitude do que teve lugar no Brasil entre 1948 e 1952 é uma simplificação grosseira do problema que em nada contribui para esclarecê-lo. A experiência de outros países latino-americanos , onde se tem lançado mão amplamente da inflação, demonstra que esse processo não é capaz, por si só, de aumentar a capitalização de forma persistente e efetiva. Contudo seria errôneo querer ignorar o papel que, no após-guerra, desempenhou no Brasil a elevação de preços .


PERSPECTIVA DOS PRÓXIMOS DECÊNIOS

Assim como a segunda metade do século XIX se caracteriza pela transformação de uma economia escravista de grandes plantações em um sistema econômico baseado no trabalho assalariado, a primeira metade do século XX está marcada pela progressiva emergência de um sistema cujo principal centro dinâmico é o mercado interno.

O desenvolvimento econômico não acarreta necessariamente redução da participação do comércio exterior no produto nacional. Nas primeiras etapas do desenvolvimento das regiões de escassa população e abundantes recursos naturais - conforme observamos ao comparar as experiências do Brasil e dos EUA na primeira metade do século XIX - uma rápida expansão do setor externo possibilita uma alta capitalização e abre o caminho à absorção do progresso técnico . Sem embargo, na medida em que uma economia se desenvolve, o papel que nela desempenha o comércio exterior se vai modificando. Na primeira etapa a indução externa constitui o fator dinâmico principal na determinação do nível da procura efetiva. Ao debilitar-se o estímulo externo, todo o sistema se contrai em um processo de atrofiamento. As reações ocorridas na etapa de contração não são suficientes, entretanto, para engendrar transformações estruturais cumulativas em sentido inverso. Se se prolonga a contração da procura externa, tem início um processo de desagregação e a conseqüente reversão a formas de economia de subsistência. Esse tipo de interdependência entre o estímulo externo e o desenvolvimento interno existiu plenamente na economia brasileira até a Primeira Guerra Mundial, e de forma atenuada até fins do terceiro decênio deste século .








Bibliografia

Formação Econômica do Brasil

Celso Furtado