20/05/2007

Wolfowitz e o Banco Mundial: um casamento condenado desde o início?

Wolfowitz e o Banco Mundial: um casamento condenado desde o início?

Steven R. Weisman
Em Washington

Paul Wolfowitz estava em atrito no Pentágono no início de 2005, frustrado em sua tentativa de se tornar o secretário da Defesa ou conselheiro de segurança nacional, enquanto a guerra no Iraque se deteriorava. Quando ficou vaga a presidência do Banco Mundial, ele aproveitou a oportunidade. Foi oferecida a ele uma "segunda chance" para redimir sua reputação e realizar suas ambições, disse um amigo.

Meses depois, outro amigo se encontrou com o novo presidente do banco e perguntou se estava apreciando o cargo. Wolfowitz deu vazão a uma torrente de queixas amargas sobre a burocracia do banco, dizendo que era a pior que já tinha visto - pior do que a do Pentágono.

Agora, enquanto amigos e críticos removem os escombros da carreira de Wolfowitz no banco, eles se perguntam se ela estava condenada desde o início.

Seus simpatizantes dizem que ele chegou ao banco, uma cidadela de liberalismo, após uma passagem de quatro anos no Pentágono, carregando o estigma do Iraque. Ele estava determinado a sacudir o status quo eliminando o que via como corrupção e desperdício e exigindo resultados mensuráveis dos muitos programas de ajuda do banco.

"A liderança do banco não gostou de Paul desafiando suas suposições", disse Robert Holland 3º, que representou o governo Bush no conselho diretor até o ano passado. "Todos estavam lá há muito tempo e estavam acostumados a promover os interesses uns dos outros e a coçarem as costas uns dos outros."

Mas outros acham que Wolfowitz, em busca de uma segunda chance após o Iraque, repetiu os mesmos erros que cometeu no Pentágono ao adotar uma posição inflexível em certos assuntos, se recusando a considerar pontos de vista alternativos e marginalizando os dissidentes.

"Wolfowitz incomodou as pessoas desde o início", disse Manish Bapna, diretor executivo do Bank Information Center, um grupo de monitoramento independente. "Seu estilo era visto como uma abordagem subjetiva para um fim específico, que era punir os inimigos e recompensar os amigos."

No Pentágono, Wolfowitz foi um dos primeiros defensores da guerra no Iraque, apenas poucos dias após o 11 de Setembro de 2001, e manteve sua defesa de mudança de regime no Iraque durante o ano seguinte. Seu período no Pentágono também foi caracterizado por brigas internas, especialmente com a Agência Central de Inteligência (CIA), que ele achava que tinha subestimado o Iraque como uma ameaça aos Estados Unidos. Ele entrou em choque com o general Eric Shinseki, o chefe do Estado-Maior do Exército, e outros que alertaram -corretamente, como ficou comprovado- que os Estados Unidos precisavam de mais forças no Iraque. Sua visão de uma democracia no mundo árabe também caiu por terra em Bagdá.

Apesar da aversão do governo a instituições multilaterais, muitos no Banco Mundial inicialmente esperavam que Wolfowitz - um intelectual neoconservador, ex-reitor acadêmico e embaixador na Indonésia - poderia ajudar a desenvolver um novo consenso com os liberais sobre formas mais eficazes de ajudar os países pobres.

Mas sua abordagem discreta, intelectual, aos assuntos escondia uma determinação em fazer com que as coisas fossem feitas ao seu modo, segundo funcionários do banco.

Estes relatos, dados enquanto Wolfowitz negocia os termos de sua saída, são de amigos e atuais e ex-colegas, tanto no Pentágono quanto no Banco Mundial, que permanecem em contato com ele.

Wolfowitz travou suas primeiras lutas antes mesmo de assumir o cargo, quando exigiu cláusulas em seu contrato que lhe permitiriam escrever um livro sobre o Iraque e aceitar cachês para discursos.

Quando eles foram rejeitados, ele se irritou com o assessor legal, Roberto Danino. Danino foi o primeiro membro do banco a sugerir a ele que Shaha Ali Riza, companheira de Wolfowitz e funcionária do banco, não poderia permanecer no banco porque ela estaria sob sua supervisão.

Documentos do banco recentemente divulgados mostram que Wolfowitz rejeitou o conselho de Danino sobre Riza e procurou diretamente o comitê de ética do conselho diretor em busca de um parecer diferente. Ele também se recusou a tratar de todos os demais assuntos com o assessor legal. Um associado disse que ele chamava Danino de "incompetente".

Danino, forçado a deixar o cargo no ano passado, disse a um repórter na época: "Ele presume que todo aquele que é contra ele é incompetente ou corrupto".

A batalha com Danino preparou o caminho para as batalhas com Ad Melkert, o chefe do comitê de ética do conselho diretor do banco, e Xavier Coll, o vice-presidente de recursos humanos, sobre a forma de lidar com o caso de Riza.

Coll testemunhou que Wolfowitz lhe disse para manter os termos do pacote salarial de Riza em segredo de Melkert e Danino. Wolfowitz contestou sua alegação.

No início de 2006, segundo um memorando de Coll, o presidente do banco lhe dirigiu muitas imprecações, acusando que seus inimigos estavam vazando detalhes do salário de Riza para a imprensa. Os desacordos sobre a forma de lidar com o salário, promoção e transferência de sua companheira poderiam ter se tornado irrelevantes caso Wolfowitz não tivesse travado outras batalhas com os integrantes do banco, disseram muitos deles.

Wolfowitz também irritou as pessoas ao trazer dois assessores do governo Bush, Robin Cleveland e Kevin Kellems, e usá-los não apenas como assessores, mas como gerentes que emitiam diretivas para altos funcionários.

Entre aqueles que com quem entrou em choque estava Christiaan Poortman, uma vice-presidente para o Oriente Médio, em torno da exigência de Wolfowitz de que o banco estabelecesse uma maior presença no Iraque. Poortman, ao ser transferida para o Cazaquistão, preferiu pedir demissão.

Gobind Nankani, um vice-presidente para a África, também deixou o cargo após disputas com Wolfowitz sobre o tamanho de seu quadro de funcionários, segundo vários funcionários do banco.

Outro alto funcionário que partiu foi Shengman Zhang, o diretor abaixo de James Wolfensohn, o antecessor de Wolfowitz. Este acusou que era hipocrisia os diretores do banco permitirem que a esposa de Zhang trabalhasse no banco mas não Riza. Zhang, atualmente vice-presidente sênior do Citigroup em Hong Kong, ficou furioso, disseram vários associados, porque as regras do banco permitem que maridos e esposas trabalhem lá sob certas condições, que Zhang disse seguir, mas proíbem funcionários do banco de manterem um relacionamento sexual extraconjugal com um alto diretor.

"O que Paul não entendeu é que a presidência do Banco Mundial não é um cargo inerentemente poderoso", disse um alto funcionário do governo Bush, falando anonimamente para poder ser mais franco. "Um presidente de banco só é bem-sucedido se puder formar alianças com os muitos feudos do banco. Wolfowitz não se aliou a estes feudos. Ele os alienou."

Tradução: George El Khouri Andolfato

China fecha acordo para extrair gás natural em região do Irã

20/05/2007 - 15h36
China fecha acordo para extrair gás natural em região do Irã

Pequim, 20 mai (EFE).- A China e o Irã fecharam este fim de semana um acordo que permitirá a uma companhia chinesa extrair gás natural da jazida de Pars Norte.

As negociações entre a iraniana Pars Oil and Gas Company (PGOC) e a chinesa CNOOC foram concluídas, e o acordo oficial será assinado no próximo dia 31 de agosto, asseguraram fontes próximas às negociações.

A CNOOC, uma das maiores petrolíferas da China, poderá extrair gás natural da jazida de Pars Norte. A hispano-argentina Repsol-YPF negocia um acordo similar, que lhe permitirá ter acesso à jazida de Pars Sul.

Segundo os acordos preliminares, a CNOOC espera produzir 20 milhões de toneladas anuais de gás natural liquidificado com sua operação em Pars Norte, que tem reservas verificadas de 2,2 trilhões de metros cúbicos de gás natural.

As duas jazidas de Pars se encontram nas águas do Golfo Pérsico, a uma distância de 85 quilômetros uma da outra.

A Repsol YPF e a anglo-holandesa Royal Dutch Shell assinaram no início deste ano um acordo preliminar para operar em Pars Sul, mas a companhia reconheceu que o negócio ainda não é definitivo, e a decisão final não será tomada antes de um ano.

Isso depende do Governo dos EUA, que estuda o acordo para determinar se está ajustado ou não às leis norte-americanas, já que estas contemplam sanções em determinados casos contra firmas que investam no setor energético iraniano.

Reflexões sobre a derrota da esquerda na eleição francesa

Reflexões sobre a derrota da esquerda na eleição francesa
Interesse pela democracia participativa descambou para populismo midiático, mais preocupado com a aparência e o sucesso do que com discurso de "verdade"

Lucas Dolega -06.mai.2007/Efe
Eleitores da socialista Ségolène Royal, lamentam o resultado logo após o anúncio da vitória do conservador Nicolas Sarkozy


RUY FAUSTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em artigo anterior, comentei o significado da campanha do candidato vitorioso, Nicolas Sarkozy, e também a do centrista François Bayrou. Neste texto, trato principalmente, embora não só, do percurso da esquerda. Ségolène Royal teve certos méritos, entre os quais, uma abertura às propostas do centro (entre os dois turnos) e um final de campanha descontraído; mas em conjunto decepcionou. Faltou equilíbrio ao aggiornamento da esquerda que ela promoveu (por exemplo, ela propôs enquadramento militar para os menores delinqüentes).
Porém, mais grave do que isso foi a falta de rigor. O que era interesse pela "democracia participativa" acabou descambando, em grande parte, num populismo midiático, mais preocupado com a aparência e o sucesso do que com um discurso de "verdade". O que funcionou mal. Pois se há efetivamente um processo profundo de deterioração da opinião pública, este não eliminou certa exigência de racionalidade ou, pelo menos, de alguma coerência e precisão, na apresentação dos projetos.
(Objetar-se-á que parte da opinião pública acreditou nas mentiras de Sarkozy. Mas estas se fundavam numa ideologia que tem 150 anos e é, a seu modo, "bem articulada" .)

Rigor perdido
Essa deriva viria de dificuldades pessoais da candidata, do seu estilo mais profundo, ou do próprio Partido Socialista? Um pouco de tudo isso. Mesmo se no PS há quem não mereça essa crítica, pode-se dizer que o partido perdeu o pé em termos de uma fundação mais rigorosa das suas posições.
Se a liquidação do que restava das ilusões revolucionárias (incluindo certas hesitações diante dos totalitarismos) representou um progresso muito importante, ela veio junto -infelizmente- com um abandono de todo esforço de reflexão teórica. Um bom exemplo disso foi o qüiproquó entre a esquerda e a direita, a propósito do "valor trabalho". Não sei quem inventou essa bandeira ambígua, incluída no programa da candidata, de resto um bom programa.
O adversário não recusou a bandeira, mas se apropriou dela, acusando ainda por cima a esquerda de ter traído esse ideal com a semana de 35 horas. Ora, seria preciso desmistificar o discurso sarkozista, observando que o candidato jogou com duas significações do termo "trabalho". De fato, "trabalho" se usa no sentido de "trabalhadores", em oposição a "capital" (indicando os capitalistas ou seus representantes).
Mas significa também o tempo ou a duração do trabalho. Ora, se a esquerda sempre defendeu o trabalho no primeiro sentido, ela jamais foi "favorável" a ele no segundo, isto é, nunca pregou a maximização do tempo de trabalho. Sendo assim, a lei das 35 horas não tem nada de "traição". Ora, não só a candidata e seu comando foram incapazes de desmontar esse sofisma sarkozista, mas, fato impressionante: nenhum intelectual foi capaz de fazê-lo.
O discurso de Sarkozy, que se apresenta como novíssimo, é, nos seus fundamentos (ou ausência de fundamentos) o discurso da chamada "economia vulgar" de meados do século 19. Seu mote é mais ou menos o seguinte: "Sem dúvida, defendo a riqueza; mas como a riqueza vem do trabalho, eu sou o candidato do trabalho". O argumento pega porque corresponde ao ar do tempo, além do que, soa como se fosse de esquerda. Mas que haja ao mesmo tempo uma descontinuidade entre riqueza e trabalho ou, dito de outro modo, que, se a riqueza vem do trabalho, ela em geral não vem do trabalho próprio, isso Sarkozy não poderia dizer.
Só que a esquerda também não disse, pelo menos com suficiente clareza, o que -montado o imbróglio -lhe custou caro em termos de hegemonia. Apenas eleito, Sarkozy fez um cruzeiro no iate de um milionário das suas relações. Agora, montou um governo que inclui personalidades de esquerda, o que não deve mudar muito as coisas.

Ségolène 2012
Ségolène prepara desde já sua investidura para as eleições de 2012, contra a vontade dos "elefantes" do PS. Estes foram acusados de jogar perde-ganha durante a campanha, o que, em parte, é verdade. Mas a atitude da candidata em relação a eles foi, também, muito dura.
Antes de saber se o PS tem de ir mais à direita ou mais ao centro, eu diria que ele precisa de mais verdade, isto é, de um discurso rigoroso, estranho ao "populismo da mídia". Este último (como, de outro modo, o "totalitarismo") é um fator negativo determinante, que não elimina a diferença entre esquerda e direita, mas a complica. Há que articular rigor teórico com flexibilidade tática.
O PS deve ir mais à esquerda precisamente no sentido de que se impõe um discurso mais "radical", que não oculte os fundamentos; mas ao mesmo tempo, ele tem de se abrir para o centro, porque, o enfraquecimento da extrema-esquerda exige um leque mais amplo de alianças.
No plano do programa, também seria necessário inovar em várias direções: por exemplo, a questão dos regimes especiais de aposentadoria, ou o da necessidade de ouvir os usuários na deflagração das greves dos transportes, mesmo sendo temas que a direita hiperboliza e explora, são problemas reais a discutir.
No outro extremo, seria importante não esquecer da economia solidária, em particular das cooperativas, assunto sobre o qual, salvo engano, o projeto socialista fez silêncio. A deriva populista midiática de parte do PS, mais a luta implacável entre as diversas alas internas, o imobilismo dogmático da extrema esquerda, o sucesso da aliança do "Loft Story" com o grande capital, que representa o sarkozismo, e cuja vitória teve como base tanto o engano como a perversão dos espíritos, não são augúrios muito favoráveis.
Mas se a vitória da direita foi nítida, ela não foi esmagadora. A esquerda francesa não pode desperdiçar os seus 17 milhões de eleitores.



--------------------------------------------------------------------------------
RUY FAUSTO é filósofo, professor emérito da USP e vive a maior parte do ano na França

"Política externa dos EUA pode ser terceirizada"

"Política externa dos EUA pode ser terceirizada"
Opinião é de autor de estudo sobre mercenários, inspirado por colega

Indústria movimenta hoje cerca de US$ 100 bilhões no mundo, segundo Bicanic; mudanças tiram restrições das regras de combate

DE WASHINGTON

Além de "Blackwater", o livro, e da série de audiências em diferentes comissões do Congresso, várias obras recentes tratam do fenômeno dos "soldados privados", uma indústria que existe há tempos mas multiplicou-se com os conflitos do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003) e hoje movimenta US$ 100 bilhões no mundo.
Quem faz a conta é o documentarista Nick Bicanic, autor de "Shadow Company" (A companhia fantasma). Inédito no Brasil, o filme parte da história de James, colega do diretor na Universidade de Cambridge que virou mercenário no Iraque, para examinar o tema.
Com a proliferação de mercenários, disse Bicanic à Folha por telefone, "a política externa dos EUA pode ser terceirizada". Leia os principais tópicos de sua entrevista: (SÉRGIO DÁVILA)






Número de soldados
"Quando começamos a pesquisar o tema, não sabíamos qual a extensão da indústria nem a importância que ela tinha na Guerra do Iraque. Nos meses após a queda de Saddam Hussein [abril de 2003], os documentos colocam os números perto de 20 mil pessoas. Agora, superam 100 mil. É um número imenso de civis -e armados- em uma zona de guerra. Mesmo 20 mil é um numero inédito em guerras contemporâneas."

Exército dependente
"A investigação acabou sendo sobre como as regras da guerra mudaram e o que isso significará para conflitos futuros. Se o Exército americano não consegue mais lutar sem "soldados privados", o que isso significa para a política externa, por exemplo? Quem a desenha, o governo ou as empresas?"

Perigos
"Quando há um número grande de indivíduos trabalhando numa zona de guerra, a motivação não será sempre a mesma da missão como um todo. Ou seja, a missão dos soldados, seja qual for, não é necessariamente a mesma da empresa. Se temos essencialmente dois grupos armados, e um deles tem um compromisso totalmente diferente do outro em relação à missão, há problema."

"Terceirização"
"A longo prazo, é muito mais sério. O que estamos vendo no Iraque, além do ocasional superfaturamento ou do manejo errado de armas por civis, são problemas pequenos em comparação ao que pode ocorrer. Que é a política externa ser terceirizada. No momento, há um sistema de freios e contrapesos no governo americano, que quer dizer que o presidente não pode apenas decidir ir à guerra, ele tem de passar por uma série de etapas no governo, no Legislativo, para que isso aconteça.
Se você permitir que empresas privadas tenham um papel cada vez mais importante na política externa, incluindo-as em aspectos importantes da guerra, isso levantará questões importantes. A quem eles respondem, quem toma decisões, quem é o responsável final?"

"Autobiografia" de Stuart Mill

Tempos difíceis
"Autobiografia" de Stuart Mill mostra a rígida formação por que passou um dos principais intelectuais britânicos do século 19

VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA

No seu ensaio de pedagogia natural em forma de romance psicológico, o "Emílio", Rousseau recomenda que o educador deve fazer o possível para não estragar o ser naturalmente bom que é uma criança. Em particular, não deve forçar seu desenvolvimento intelectual e moral precoce. Até os 12 anos, o essencial seria educar sentidos, sentimentos e corpo.
John Stuart Mill (1820-1873), economista, filósofo e maior intelectual público de meados do século 19 britânico, foi posto a aprender grego aos três anos de idade. Aos oito, havia lido Heródoto, Xenofonte, diálogos de Platão e começava a "Ilíada", entre outros.
Dos 8 aos 12, aprendeu a fundo álgebra, mas "apenas superficialmente" o cálculo, enquanto lia poetas latinos e o teatro grego clássico. Aos 13, teve um curso completo de economia -o livro-texto era o de David Ricardo, íntimo de seu pai, e mais "fundador" da economia que Adam Smith.
Rousseau era mau-caráter e abandonou com frieza repulsiva e cruel os próprios filhos, mas um pouco de "Emílio" talvez amenizasse as agruras da juventude de Mill, tanto oprimida como privilegiada pelo esforço obsessivo de seu pai em educá-lo de forma perfeita.
A "Autobiografia", no que tem de mais interessante e essencial, é um ensaio-memória sobre uma formação, uma "paidéia" pessoal. Ou um "Emílio" virado de cabeça para baixo mesclado a uma espécie de "Carta ao Pai" kafkiana, permeado de queixas respeitosas, mas melancólicas e amarguradas, sobre o rigor excessivo e à incapacidade do pai de oferecer-lhe uma educação sentimental e prática.
Mill era depressivo, embora assuma apenas a grande crise dos 20 anos.
Não teve amigos infantis. Foi livrado da "influência corruptora" de outras crianças, "dos modos vulgares de pensar e sentir" e dos "efeitos desmoralizadores da vida escolar".
No entanto, como diria o pavoroso jargão do pedagogismo marxóide de hoje, o pai de Mill pugnava para que o filho "fosse sujeito crítico da construção do próprio conhecimento".
Submetia o garoto a um misto de método socrático e ensino precoce de lógica e exigia autonomia intelectual.

Puritanos progressistas
Além da formação extensiva, que combinava clássicos e o melhor da filosofia e do pensamento contemporâneos, Mill foi criado em um ambiente intelectual de puritanos progressistas.
Além da secura emocional, os melhores de tal tradição compartilhavam um compromisso forte com a honestidade intelectual e com idéias então avançadas (embora muito à inglesa) de verdade, espírito cívico, justiça e liberalismo radical.
O pai de Mill ocupou o segundo cargo mais importante da Companhia das Índias Ocidentais (como seu filho o faria).
De origem modesta, obteve uma bolsa para formar-se pastor na Universidade de Edimburgo, mas era ateu, como o filho.
Eram íntimos de Jeremy Bentham, o filósofo para quem toda política pública deve ter como fim "a maior felicidade para a maior quantidade possível de pessoas". Bentham e os Mill foram publicistas "radicais", adeptos do sufrágio universal, do voto feminino e do fim dos privilégios aristocráticos desde os anos 1810-20.
Dessa linhagem seriam, por exemplo, os intelectuais de alta classe média que fundaram a Sociedade Fabiana, uma vertente do reformismo social inglês que participaria da criação do trabalhismo e fundaria a London School of Economics, entre o final do 19 e o começo do 20.
Mill escreveu o "Sistema de Lógica", e suas reflexões sobre causalidade e indução ainda são objeto de estudo de qualquer aluno de lógica. Escreveu "Princípios de Economia Política" (1848), livro que dominou o ensino inglês da disciplina por quase 50 anos. Trabalhou na Companhia das Índias até sua extinção e depois foi membro da Câmara dos Comuns.
Mill era um democrata radical (mas malthusiano). Chegou a namorar o socialismo e se entusiasmou com as revoluções de 1848 na Europa. Adepto da autonomia das "colônias européias", era porém um patriota imperialista moderado.
Nos anos 1857-58, quando corria a primeira guerra da Independência indiana, Mill escrevia um ensaio sobre a liberdade; não comenta na "Autobiografia" a revolta indiana ou a bárbara opressão britânica.
Não há sexo no livro. Mill esperou a amada por mais de 20 anos, até que ela fosse viúva.

15/05/2007

Six Part Talk - China, Coréia do Sul, EUA, Japão e Rússia.

Novo Acordo, História Antiga

02/04/2007 - 08h55 Leonardo Neves

Fonte: www.inforel.org

No dia 12 de fevereiro de 2007 a iniciativa, chamada Six Part Talk, finalmente logrou êxito e findou em um acordo.

Iniciada em 2005, essa nova tentativa de estabelecer um acordo com a Coréia do Norte reuniu mais cinco países nas mesas de negociação: China, Coréia do Sul, EUA, Japão e Rússia.

O principal objetivo dessas reuniões era a volta do Estado norte-coreano ao TNP e o desmantelamento do seu programa nuclear.

A última rodada de negociações do Six Part Talk aconteceu em Pequim sob bastante pressão da comunidade internacional, em função do primeiro teste nuclear realizado pela Coréia do Norte.

O teste ocorreu em outubro de 2006, chocando a comunidade internacional e foi interpretado de diversas formas. Para uns o teste foi uma afronta da Coréia do Norte ante aos EUA e seus aliados (principalmente Japão e Coréia do Sul), para outros foi uma tentativa desesperada do líder norte-coreano em acelerar as negociações que estavam paralisadas em um impasse com os EUA em razão do congelamento de movimentações financeiras em Macau.

Independente da motivação de Kim Jong-il (líder norte coreano), a rodada de Pequim foi marcada por ansiedade e longas reuniões, chegando ao acordo apenas no último dia do encontro.

O acordo prevê, por parte da Coréia do Norte, o desligamento do reator de Yonbyon dentro de 60 dias, permitindo inspeção internacional em suas instalações e a promessa de reavaliar todo o seu programa nuclear.

Em troca, o regime de Pyongyang receberia 50.000 toneladas de combustível anuais ou ajuda econômica no mesmo valor.

Essa quantidade pode ser aumentada para 1 milhão de toneladas para um eventual desmantelamento completo e permanente de seu programa nuclear.

Ainda, uma vez fechado o acordo os EUA prometeram reiniciar diálogo com a Coréia do Norte para gradualmente baixar as sanções contra o país e eventualmente retirar o país da lista de Estados terroristas do Departamento de Estado.

Japão e Coréia do Sul também já acenaram para a possibilidade de discutir a normalização das relações diplomáticas entre os países.

Mal o acordo havia sido formalizado, ele já dividia as opiniões. Enquanto os negociadores das partes envolvidas comemoravam o êxito de ter dado o primeiro passo para um acordo mais amplo que visa a desnuclearização da península coreana, importantes personalidades, como o ex-embaixador americano na ONU John Bolton, repudiavam o acordo.

Segundo Bolton a Coréia do Norte não deveria ser “premiada” com milhares de toneladas de combustível por “apenas” desmantelar parte de seu programa nuclear, o acordo, portanto, estaria mandando uma mensagem de condescendência com os possíveis Estados proliferadores pelo mundo.

Ainda na linha das críticas o vice-presidente norte-americano Dick Cheney disse em Sydney, que o pacto representa um primeiro passo para um futuro melhor, contudo ele acredita que após os testes de mísseis balísticos no mar do Japão, o teste atômico de dezembro de 2006 e os contínuos abusos dos direitos humanos, a Coréia do norte teria muito ainda que provar.

O ponto de Dick Cheney de fato procede, pois há pouco mais de uma década, em 1994, uma iniciativa tomada pelo ex-presidente Bill Clinton fracassou, quando ambas as partes deixaram de cumprir obrigações acordadas.

O Agreed Framework between the United States of America and the Democratic People's Republic of Korea, foi assinado em 21 de outubro de 1994 entre os EUA e a Coréia do Norte. O convênio previa:

1) a substituição de dois reatores de grafite moderado, que poderia produzir facilmente urânio enriquecido para artefatos nucleares, por outros dois reatores de água leve, que utiliza água normal e não a água pesada necessária para produzir urânio enriquecido, a serem construídos até 2003;

2) cessão de carregamentos de combustível para aquecimento e eletricidade;

3) seriam mantidas inspeções rotineiras por parte da AIEA em instalações norte-coreanas;

4) o compromisso da Coréia do Norte em permanecer no TNP;

5) e, finalmente, o compromisso de que a Coréia do Norte iniciaria movimentos para desnuclearizar a península.

Contudo, o acordo acabou fracassando em virtude da falha das duas partes. Enquanto os EUA tinham dificuldades de manter sua parte da barganha , fornecendo combustível e financiando a construção dos reatores de água leve, aparentemente a Coréia do Norte seguiu produzindo urânio enriquecido e mantendo seu programa nuclear.

Com o resultado desse fracasso, a ajuda em combustível cessou em dezembro de 2002, em retaliação a Coréia do Norte saiu do TNP em janeiro de 2003 e logo depois em fevereiro anunciou que havia obtido sucesso em manufaturar um artefato nuclear. Para dar conta dessa escalada de reações foi iniciada a iniciativa Six Part Talk.

Mais uma vez um acordo é firmado. A questão agora é esperar para ver se as partes envolvidas conseguirão (se empenharão) para honrar seus compromissos e, por conseguinte conseguirão dar passos para alcançar a tão almejada paz na península coreana.

Leonardo Neves é mestrando em Ciência Política no IUPERJ e Pesquisador do Grupo de Análise e Prevenção de Conflitos Internacionais GAPCon/CEAs - UCAM

Bento XVI no Brasil - Vaticano mantém 179 missões diplomáticas

Diplomacia & Negócios: Bento XVI no Brasil 14/05/2007 - 09h11 Luciano Zequinão

Para um poder ou autoridade que chegou a dominar a mentalidade do mundo medieval e ser detentora de grandes posses, merecendo a denominação de “potência da época” – hegemônica ou não –, a Igreja Católica pode parecer fraca em tempos atuais: o Estado da Cidade do Vaticano, com menos de meio quilômetro quadrado, e com pouco mais de mil habitantes, é a atual representação da Igreja Católica no mundo. Entretanto, mediante olhar mais acurado, nota-se que tal proposição é nitidamente infundada.

As terras ocupadas hoje pelo Vaticano foram doadas para a Igreja Católica em meados do século VIII por Pepino, o Breve, rei dos francos. Começam então os Estados Papais, representações do poder católico durante o medievo. Apesar da influência e poder, os então chamados Estados Pontifícios começaram a ruir frente à unificação italiana, e Itália e Igreja permaneceram em conflitos até o tratado de Latrão, em1929.

Por meio dele, o Vaticano passou a ser reconhecido como Estado – com todos seus requisitos: soberania sobre um determinado território e sobre uma determinada população –, fixando o caráter internacional da Santa Sé, que é reconhecida perante a legislação internacional e mantém relações diplomáticas com outros Estados.

Junto ao status internacional, a Igreja também ganhou com o Tratado de Latrão uma indenização de 750 milhões de liras pela perda dos Estados Papais, mais 5% dos títulos consolidados do governo italiano, o equivalente a 500 milhões de dólares atuais.

Para administrar essa quantia, foi criada uma “seção especial”, hoje chamada de Administração do Patrimônio da Santa Sé Apostólica, cujas gestões chegaram a alcançar um patrimônio estimado em 700 milhões de euros em 2002.

A vigilância do Vaticano está confiada ao Corpo de Vigilância, composto por uma centena de efetivos. Além disso, dispõe da Guarda Suíça, único corpo militar que existe no Vaticano, integrado também por uma centena de membros cuja função é, entre outras, defender o papa e controlar os portões que dão acesso à Cidade do Vaticano.

Internamente, a gestão do Vaticano é complexa como todo aparato administrativo estatal. Ao sumo pontífice cabem os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. A estrutura jurídica segue o Código de Direito Canônico, promulgado pelo papa Bento XV no início do século 20.

Nesse código há uma realidade mista que abrange os aspectos jurídicos, políticos e religiosos fundamentados num sistema jurídico positivo, regulando as relações entre os fiéis e a Igreja. Já sua estrutura administrativa é dividida na Cúria Romana e no Episcopado, que trata de assuntos pastorais.

A Cúria é a burocracia administrativa da Igreja em Roma, bastante hierarquizada, responsável pelo funcionamento cotidiano da sua imensa estrutura organizacional. Ela é composta por dicastérios (departamentos) encabeçados por um prefeito (normalmente um cardeal).

Dentro da Secretaria de Estado, um dos dicastérios, operam os núncios, formadores do corpo legal que conduz as relações diplomáticas para a Cidade do Vaticano.

Diplomacia

O núncio papal, também conhecido como núncio apostólico, é o representante diplomático permanente da Santa Sé junto aos Estados, com status de embaixador. Os internúncios situam-se hierarquicamente abaixo dos núncios, com o status de enviado ou ministro, enquanto o legate a latere é um representante temporário do papa para um propósito especial.

O pró-núncio é o representante diplomático que não possui status pleno de embaixador, mas representa a natureza da relação diplomática entre a Santa Sé e o Estado para o qual foi delegado. Até recentemente, o pró-núncio serviu como o representante papal nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Ambos os Estados incrementaram suas relações com o Vaticano no final do século 20 para que os pró-núncios gozassem do nível de embaixadores plenos (full ambassador). A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas prevê que “Exceto pelo que concerne à precedência e à etiqueta, não deverá haver diferenciações entre os chefes de missões por razões de suas classes” [artigo 14(2)].

Alguns Estados dão precedência especial para representantes da Santa Sé, o que lhes é permitido pela Convenção: “Este artigo é destituído de prejuízo para qualquer prática aceita pelo Estado destinatário no que concerne a precedência do representante da Santa Sé” [artigo 16(3)].

Por meio dos núncios, a Santa Sé mantém relações diplomáticas formais com 166 nações; 69 delas mantêm missões diplomáticas residentes permanentes acreditadas à Santa Sé em Roma. As outras têm missões localizadas fora da Itália, acreditadas duplamente.

O Vaticano mantém 179 missões diplomáticas permanentes no exterior e é especialmente ativo junto a inúmeras organizações internacionais, possuindo status de observador permanente nas Nações Unidas e algumas de suas subdivisões, como Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma, e a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em Paris.

Também possui um membro delegado na Agência Internacional de Energia Atômica e na Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial. Mantém observadores permanentes na Organização dos Estados Americanos, em Washington, DC e no Conselho da Europa.

Além disso, a Santa Sé sustenta relações diplomáticas com a União Européia em Bruxelas; em 1997 tornou-se membro da Organização Mundial do Comércio (OMC). A Santa Sé também é um Estado participante na Organização para Segurança e Cooperação na Europa; e é o único Estado europeu que ainda reconhece a República da China ao invés da República Popular da China, mantendo relações oficiais com aquela desde 1942.

Luciano Zequinão é acadêmico de direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Texto publicado originalmente na revista Diplomacia & Negócios (www.diplomaciaenegocios.com.br), parceira do InfoRel.

14/05/2007

Centro Celso Furtado - Desenvolvimento e Subdesenvolvimento

Desenvolvimento e Subdesenvolvimento
Celso Furtado

Constitui marco obrigatório na bibliografia sobre a Teoria do Desenvolvimento Econômico, foi também traduzido para o inglês, francês, espanhol, italiano e persa.

Celso Furtado á época do lançamento do Livro

Presidente do Grupo de Estudos CEPAL/BNDE (1953-55); que produziu os
subsídios para o famoso Plano de Metas do Governo de Juscelino Kubitscheck

Diretor do BNDE (1958-59);

. Idealizador e primeiro Superintendente da SUDENE (1960-64);

Um dos primeiros construtores da Teoria do Desenvolvimento Econômico e, é preciso frisar, em especial, a do Subdesenvolvimento.

Foi precursor, entre nós, da explicitação do sentido amplo que significa o Processo de Industrialização, como um processo de transformação geral na sociedade - não restrito às atividades propriamente industriais - tanto nos seus aspectos produtivos e técnicos, como também nos políticos, sociais e culturais.

Seu resgate do conceito de excedente social fê-lo entender o desenvolvimento
econômico, não como um processo de expansão quantitativa da economia, mas sim, principalmente, como um processo de transformação qualitativa da sociedade, de desenvolvimento das chamadas forças produtivas.

Por outro lado, nos ensinou, de forma inequívoca, que o subdesenvolvimento não constitui uma "etapa" e sim um processo originado pela penetração capitalista em áreas atrasadas e pré capitalistas.

Capitulo 4
Elementos de uma teoria do Subdesenvolvimento

- O Modelo Clássico do Desenvolvimento Industrial

Com o propósito limitado de “mostrar a natureza das variáveis não-econômicas que determinam, em ultima estância a taxa de crescimento da produção de uma economia” ou seja a partir de uma estrutura econômica poderia se constituir seus processos fundamentais, podendo assim identificar as variáveis que correspondem no ritmo do crescimento e por sua intensidade. Tal linha de pensamento tem servido de base para os inúmeros modelos de desenvolvimento que figuram na bibliografia corrente Entretanto, não devemos limitar a teoria do desenvolvimento a uma experiência historia limitada. A Revolução Industrial, constitui-se por um fenômeno autônomo, e a provocar uma ruptura na economia mundial da época, representou uma mudança de natureza qualitativa ao mesmo titulo da descoberta do fogo, roda e método experimental.
No período anterior a Revolução Industrial, o desenvolvimento econômico era basicamente um processo de aglutinação de pequenas unidades econômicas e de divisão geográfica do trabalho, com a figura do agente econômico do desenvolvimento, criando formas mais complexas de divisão do trabalho e possibilitando a espansão geográfica.
A articulação nos grupos dirigentes da fase comercial e os responsáveis pelas fases produtivas era reduzida ou nula, com baixa eficiência na acumulação dos lucros nas mãos dos comerciantes em relação ao desempenho das técnicas de produção. Este, vislumbrava somente os atos de abertura de novas frentes de trabalho, ou financiar a destruição dos concorrentes e os métodos somente em casos especiais chegavam a importuná-los.
A configuração do núcleo da economia industrial no séc XVIII , baseada em características de transformações rápidas e radicais para a época , transformações estas com concentradas nos fatores do crescimento com efeitos endógenos ao sistema econômico,como também o avanço tecnológico traduzindo em articulação do processo tecnológico de formação do capital com o avanço da ciência experimental .
O Dinamismo da Revolução Industrial, em sua primeira etapa, atuava pelo lado da oferta, concentrando-se a atenção do empresário em reduzir custos, e a partir deste ponto que começam a se constituir as técnicas de produção como o ponto crucial de todo o sistema econômico, criando assim uma articulação intima que constituirá o maior fator da civilização contemporânea. Vivendo-se assim uma economia baseada na oferta traduzida numa firme baixa dos preços de certo numero de mercadorias de consumo geral, destruindo assim a velha estrutura econômica de base artesanal.
Superada a primeira etapa do desenvolvimento, com a dissolução das velhas estruturas econômicas, passam a tomar forma os fatores dinâmicos da economia industrial desenvolvendo ambos os lados, oferta e procura, concentrando os esforços em elevar a produtividade física nas industrias de bens de consumo, ou seja, toda vez que ocorria uma redução de custos nas industrias de bens de consumo e conseqüentemente um aumento de lucratividade nesse setor, desencadeou uma procura que determina um aumento da pressão por procura no setor de bens de capital. Esse aumento relativo da procura de bens de capital acarretava aceleração do crescimento.
Com a absorção do sistema pré-capitalista, o salário de um operário não especializado era basicamente um salário de sobrevivência e com a desarticulação do artesanato e o aumento da oferta de mão de obra nas zonas urbanas, favoreceu uma baixa dos salários, portanto, este sistema processava em condições de oferta de mão de obra totalmente elástica a um nível de salário real constante . e como estes estavam baseados em termos de alimentos, se não houvesse esta baixa de preços não seria possível eliminar a produção artesanal.
As inovações tecnológicas se afigurariam tanto mais econômicas quanto maior fosse a redução do custo unitário que elas permitissem, mediante o aumento da produção por unidade de capital aplicado no processo produtivo.
Com uma oferta elástica de mão de obra , o principal fator determinante do ritmo do crescimento econômico é a capacidade produtiva da industria de bens de capital, e sua participação na produção global, reflete a forma de distribuição da renda. A oferta total de bens e serviços de consumo é determinada pelo seu próprio nível de produção se analisarmos em termos de uma economia fechada.

Como a produção de bens de consumo e a de bens de capital são complementares torna-se claro que o aumento de uma implica se na redução relativa da outra, isto é ao transferirem-se trabalhadores de um setor para o outro, reduz-se a oferta de bens de consumo ao passo que sua procura não se altera.
Uma redução da produção de bens de consumo fará o salário médio real reduzir-se também e que um aumento da produção de bens de capital resultara num aumento dos lucros

A primeira fase do desenvolvimento industrial caracterizou-se pelo aumento da industria de bens de capital, sobretudo equipamentos acompanhada de alterações na distribuição da renda crescendo a massa total dos lucros com mais intensidade que a folha dos salários. Tal fase se concluiu com a absorção da economia pré-capitalista e do excedente estrutural de mão de obra
Para absorver o grande e crescente volume de bens de capital era necessário transferir mão de obra desse setor para o de bens de consumo ocasionando uma relativa redução da produção de bens de capital com redistribuição das renda a favor dos grupos assalariados. Levando a uma redução no ritmo de crescimento e uma baixa da taxa de lucros.
A segunda fase do desenvolvimento das economias industriais é caracterizado por a oferta de mão de obra se tornar pouco elástica, baseada em um desequilíbrio fundamental entre a capacidade de produção de bens de capital e a possibilidade de absorção dos mesmos.[
A oferta de capital tende a crescer mais rapidamente que a do fator trabalho ,criando pressão no sentido da redistribuição da renda a favor dos trabalhadores

Esta redistribuição teria efeitos desastrosos, desencadeando reduzindo o volume de inversões, desempregos temporários e redução do ritmo do crescimento econômico O ponto crucial estava na inelasticidade da oferta de mão de obra . Um excesso estrutural da oferta no setor de bens de capital tende a refletir-se em redução dos custos da inversão no setor de bens de consumo, onde são utilizados os equipamentos, e na medida em que os equipamentos mais baratos vão penetrando as industrias de bens de consumo, a rentabilidade deste setor tende a aumentar
O forte avanço relativo da tecnologia nas industrias de bens de capital permitiu concilicar a forma de distribuição da renda, que cristalizara no período de absorção da economia pré capitalista e participação das industrias de bens de capital com oferta de mão de obra pouco elástica.
A tecnologia foi orientada no sentido de permitir combinações de fatores em que entravam quantidades crescentes de capital por homem ocupado, tinham preferência as que permitiam aumento da produtividade física do trabalho, mas não permitiam reduzir a procura do fator mão de obra

11/05/2007

Os 50 anos dos Tratados de Roma

Por toda a União Europeia, celebraram-se os 50 anos da assinatura dos Tratados de Roma, que, em 25 de Março de 1957, criaram a Comunidade Económica Europeia (a actual CE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA). Em vinte séculos de vicissitudes permanentes à procura de uma paz duradoura para a Europa, 50 anos pode não parecer muito tempo, mas o que é um facto inegável é que nestes já mais de cinquenta anos de integração europeia (se tivermos em conta o nascimento da primeira Comunidade Europeia, a CECA, em 1951) tem existido uma paz duradoura nos Estados-membros que fazem parte da UE e que no passado foram protagonistas de importantes conflitos. Mas mais do que reconhecer a importância de todos os sucessos alcançados pela UE, como a paz, a liberdade, a democracia, o progresso económico, o euro, os sucessivos alargamentos, e de reflectir sobre todo o caminho percorrido ao longo destes anos de integração europeia, importa olhar para o futuro. E o futuro exige a reforma institucional da UE. Pelo menos aquela acordada pelos Estados-membros em 2004 e que foi posta em causa pelos referendos negativos dos franceses e holandeses, em finais de Maio e início de Junho de 2005.
O Tratado Constitucional, preservando o acervo de cinquenta anos de integração europeia, dava resposta à necessidade de simplificação do sistema para os cidadãos, mas sobretudo introduzia disposições institucionais que permitiam decidir melhor e agir de forma mais eficaz. Não esqueçamos que a actual arquitectura institucional da UE, em virtude do efeito do número, é pesadíssima (vinte e sete governos representados no Conselho, vinte e sete membros na Comissão, cinquenta e seis pessoas no Conselho Europeu, setecentos e oitenta e cinco deputados no Parlamento Europeu) e que o binómio representatividade/eficácia é, por vezes, dificilmente conciliável. Daí a inerente sensibilidade das questões institucionais, porque dizem respeito à repartição do poder na UE, à representação e capacidade de intervenção e influência dos Estados-membros na UE.
Há dois anos atrás, quando a rejeição do Tratado Constitucional através de referendo, colocou a UE numa crise sem precedentes, não faltaram vozes que defenderam a declaração de óbito do Tratado Constitucional. Mas não podemos esquecer que a história da UE é um processo feito de fluxos e refluxos, de crises e sucessos, de recuos e avanços e que a rejeição francesa da Comunidade Europeia de Defesa (CED) há cinquenta anos abriu caminho à CEE e CEEA. A capacidade de ultrapassar as crises, alcançando consensos e compromissos é uma das características da UE. A UE é o produto de sucessivos compromissos possíveis, em que os resultados nunca representam a visão de um só Estado, antes um equilíbrio das diferentes perspectivas de evolução do projecto, um equilíbrio das ambições em que todos se conseguem rever.
Resolver o impasse institucional é agora a prioridade da UE, tendo como base o Tratado acordado pelos governos dos Estados-membros da UE em 2004. A Declaração de Berlim, assinada no dia do aniversário dos Tratados de Roma, assume o compromisso dos Estados-membros de “dotar a União Europeia de uma base comum e renovada” até às eleições para o Parlamento Europeu de 2009. A Declaração evitou a referência ao Tratado Constitucional, mas está implícito o desafio e a necessidade de que um novo tratado entre em vigor antes das eleições europeias de 2009.
Até ao Conselho Europeu de Junho, a presidência alemã da UE elaborará um roteiro que definirá o alcance e o horizonte da questão constitucional, o grande objectivo que se propôs para a Presidência da UE. Porque a UE não pode parar, e a integração europeia continua a ser o melhor caminho para, na era da globalização, fazer face aos novos desafios e a um tempo marcado pelas ameaças à segurança dos Estados e dos cidadãos, sob pena de em poucos anos se ver ultrapassada por potências como a China, a Índia e o Brasil, que jogarão um papel importante na cena internacional.
Hoje, tal como há 50 anos, a UE é necessária. Continuam actuais as razões que levaram os Estados-membros da UE a agruparem-se num “grande espaço” e a partilharem soberania. A UE é um interesse vital comum a todos os Estados-membros. Obviamente, a União tem um preço: a transferência do exercício de competências soberanas dos Estados às instituições comuns da União. Sem esse preço, não há União. Mas isto não é explicado aos cidadãos. Os governantes nacionais não transmitem muitas vezes a limitação do poder nacional em relação ao poder da UE. Não se explica que estamos inseridos num projecto comum, onde por vezes há que fazer cedências. Neste sentido há ainda muito por fazer.
Muito do descontentamento dos cidadãos em relação à UE tem que ver com a incapacidade dos governos dos Estados-membros de responderem, com eficácia, aos problemas que os preocupam na vida quotidiana, tais como o desemprego, a imigração ou a insegurança, mas também aos medos de uma UE alargada ou da perda de soberania. Por outro lado, a UE é tida muitas vezes pelos cidadãos europeus como um dado adquirido e não como uma necessidade. Os governantes nacionais têm de convencer os seus cidadãos de que a UE é necessária, de que tem razão de ser num mundo globalizado onde os Estados-membros têm uma palavra a dizer.
O novo Tratado, chame-se Constituição ou não, não visará criar um Estado ou um super-Estado europeu. E também não será a última revisão dos Tratados. A evolução da UE tem sido sempre a resposta aos desafios internos e externos, tendo que continuar a reagir ao que está a acontecer dentro e fora do seu espaço e a ser suficientemente flexível para continuar a ter razão de ser. Caberá aos vinte e sete Estados-membros reflectir sobre o caminho que a UE deve seguir e chegar a acordo sobre aquilo que querem e podem fazer juntos.

Uma visão do Projeto Europeu.

Uma visão do Projeto Europeu.


Suspensa nas contradições impostas pelas negativas francesa e holandesa à ratificação popular do Tratado Constitucional Europeu, a União Europeia vê abrir-se uma etapa nova à já longa caminhada que tem permitido a construção do edifício europeu. Uma caminhada concreta de quase cinquenta e cinco anos, mas de raízes seculares, que trouxe para a prática política o desejo de unidade do continente europeu. Um desejo sempre proclamado, mas apenas alcançado pela violência da imposição. Um desejo que apenas os pais fundadores da Europa Unida souberam tornar realidade sem imposição, a partir da legitimidade de populações saturadas de guerras e conflitos. Um desejo alcançado com avanços e recuos a que hoje se depara o desafio de mais uma crise a ultrapassar.Na verdade, os princípios orientadores do comportamento dos Estados-membros no seio da União Europeia e os objectivos que lhe deram origem, designadamente o de promover a união dos povos europeus com base na solidariedade e na defesa de interesses, senão comuns, pelo menos convergentes sobretudo no domínio económico, foram definidos, ao longo de séculos, por pensadores que projectaram a união da Europa. S.Tomás de Aquino, Dante Alighieri, Pierre Dubois, o duque de Sully, Éméric Crucé, Joahnes Althusius, Bento Espinosa, os Projectistas da Paz, destes salientando-se o abade Saint-Pierre, Leibniz, William Penn e Emmanuel Kant, e bem ainda o conde Henry Saint-Simon, com as correcções introduzidas por Rousseau, Jean-Pierre Béranger, José Mazzini, Pierre Leroux, Vítor Hugo, Lemmonier, Proudhon e a emergência do Federalismo, defenderam, cada um a seu modo, a ideia de unidade, da Europa e do mundo, na busca incessante pela sempre desejada paz.Os acontecimentos, porém, raramente deram aplicação a estas teorizações em toda a extensão europeia, afirmando-se os conflitos e as guerras como a constante característica do sistema europeu, de base eminentemente estadual, ao longo da História. O atomismo no Mundo Antigo, as divisões no Mundo Medieval e as divergências no Mundo Moderno foram as constantes que marcaram a História Europeia da Antiguidade à Modernidade, prosseguindo, nos séculos XIX e XX, com os conflitos no Mundo Contemporâneo.A Civilização Grega jamais constituiu um todo político unificado, afirmando-se, antes, como um conjunto de várias cidades-estados, ciosas da sua autonomia, apenas capazes de se unir em alguns cultos e ritos comuns e em grandes competições atléticas.Alcançando a unidade territorial pelo sangue e pela força, o império de Alexandre Magno e o Império Romano jamais construíram sociedades livremente unificadas, unidas pelo consenso das populações subjugadas às leis impostas pela força das armas.Concretizando, pela primeira vez, a estrutura estadual da Europa, as monarquias bárbaras não dispuseram da capacidade e do tempo necessários para afirmar-se, logo submetidas ao papel aglutinador que a Igreja Romana viria, de imediato, desempenhar.Unidas pela religião, as populações europeias foram, então, unificadas por Carlos Magno. Mas, sem abarcar a total extensão europeia, e apoiado, também, na força bruta e subjugadora, igualmente o novo imperador proporcionou uma falsa e efémera unidade à Europa. Fazendo uma síntese entre o papel aglutinador desempenhado pela Igreja e a unidade alcançada pela força das armas, Carlos Magno criou a Respública Christiana, dando origem às tradições personalista e maquiavélica que não mais deixariam de caracterizar os Estados Europeus e o sistema europeu como um todo.Desenvolvidas na Idade Média, ambas as tradições encontraram, no regime feudal, terreno fértil ao desenvolvimento, com a tendência indelével de supremacia do maquiavelismo.A crise da Igreja no início da época moderna marcou, neste contexto de desunião, o dobre de finados de qualquer união consentida livre e democraticamente, assistindo-se, de imediato, ao advento do Ocidente dos Estados, na estruturação característica da Europa em que vivemos.A Reforma e a Contra-Reforma, as Descobertas e o Renascimento reforçaram essa tendência, não passando as teorizações da unidade europeia de votos pios inaplicáveis à realidade de facto dos egoísmos e do individualismo que o Século das Luzes veio de seguida fomentar.Iluminados pelas novas concepções de independência soberanista à maneira bodiniana, os revisionistas logo foram confrontados com as tendências conservadoras e unitaristas de Estados fortes e poderosos, capazes de impor a hegemonia e a preponderância a toda a Europa. Uns e outros iluminados pelas mesmas luzes, defendiam posições inconciliáveis que avolumaram as contradições e as divergências do Mundo Moderno Europeu.Temporariamente vencedores com a ordem reaccionária imposta em Westfália, os conservadores logo se viram ameaçados pelos ideais revolucionários burgueses e atlânticos, que impunham, progressivamente, a liberdade dos Estados, grandes e pequenos, na construção estadual da Europa. A gloriosa Revolução Inglesa, a independentista Revolução Americana e a solidária, fraternal e igualitária Revolução Francesa, desagregaram, por completo, a ordem europeia do Antigo Regime, perante a impossibilidade do próprio Napoleão Bonaparte em alcançar a unidade europeia, apesar de, curiosamente, ter feito o império que edificou coincidir, em grande parte, com a Europa Unida que até há pouco havia sido a nossa.Imposto pela força, pela força foi esmagado, regressando a velha ordem europeia a ser restabelecida, em Viena, para pouco tempo vir, na realidade, a durar. A Revolução Burguesa e Atlântica despoletaria por toda a Europa, terminando com as ordens legitimistas e reaccionárias, desestabilizando o continente e lançando as bases de uma nova sociedade. Erigido de imediato, o Mundo Contemporâneo rapidamente viria mostrar-se não menos turbulento, não menos repleto de interesses europeus contraditórios e inconciliáveis e totalmente abundante em conflitos.A falta de unidade, de solidariedade e de proximidade entre os Estados europeus, voltados, por tradição maquiavélica, para a prossecução dos interesses soberanos, tornavam-se evidentes. O sonho da unidade europeia desvanecia-se na concretização de alianças e contra-alianças, na troca constante de aliados e inimigos, na estruturação do equilíbrio do concerto europeu, no centro do qual girava a defesa dos interesses nacionais, pauta pela qual tocavam todos os Estados europeus. A inaplicabilidade dos sonhos que projectavam a unidade da Europa parecia tornar-se evidente, enquanto pensadores e teóricos, filósofos e políticos estruturavam esquemas doutrinários apologistas da verdadeira natureza política europeia, a organização soberanamente estadual.Nicolau Maquiavel e Jean Bodin, Grocius e Richelieu, Thomas Hobbes, John Locke, Montesquieu, Voltaire, e também aqui Jean-Jacques Rousseau, prosseguiram a teorização da natureza estadual da Europa, visando a criação de um ambiente pacífico e harmonioso, propício ao desenvolvimento social, político e económico de cada Estado e de todos como partes de um todo mais amplo, o todo europeu, unido na cooperação solidária.O sonho europeu de unidade não havia, porém, desaparecido e o período de entre as duas guerras mundiais viu emergir a Europa dos Federalistas e nascer movimentos concretos que acabariam, décadas depois, por conduzir à edificação das Comunidades Europeias, o único projecto de unidade europeia realmente consequente. Prosseguindo com o conde Richard Coudenhove-Kalergi e a obra “Pan-Europa”, com o Congresso de Viena de 1926 e o Manifesto Pan-Europeu, com as iniciativas de Aristide Briand, a criação de diversos organismos e organizações internacionais destinadas ao estudo das questões europeias e ao aprofundamento das relações europeias visando a unidade do continente, a ideia seria afastada do espírito dos Europeus, designadamente dos políticos dirigentes dos Estados mais poderosos da Europa, quando Hitler, em Maio de 1930, festejou a primeira vitória eleitoral na Alemanha. Uma vez mais, a unidade europeia far-se-ia pela imposição, no caminho traçado por Adolf Hitler, que rapidamente conduziria à Guerra Mundial que era já a Segunda. A perspectiva apocalíptica do nazismo e o paradoxo do génio alemão conduziriam a Europa pelos caminhos do nada, no começo do fim do Euromundo.Contrários à ideia de uma integração europeia, os nacionalismos exacerbados que, com Hitler, voltaram a estar em cena no palco europeu, iniciaram um período de interregno na construção europeia. Passado o choque inicial, e à medida que Hitler somava vitórias sucessivas no projecto de germanização da Europa, os Europeus voltaram a unir-se para opor, à ideia hitleriana de unir, pela violência, a Europa, o ideal de uma Europa federal assente na livre adesão dos Estados democráticos que o desejassem, dando origem ao espírito europeu de resistência ao inimigo nazi. Foi assim que o contexto da Segunda Guerra Mundial se afirmou particularmente fértil no sentido do lançamento do projecto de integração europeia. Os movimentos nacionais de resistência ao inimigo nazi prepararam a criação da Europa, afigurando-se o final das hostilidades, neste contexto de união de esforços, particularmente decisivo, pois o caos em que a Europa se encontrava mergulhada constituiu uma situação capaz de, novamente, fazer nascer a ideia de União Europeia. Os políticos europeus perceberam que era possível transformar a Europa dos nacionalismos exacerbados, geradora de ódios e guerras, numa Europa unida, criadora de progresso, paz social e bem-estar.Desencadeado pelo Congresso da Haia de 1948, este impulso federalista teve continuação com a criação do Conselho da Europa no ano seguinte, com a Declaração Schuman de 1950, com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951 e, sobretudo, com a criação da Comunidade Económica Europeia e, simultaneamente, a Comunidade Europeia da Energia Atómica, em 1957, como início de uma caminhada que, ante avanços e recuos, conduziria a décadas de construção europeia., paralelamente às quais as Comunidades, originalmente formadas por seis membros, se foram alargando, primeiro em 1973, quando passaram para nove membros; depois em 1981, quando passaram a contar com dez membros; em 1986, quando se transformaram em Europa dos Doze; em 1995, quando passaram a contar com quinze membros e, finalmente, em Maio de 2004, quando decidiram integrar oito Estados da Europa Central e Oriental, Chipre e Malta. Passada a euroesclerose da década de 1970, em muito pela acção de Giscard d`Estaign e Helmut Schmidt, assim como ultrapassado o efeito perturbador de De Gaulle, as Comunidades avançavam no traçado proposto pelo Acto Único Europeu. E adaptavam-se, também, ao novo ambiente internacional pós-ordem dos Pactos Militares, transformando-se em União Europeia pela acção de Maastricht, cuja engrenagem conduziria à concretização da União Económica e Monetária, com o Euro, à parte as frustradas revisões de Amesterdão e Nice, incapazes de preparar política e institucionalmente a União para o alargamento que, não obstante, concretizar-se-ia. O Tratado Constitucional não tardaria em afirmar-se, com a força de um impulsionador burocrático-bruxelista que as populações não parecem dispostas a aceitar. A não ser depois de uma bem elaborada cirurgia estética tornar aceitáveis os vectores hoje negados, mudando-os, sem contudo alterar-lhes a essência. Na aceitação, ainda, de uma Europa à plusieurs vitesses, que não parece mais suscitar os problemas outrora levantados. Na manutenção do projecto europeu que, extraordinariamente bem estruturado pelos pais fundadores da Europa Unida, num equilíbrio difícil de quebrar-se entre a supranacionalidade e a intergovernamentalidade, filia-se na mais remota tradição aristotélica do associativismo, interpenetrada pela ênfase institucionalista que busca conhecer a razão que leva os indivíduos ou grupos a unirem-se. A União Europeia, síntese do projecto europeu inicial, surge herdeira directa de Aristóteles. Prescindindo da ascese cognitiva da ideia do Bem presente em Platão, as facções, ou grupos, ou Estados, unem-se, não em busca dessa ideia, mas para prover a moderação, considerada a Virtude suprema, através do processo misterioso que é a construção institucional. Herança depois cristianizada por São Tomás de Aquino e a teologia católica, por oposição ao protestantismo derivado do platonista Santo Agostinho, quando a Igreja ascendia a autoridade máxima, a cujos propósitos serviam as concepções de Aquino, depois desenvolvidos pela Escola de Salamanca – Francisco de Vitória e Francisco Suárez –, tomistas enredados na Península Ibérica, bastião da corrente, vindo mais tarde o neotomismo afirmar-se com Teilhard de Chardin.O projecto europeu, assim teoricamente fundamentado, acompanharia sempre a evolução da dicotomia teoria-prática, assentando, primeiro no Federalismo, depois no Funcionalismo de David Mitrany e, depois ainda, no Transnacionalismo e no Neofuncionalismo de Ernst Haas, à medida que as críticas a estes modelos e à visão estato-centrada da própria Teoria das Relações Internacionais faziam evoluir as concepções para as formas mais modernas do Intergovernamentalismo de Stanley Hoffman, do discreto retorno ao Neofuncionalismo por Wayne Sandholtz e John Sysman, do Institucionalismo de Paul Pierson e de Alberta Sbragia e Fritz Scharpf, pelo viés do Federalismo ou do Federalismo Cooperativo, da teoria dos regimes e da interdependência complexa adepta do Institucionalismo Neoliberal. Até que nova repescagem colocasse os Estados-nação uma vez mais na ribalta, segundo uma lógica mista de Realismo, Neorealismo, Intergovernamentalismo Liberal e Construtivismo. Focando-se o debate, depois, entre os consocialistas e os confederalistas, ou entre os comunitaristas e os cosmopolitas, o projecto europeu pode hoje, centrar-se, ora na governança global de Oran Young, ora na Economia Política Internacional de Susan Strange. De modo a situar-se, hoje, no contexto da sociedade internacional global de Hedley Bull, na busca de um novo multilateralismo (Robert Cox) adequado ao modelo de democracia cosmopolita de Daniele Archibugi, os quais se propõem contrapor os fenómenos da polarização social, da decomposição da sociedade civil e das pressões que se exercem sobre a Natureza.O risco de desvirtuar a União Europeia hoje existente, de alterar-lhe a natureza, assim como, de forma mais geral, os riscos possíveis para o projecto político da União Europeia são reais. Mas reais são, também, os riscos do nada-fazer-se para desbloquear o impasse do engano constitucional. Em perigo, o projecto europeu dos pais fundadores da Europa Unida, suspenso nas contradições que enformam a questão: Quo Vadis Europa?

DO PROJETO EUROPEU À CONSTRUÇAÕ EUROPEIA

DO PROJETO EUROPEU À CONSTRUÇAÕ EUROPEIA,


Os movimentos europeus que, com maior premência depois da Segunda Guerra Mundial, levaram à construção do edifício europeu tiveram o seu ponto de partida numa época bastante mais recuada no tempo, tendo os princípios orientadores do comportamento dos Estados-membros no seio da União Europeia e os objectivos gerais que lhe deram origem sido definidos, ao longo de séculos, por pensadores que projectaram a união da Europa ao nível do imaginário, sem uma base teórica efectiva.
Apesar da antiguidade que, deste modo, se atribui à ideia da união dos povos europeus, foi no período de entre as duas guerras mundiais que a ideia de Europa ressurgiu com maior premência. Na verdade, a seguir à Grande Guerra de 1914-1918, o mundo conheceu uma época de grande optimismo económico, caracterizada pelo aparecimento de grandes cartéis internacionais e de movimentos livre-cambistas que, na Europa, e de acordo com a era de prosperidade, visavam a criação de uma união económica e aduaneira que unisse todo o continente num grande mercado único que propiciasse o desenvolvimento da produção industrial e a redução dos preços.
A nível político, uma nova atmosfera veio enquadrar as relações internacionais a partir de 1924, período em que se registaram a estabilização geral das moedas europeias, o reatamento de relações diplomáticas entre a União Soviética e os principais países europeus, assim como o pagamento das Reparações de Guerra. Simultaneamente, a alteração das mentalidades permitia a estruturação de um mundo diferente, um mundo que, cansado de guerras e conflitos, carecia do repouso reparador da moral e da necessidade urgente de acreditar na paz. A Sociedade das Nações, no seguimento do Tratado de Versailhes e dos Catorze Pontos de Wilson, programa de paz mundial do então presidente norte-americano Woodraw Wilson, corresponderam, em pleno, ao optimismo do novo estado de espírito.
As perspectivas de guerra pareciam longínquas, em meio à euforia que caracterizou esses anos e que em breve seria justificada pela reaproximação franco-alemã personificada por Aristide Briand e Gustav Stresemann e concretizada nos Pactos de Locarno de Outubro de 1925, de acordo com os quais a França e a Alemanha reconheciam as novas fronteiras, garantidas pela Grã-Bretanha e pela Itália, assim promovidas à categoria de fiel da balança do principal conflito potencial da Europa.
Na verdade, o próprio Stresemann indicou que esperava, da conciliação franco-alemã, a forma de realizar o reingresso da Alemanha no concerto europeu pela via diplomática, já que a mesma se encontrava, à data, impossibilitada de estabelecer qualquer paralelo militar com a França. Esperava, também, a evacuação da Renânia, como forma de garantir, para o futuro, a liberdade de acção. Briand, por seu lado, lograva dissipar as aspirações de desforra da Alemanha humilhada, vislumbrando, numa atitude conciliatória, a forma de alcançar o reencontro com os Britânicos.
Simultaneamente, os Estados Unidos tornavam-se na primeira potência económica mundial, inaugurando um ciclo expansionista que a posteridade conheceria como a era da prosperidade, sensivelmente de 1923 a 1929.
Após a Revolução Socialista Soviética de 1917, a recém-nascida União das Repúblicas Socialistas Soviéticas afirmava ser a Pátria dos trabalhadores de todo o mundo, assumindo a posição messiânica que a colocaria, a partir de então, e cada vez mais, à mesma altura dos Estados Unidos, assumindo-se ambas como as grandes potências que preenchiam o vazio deixado, na arena internacional, pelo apagamento das potências europeias. Realidade que a Segunda Guerra Mundial tornaria intangível.
Neste contexto particularmente eufórico, em que a Sociedade das Nações gozava ainda de prestígio no âmbito internacional, o internacionalismo liberal favoreceu os processos de cooperação económica europeia, os quais, embora se limitassem a certos sectores económicos, geralmente os que, a nível nacional, possuíam uma maior concentração de empresas, excitaram, desde logo, o europeísmo, marcando os projectos europeus pós-Primeira Guerra Mundial com as ilusões da belle époque do internacionalismo liberal dos anos 1920, que acabaria por conduzir ao deflagrar de todo o processo integracionista europeu.
De facto, foi neste ambiente que Luigi Einaudi, que viria a ser presidente italiano a partir de 1948, apresentou, em 1918, num artigo de jornal, o projecto de congregação dos povos europeus numa Europa unificada, levantando a hipótese de uma federação europeia. Mais tarde, em 1925, o então presidente do Conselho francês, Édouard Herriot, num discurso perante a Assembleia Nacional de Paris, utilizou a expressão Estados Unidos da Europa, enquanto, em 1927, o ministro francês Louis Loucheur propôs, numa perspectiva de interesses geral, a criação de cartéis europeus do carvão, do aço e dos cereais. Alianças ensaiadas ao mesmo tempo que os movimentos livre-cambistas visavam a união económica e aduaneira da Europa.
A passagem da ideia de unificação europeia à prática é marcada pela publicação, em 1923, pelo conde, antes da Primeira Guerra Mundial austríaco, depois de 1919 checoslovaco, tendo-se em 1939 naturalizado francês, Richard Coudenhove-Kalergi, da obra Pan-Europa, baseada na constituição dos Estados Unidos da América e na qual defendeu a necessidade de a Europa reforçar a sua liderança no mundo, ameaçada pelo bolchevismo soviético e pela preponderância económica norte-americana, os elementos da ordem internacional que o preocupavam verdadeiramente. Razão que o terá levado a dirigir-se às elites governantes e não às massas populacionais. Considerava Kalergi que a confederação que funcionava nos Estados Unidos da América poderia, também, ser aplicada à Europa, para que os Estados europeus, à excepção da recém criada União Soviética e da Grã-Bretanha, se congregassem numa união pan-europeia, aceitando, para tal, a limitação de algumas das respectivas prerrogativas soberanas, se bem que a união que propunha para a Europa procurava respeitar as soberanias nacionais, assentando, por isso, num Conselho composto por delegados nomeados pelos Estados-membros e numa Assembleia constituída por delegados representativos dos parlamentos nacionais. A Paneuropa surgia, assim, na verdade, como simples organização regional da Sociedade das Nações que, devendo ter por objectivo o saneamento das finanças e da produção industrial europeias – de modo a fazer face à concorrência norte-americana –, actuaria na sociedade internacional paralelamente aos Estados Unidos, à América do Sul, à Commonwealth, à União Soviética e ao Extremo Oriente.
Partindo desta ideia, Kalergi promoveu a criação de uma União Pan-Europeia, presidida honorificamente por Aristide Briand, com sede em Viena e secções nacionais em todos os Estados europeus, dando início a um movimento pan-europeu que, logo no ano seguinte, editaria a revista Paneuropa e desencadearia a realização do I Congresso Pan-Europeu, em 1926. Congresso que teve lugar em Viena, sob a presidência conjunta do austríaco Ignacio Seipel, do checoslovaco Edouard Benés, do alemão Paul Löebe, do francês Joseph Caillaux, do grego Nicolau Politis e de Carlo Sforza, e contando com a presença de dois mil participantes provenientes de vinte e quatro Estados europeus, dentre os quais se contavam Konrad Adenauer, Thomas Mann, Winston Churchill, Paul Valéry, Ortega y Gasset e Édouard Herriot.
Neste congresso, discutiram-se as ideias que Kalergi propusera na sua obra, as quais, tendo feito grande sucesso e ganho diversos adeptos, deram origem ao Manifesto de Viena ou Manifesto Pan-Europeu, então aprovado, o qual apelava à unidade dos povos europeus. Questionava-se, nesse documento, se no mesmo espaço geográfico poderiam conviver países constantemente em guerra – situação vigente na Europa de então, o que suscitava a questão de saber se tal seria útil ao desenvolvimento da Europa.
A resposta dos congressistas seria unânime: não, pelo que o problema dos conflitos teria que ser solucionado, para que a Europa pudesse desenvolver-se. E a forma de resolvê-lo seria através da integração dos povos europeus e, segundo Kalergi, através do federalismo europeu, assente nas grandes linhas da confederação europeia esboçadas no citado Manifesto: garantia da igualdade, da segurança e da soberania confederal; respeito pelas culturas e civilizações nacionais, bem como protecção das minorias nacionais; aliança militar; moeda comum; criação paulatina da união aduaneira; valorização conjunta das colónias dos Estados europeus; e colaboração de todos estes com outros Estados, no seio da Sociedade das Nações.
O impulso europeísta continuaria vivo pela mão de Aristide Briand, ministro francês dos Negócios Estrangeiros desde 1925, que, em 1927, reuniu o Conselho Central da União, em Paris, para definir as linhas de uma acção política, e dois anos depois, já como presidente do Conselho, pronunciou, em nome da França, um discurso retumbante, perante a Assembleia Geral da Sociedade das Nações, apelando à união dos povos europeus, ao propor, formalmente, a instauração de um laço federal entre esses povos.
O objectivo de Briand era resolver o contencioso franco-alemão, designadamente no respeitante à gestão da Renânia e às Reparações de Guerra, não de uma forma bilateral, mas integrando-o num contexto bastante mais vasto como a multilateralidade de uma organização europeia.
Esta proposta ambiciosa, a primeira oficial de um governo europeu inspirada pelo movimento integracionista então em curso, não foi, porém, bem aceite pelos diversos círculos políticos europeus, à excepção do alemão, cujo chefe de governo, Gustav Stresemann, se declarou favorável à ideia, sugerindo, até, a unificação das moedas e a criação de um selo postal comum a toda a Europa. Os Britânicos, por seu lado, consideraram a ideia demasiado prematura, enquanto, em Itália, Mussolini fê-la depender da colocação, em comum, de todas as colónias europeias. Mesmo em França o entusiasmo com a proposta de Briand não foi grande, merecendo críticas, quer da direita, quer de alguns segmentos da esquerda. Léon Blum chegou mesmo a apontar-lhe a ambiguidade de pretender angariar seguidores de ambos os lados, ao propor a estranha criação de laços federais entre os Estados sem, contudo, implicar a perda de soberania destes.
Apesar destas oposições, a proposta deu lugar à redacção, pelo próprio Briand, de um memorando que serviria de base a uma consulta geral aos governos europeus. Memorando modesto, que estabelecia apenas a criação de uma agência federal da Sociedade das Nações visando a instituição de um mercado comum entre os Estados europeus através de diversos acordos económicos, e que recebeu a aprovação, sem contudo reunir grandes entusiasmos, destes mesmos Estados à excepção da Grã-Bretanha.
O caminho aberto por Briand com estas iniciativas ficava, porém, por aqui. A morte do chefe do governo alemão, Gustav Stresemann, em Outubro de 1929, a brusca queda da Bolsa de Nova Iorque no mês seguinte com o início consequente da Grande Depressão dos anos trinta e a vitória eleitoral dos nazis na Alemanha, a 14 de Setembro do ano seguinte, alteraram totalmente o ambiente internacional em que o movimento europeu evoluía, determinando, por ora, algum abrandamento. De todo o esforço ficava, apenas, a criação, em 1930, pela Sociedade das Nações, por impulso de Briand e do secretário geral do Quai d`Orsay, Aléxis Léger – o qual inventara, mesmo, as expressões que, nos anos 1950, viriam a mobilizar os Europeus: aproximação das economias europeias, mercado comum – de uma Comissão de Estudos para a União Europeia, que logo após a morte de Aristide Briand, em 1932, ver-se-ia, porém, dissolvida.
Na verdade, a partir de 1932, terminava o período de euforia e o mundo entrava numa época de agravamento das relações internacionais que acabaria por conduzir à Segunda Guerra Mundial.
A ideia de Europa entrava, todavia, no domínio político, com homens de pensamento a originar vasta literatura que propunha, em conjunto, os Estados Unidos da Europa. Foi neste contexto que Gaston Riou, em 1928, veio propor uma Federação Continental Europeia com o objectivo de evitar que a Europa fosse dividida entre os Estados Unidos, a União Soviética e a Grã-Bretanha, os três blocos organizados que ameaçavam o Velho Continente. Em 1929, Carlo Sforza, ex-ministro dos Estrangeiros da Itália, propunha, a partir do exílio a que Mussolini o condenara em 1925, os Estados Unidos da Europa e, em 1939, falaria da Síntese da Europa. Bertrand de Jouvenel, em 1930, falaria também dos Estados Unidos da Europa, em obra do mesmo ano em que Herriot, na sua Europe, propunha a união europeia com a participação da Grã-Bretanha. Também Arthur Salter, em 1933, falaria dos Estados Unidos da Europa e d`Alia, no ano seguinte, da Confederação Europeia.
Ao mesmo tempo que autores vários pululavam no contexto do ideário europeu, a nova estrutura política europeia resultante do fim do Primeiro Conflito Mundial demonstrava que, em lugar de resolver os problemas nacionais, aumentara-os, ao acirrar os nacionalismos, então conscientes das humilhações por que o tratado de paz os fizera passar.
Ao mesmo tempo, generalizava-se a crise económica da Grande Depressão, enquanto, na Alemanha derrotada, os nacional-socialistas extremavam posições, apelando à desforra relativamente às restrições impostas pelo Tratado de Versailhes que, aos poucos, começavam a violar.
Neste contexto, tiveram origem os movimentos autoritários extremistas na Europa, como o Fascismo italiano, liderado por Benito Mussolini, combatente da Primeira Guerra Mundial, fundador do Partido Nacional Fascista e o Nazismo alemão, liderado por Adolf Hitler.
Após a derrota na guerra de 1914-18, os generais obrigaram Guilherme II a abdicar, proclamando-se, na Alemanha, a República de Weimar.
No clima de descontentamento que se seguiu à humilhação da derrota, a Alemanha viu surgir o Partido Nacional-Socialista (ou Nazi), chefiado pelo austríaco Hitler, que em 1923, após uma tentativa frustrada de golpe de Estado, seria preso, época em que redigiria o programa político do Nazismo, o Mein Kampf.
Ascendendo ao poder na Alemanha em Janeiro de 1933, depois de ter capitalizado a seu favor, e de forma eloquente, a humilhação da Alemanha, os ressentimentos e sentimentos revanchistas do povo e os próprios efeitos, particularmente nefastos para a Alemanha, da crise económica mundial, Hitler tornou claro os propósitos que o moviam: destruir o tratado de 1919 e reunir, num único Estado, todos os povos que considerava europeus, incluindo uma extensão territorial a Leste, à custa dos povos eslavos. No Outono do mesmo ano, Hitler demonstraria a pressa em concretizar o projecto que elaborara, ao retirar a Alemanha da Sociedade das Nações e da Conferência do Desarmamento que então decorria.
Militarizando a Renânia, Hitler concluiu com Mussolini uma aliança, o Eixo que, durante a guerra civil espanhola de 1936-39, enviaria tropas de apoio ao general Franco, cuja vitória sobre os republicanos seria também uma vitória do Eixo.
Dando seguimento ao projecto, Hitler anexou, em 1938, a Áustria e, no início do ano seguinte, ocupou a parte que lhe faltava da Checoslováquia. Pretendendo passar à etapa seguinte, a Polónia, o Führer concluiu com a União Soviética de Estaline um pacto de não agressão que continha cláusulas prevendo a divisão da Polónia entre ambos. Aberto o caminho, Hitler invadiu a Polónia a 1 de Setembro de 1939, dando início à Segunda Guerra Mundial, que apenas terminaria em 1945, com a vitória dos Aliados e a capitulação incondicional da Alemanha, a 7 de Maio.
A guerra, porém, não interveio de forma negativa junto da evolução da ideia de Europa.
Na verdade, a ideia de união europeia não seria afastada do espírito dos Europeus, pesasse embora a alteração do ambiente internacional em que a mesma ideia começara, de forma mais concreta, a esboçar-se.
De certa forma, a ideia de unidade do continente europeu ganhou, até, algum vigor, na década que precedeu o eclodir da Segunda Guerra Mundial. Por um lado, o projecto foi instrumentalizado pelos totalitarismos da época, acentuando-se uma vertente política que, até então, pouco peso tivera. Assim, Lenine propôs a criação de uns Estados Unidos Republicanos da Europa, os Estados Unidos Operários da Europa, com o objectivo claro de angariar adeptos ocidentais para a Revolução Bolchevique, apoiando a revolta comunista na Alemanha e pretendendo estendê-la a Paris. Hitler, a seu modo, quase conseguiu estabelecer, pela repressão, pela força e pela propaganda, uma unificação europeia que, aliás, fazia parte dos objectivos que perseguia. Segundo afirmava, o objectivo da nossa luta deve ser criar uma Europa unificada. Os Alemães, sozinhos, podem realmente organizar a Europa, enquanto os restantes Estados europeus posicionar-se-iam, nessa Europa unida dirigida pela Alemanha, o Grossdeutsches Reich, o Grande Reich alemão, segundo um ordenamento claro e específico, de acordo com as doutrinas do Lebensraum e a Teoria dos Grandes Espaços com Estado Director, segundo brochura sua publicada em 1939. A Europa via, por esta forma, nascer um europeísmo totalitário que, embora mantivesse vivos a ideia e o projecto da unidade europeia, havia pervertido e corrompido o verdadeiro e grande ideal dessa unidade.
Paralelamente, nascia, também, sobretudo na França, na Bélgica e na Holanda, um europeísmo da resistência que, de outra forma, e por seu lado, revigorava a ideia de unidade do continente europeu.
Efectivamente, durante a decorrência do conflito mundial, os Europeus uniram-se em torno da ideia de opor, ao projecto de Hitler de unir, pela violência e pela força, o continente, o ideal de uma Europa federal assente na livre adesão dos Estados democráticos que o desejassem, dando origem ao espírito europeu de resistência ao inimigo nazi, passo fundamental para acelerar o processo europeu outrora iniciado.
Assim, logo em 1939, Léon Bum tomava posição a favor de uma Europa federal, ao defender a integração da Alemanha numa organização da Europa que fornecesse garantias sólidas contra o regresso dos atentados da força e a independência das nações no seio de uma Europa federal e desarmada.
Na Grã-Bretanha, a Federal Union prosseguia os estudos sobre a necessidade e as condições de organizar os Estados democráticos da Europa numa federação, enquanto os precursores do movimento europeísta da resistência, os antifacistas italianos, dentre os quais Altiero Spinelli, deportados para a ilha de Ventotène, faziam circular clandestinamente, em 1941, o Manifesto de Ventotène, que advogava uma constituição europeia elaborada por uma assembleia europeia e a ser ratificada pelos parlamentos nacionais, fundando, assim, o Movimento Federalista Europeu, em Agosto de 1943, já depois da queda de Mussolini. Por esta altura, o Movimento dotar-se-ia de uma organização e elaboraria o seu programa e a estratégia de acção, propondo como única solução, para o Mundo e para a Europa, a criação de uma federação europeia.
A resistência francesa partilhava da mesma visão europeísta. No decurso do mesmo ano de 1943, o Movimento Combat, criado dois anos antes, rodeava-se de numerosas personalidades de relevo para a construção europeia: Henri Frenay, Henri Teitgen, Albert Camus, Georges Bidault, entre outros, enquanto estes e muitos outros nomes iniciavam a participação no Comité Geral de Estudos, criado, nesse ano, por Jean Moulin, delegado-geral do então Presidente francês de Gaulle. Simultaneamente, advogava Robert Brasillach o colaboracionismo em nome da aliança franco-alemã, indispensável para estabelecer-se qualquer paz na Europa – paz que jamais poderia existir sem a indestrutível França e sem a indestrutível Alemanha.
Por sua vez, Thomas Mann, na Grã-Bretanha, dirigia-se aos Europeus através da rádio Nova Iorque, em Janeiro de 1943, afirmando que o grande ideal da Europa foi pervertido e corrompido pelo nazismo, que, há dez anos, conquistou a Alemanha e conseguiu, graças à vossa desunião, subjugar todo o continente. Esta conquista é apresentada pelos nazis como a unificação da Europa, como a «ordem nova». De todas as falsidades de Hitler, a mais insolente é a ilusão europeia, a perversão da ideia europeia! Saibam, ouvintes europeus, a verdadeira Europa será criada por vós, com a ajuda das potências livres.
Na própria Alemanha, a ideia europeia fazia o seu caminho, por entre aqueles que se opunham ao nazismo, como Friedrich Goerdeler, que se juntava ao círculo que unia católicos e protestantes, conservadores e socialistas mobilizados todos contra o nazismo pela defesa da paz, em nome de uma união das nações europeias e de uma comunidade europeia para a reconstrução económica. Também na Universidade de Munique, o Professor Huber impulsionava o movimento Rosa Branca, propondo a estruturação federal da Alemanha e da Europa, levando mesmo a cabo, em Fevereiro de 1943, uma manifestação estudantil cujos líderes seriam barbaramente executados.
Foi assim que, no decurso da Segunda Guerra Mundial, os movimentos nacionais de resistência ao inimigo nazi prepararam a criação da Europa unida, lançando diversas iniciativas que culminariam no estabelecimento de um secretariado permanente encarregue de coordenar os esforços de todos aqueles movimentos para a libertação dos respectivos países e para a organização da união federal dos povos europeus, elaborando um projecto para essa União, de características tipicamente federais: cedência dos Estados, à Federação, das prerrogativas soberanas respeitantes à defesa nacional, às relações externas, ao intercâmbio e às comunicações internacionais; existência de um governo federal único, paralelamente aos governos nacionais, de um Tribunal Supremo e de um Exército comuns.
Embora sem concretização real, este projecto de União, juntamente com todas as outras iniciativas registadas, demonstra a importância e o papel desempenhado pela corrente federalista na resistência ao nazismo. Mais do que o comunismo ou o nacionalismo, foi o federalismo que animou a resistência, exercendo uma influência determinante na orientação da política europeia, que depois da guerra teria ocasião de se manifestar, quando os actores e protagonistas saíssem da clandestinidade.
O final da guerra afigurou-se, neste contexto de união de esforços, ainda mais decisivo, pois o caos em que a Europa se encontrava mergulhada constituiu uma situação capaz de, novamente, revigorar a ideia de União Europeia que o conflito não havia deixado cair no esquecimento. Destroçada, a Europa carecia de uma reconstrução rápida, desta vez assente em alicerces mais sólidos que os nacionalismos sobre os quais havia sobrevivido durante tanto tempo.
Foi a partir da constatação desta necessidade incontornável que a construção do edifício europeu sofreu um avanço considerável, embora reflectido e cauteloso, graças ao qual podemos desfrutar da União Europeia em que hoje vivemos. O que realmente explica, desta forma, o nascimento das Comunidades Europeias e os progressos posteriores é, assim, a evolução registada, no palco europeu, da Segunda Guerra Mundial até aos nossos dias, na tentativa de pacificar as conflituais relações entre a França e a Alemanha, por um lado, de fazer face à ameaça soviética que então começava a nascer, por outro e de enfrentar o desafio norte-americano, por outro lado ainda.
De facto, o fenómeno comunitário, tal como nós o conhecemos hoje tem, na sua origem, uma questão política, a tentativa ou o projecto de resolução de um problema político, o das relações de equilíbrio de poder entre os Estados europeus, designadamente da França e da Alemanha, as duas potências continentais europeias cujo choque de interesses desencadeara o conflito de génese absolutamente europeia – como já acontecera ao longo de todo o século XIX e na guerra de 1914-1918 –, no quadro caótico do imediato pós-guerra. No centro da reflexão e das propostas para a reorganização do continente europeu afirmava-se, assim, a necessidade de institucionalização de um sistema de relações estáveis e duradouras entre os países europeus, que potencializasse a convergência de interesses, de modo a impedir a ocorrência de um novo conflito mundial e de modo a organizar, sistematizar e enquadrar as relações entre aquelas duas potências continentais. O perigo soviético viria, um pouco depois, mas de forma decisiva, reforçar a necessidade de se estabelecer a unidade europeia.
A Europa dos pais fundadores nasceu, assim, do tratado de paz firmado entre as potências que compunham o Império Carolíngio, da união de esforços de Konrad Adenauer, um renano vizinho da França, Robert Schuman, um loreno germanizado e Alcide de Gasperi, um italiano influenciado pela cultura danubiana, sob a qual nascera. E, de facto, se a Santa Aliança estruturara a unidade europeia com base na Santíssima Trindade da Rússia, Prússia e Áustria, se Hitler pretendera concretizar o Lebesraum europeu à maneira ariana e Lenine através da reunião do messianismo russo ao sonho comunista de Karl Marx, os pais fundadores da Europa Unida procuraram concretizar a unidade europeia através da edificação de uma economia social de mercado capaz de enfrentar, tanto o perigo soviético, como o desfio norte-americano.
Este projecto defrontar-se-ia com o conflito que, imediatamente após a conflagração mundial, nasceria pujante e agudizar-se-ia ao longo de toda a segunda metade dos anos 1940. Incapaz de reagir às querelas mundiais e sem capacidade para se opor ao recuo definitivo do Euromundo, a Europa assistia impávida e passivamente à ascensão súbita dos Estados Unidos e da União Soviética ao patamar de superpotências mundiais, assim como ao conflito ideológico, com repercussões no plano político, no plano económico e no plano militar, que entre estas emergia, na estruturação da ordem internacional do Bipolarismo, assente nos Pactos Militares que não tardariam a aparecer, e no seio da qual o Terceiro Mundo desempenharia o papel de zona de confluência, no qual os conflitos passariam a desenrolar-se por procuração dos Dois Grandes.
Depois de ter sido criado o cordão sanitário a Leste, Churchill evocava, em 1946, a Cortina de Ferro, estruturando o ambiente que levaria, não muito depois, à edificação do muro, dito de Berlim por ter dividido a cidade, e que até 1989 definiria as zonas de actuação de cada uma das superpotências. A Europa passava a identificar-se com a Europa Ocidental, enquanto eram esquecidas as Europas Central e de Leste.
A Europa, então Ocidental, via renascer o espírito universalista capaz de enterrar os nacionalismos extremados. Afinal, diante da realidade do Bipolarismo, no seio do qual a Europa não era tida nem achada, tornava-se evidente que cada Estado europeu teria, ele próprio, de defender-se internamente contra o Comunismo e, externamente, contra a pressão soviética, e, até, contra o desafio que representava a pujança económica dos Estados Unidos. Os desafios eram grandes e à altura mostravam-se dos sonhos longamente sonhados e nunca concretizados da unidade europeia. O projecto europeu ganhava, agora, as condições que o permitiriam realizar-se plenamente, já que uma acção concertada dos líderes europeus parecia agora mais pertinente do que nunca. Os governos europeus optaram, então, neste momento, e apenas neste momento, por enveredar pela via da cooperação que não mais abandonariam.
Ganhara-se consciência de que isolados, os pequenos países eram particularmente vulneráveis à agressão e que as dificuldades que surgiram no imediato pós-guerra exigiam soluções inovadoras para todos beneficiarem. De uma forma geral, os governos europeus eram favoráveis a esta tendência, embora, evidentemente, nem todos demonstrassem ter a mesma atitude face a uma eventual União Europeia.
A Grã-Bretanha, que desempenhara um papel de relevo durante a Segunda Guerra Mundial, da qual saíra com considerável prestígio, não dedicava, à unidade europeia, a principal atenção, dirigida sobretudo para as ligações com a Commonwealth e com os Estados Unidos. Tratava-se, por um lado, de manter as possessões coloniais, que lhe conferiam um papel mundial a jogar na sociedade internacional, dadas as ambições britânicas de, malgrado as perdas sofridas com a guerra, tornar-se a terceira potência e, por outro, de manter a relação privilegiada que durante o conflito havia desenvolvido com os Estados Unidos, que os Britânicos consideravam mais capazes que os Europeus para resolver os problemas da segurança e do equilíbrio do continente. Relativamente aos países europeus, as relações estruturavam-se sobretudo sobre o plano bilateral, não concebendo os Britânicos qualquer forma de organização europeia que lhes limitasse a soberania e a liberdade de acção. A cooperação, compreendiam-na apenas de um ponto de vista pragmático, aceitando-a, desde que fosse de encontro às necessidades e aos interesses britânicos, apoiando, por conseguinte, apenas a constituição de um mercado único na perspectiva da liberalização mundial das trocas.
Os restantes países da Europa Ocidental manifestavam posições bem diferentes, até porque estavam em situações totalmente distintas. Assim, perante a destruição e as enormes perdas sofridas com a guerra, nos países vencedores o nacionalismo surgia forte, ao mesmo tempo que a ideia de unidade europeia se transformava em esperança de solução dos problemas postos pela reconstrução e pela ameaça soviética. Os países do Benelux, porém, embora favoráveis ao projecto integracionista, temiam sair da órbita britânica para depois virem a ser dominados pelos grandes Estados europeus, do mesmo modo que os Escandinavos, que se sentiam separados da Europa continental e gravitavam na esfera britânica. Para os países vencidos, a Itália e sobretudo a Alemanha, a ideia de Europa surgia como uma forma de sair do isolamento, reencontrar a igualdade de direitos entretanto perdida e consolidar a democracia.
A França encontrava-se numa situação particular, fazendo a política externa oscilar entre duas orientações. De um lado, a tentativa, semelhante à britânica, de manter-se como grande potência mundial, sem para tal dispor, contudo, dos necessários meios e, de outro, a compreensão pela necessidade da união europeia, na qual pretendia também integrar-se.
Ambiguamente, a França desenvolveu, assim, de início, uma política de equilíbrio entre o Leste e o Ocidente, procurando um bom relacionamento com as partes que davam indícios de se tornar inimigas. Com a oficialização do Bipolarismo, a política externa francesa teve de alterar-se. A necessidade de ajuda económica e militar norte-americana impedia-a de manter-se equidistante dos dois Grandes, obrigando-a a aproximar-se do Ocidente. Mantendo as ambições de tornar-se uma potência capaz de igualar-se aos Estados Unidos e à União Soviética, a França apenas partilhava da ideia europeia desde que o processo se desenvolvesse de modo a poder assumir-se como líder, mantendo, assim, o estatuto de grande potência de outrora.
Não obstante o posicionamento particular de cada Estado europeu ante o projecto de unidade da Europa Ocidental, a verdade é que a ideia ganhava sucessivamente mais adeptos, como forma de solucionar os problemas relativos à reconstrução dos países afectados pelo conflito mundial, num esquema que garantisse para sempre a paz, através da pacificação das conflituais relações franco-alemãs.
Neste sentido foi uma pequena reflexão de Jean Monnet, feita em Argel, ainda durante a guerra, em 1943, na qual considerava que não haverá paz na Europa se os Estados se reconstruírem na base da soberania nacional, com o que ela traz de política de prestígio e de protecção económica. Se os países da Europa se protegerem de novo uns contra os outros, a constituição de vastas forças armadas será de novo necessária. E assim se assistiu ao nascimento, em Londres, também durante a guerra, do projecto de criação do Benelux, a partir dos contactos entre os dirigentes exilados da Bélgica, da Holanda e do Luxemburgo.
O próprio de Gaulle, não obstante a hostilidade que mais tarde viria a manifestar contra qualquer projecto supranacional, declarou, numa conferência de imprensa, em Argel, em 1944, que era necessário, uma vez restabelecida a paz, tentar agrupar, ao menos, os Estados da Europa Ocidental.
Seria, porém, Winston Churchill, temporariamente afastado das responsabilidades políticas na Grã-Bretanha, por causa da vitória do Partido Trabalhista nas eleições realizadas antes mesmo do fim da guerra no Pacífico, e então como líder da oposição conservadora, a ter um papel de relevo no movimento para a unidade europeia, designadamente ao lançar a campanha de opinião em favor dessa unidade.
Tendo consciência da ameaça soviética e sentindo a necessidade de tomar medidas antes de novas manifestações dos nacionalismos europeus – exacerbados pela tentativa de Hitler de criar uma Europa Germânica –, Churchill, seguro de que a unidade europeia dependia da reconciliação franco-alemã, decidiu envolver-se activamente nos movimentos de opinião tendentes a divulgar e fazer avançar o projecto de integração da Europa, considerando que tal união comportava a reconciliação prévia entre a França e a Alemanha e implicava a constituição, entre ambos, de uma confederação capaz de garantir uma comunhão de destinos, como pedra angular de qualquer projecto de união europeia.
Com estas ideias, Churchill fez um discurso, na Universidade de Zurique, a 19 de Setembro de 1946, que impressionou vivamente a opinião pública europeia e os líderes políticos responsáveis pelos países da Europa Ocidental, criando um entusiasmo generalizado, já que apelava à união dos povos europeus, que procurava congregar, obviando, também, às constantes disputas entre as duas potências continentais europeias.
No seguimento deste discurso, e embora, em muitos aspectos, o caminho estivesse já preparado, renasceu o pensamento que conduziria à Europa integrada, com movimentos de diferentes tendências políticas e económicas, correspondendo, sobretudo, a duas concepções distintas de unidade europeia: a federação ou a simples associação de Estados.
Os mais audaciosos eram os federalistas que, logo em Dezembro de 1946, criaram, em Paris, a União Europeia dos Federalistas, um novo grupo integrando cerca de cem mil membros, constituindo a primeira semente de um partido político que, ultrapassando as fronteiras nacionais, afirmava-se como verdadeiramente europeu. Em 1947, publicaria um programa federalista que abarcava todos os aspectos de uma federação europeia e, mais tarde, em 1959, adoptaria a designação de Movimento Federalista Europeu, agrupando, em seu seio, os diversos movimentos federalistas que se multiplicavam na Europa Ocidental, assim como movimentos representando personalidades oriundas da Europa de Leste. Os membros da nova União reuniram-se em congresso em Montreux, em Agosto de 1947, naquilo que seria a primeira grande manifestação pró-europeia do pós-guerra. Com discurso inaugural de Churchill, os membros decidiram-se pelo objectivo de criar uma federação com um governo europeu responsável, em primeira e última instância, perante os cidadãos e os grupos e não perante os Estados federados, que transfeririam a respectiva soberania para aquele governo, assumido como organismo superior.
Neste congresso, Denis de Rougemont propôs à reflexão dos participantes os seis princípios nos quais deveria, a seu ver, assentar uma federação.
O primeiro deles era o de que a federação só poderia nascer se houvesse uma renúncia a todas as ideias hegemónicas. O segundo era o de que tinha, para o mesmo efeito, de haver uma renúncia a qualquer espírito de sistema, já que federar significa dispor em conjunto as nações, as realidades económicas e as tradições políticas que se pretendem ver unidas. Como terceiro princípio, referia que o federalismo não conhece problemas de minorias e, como quarto, que a federação pretende salvaguardar as realidades próprias de cada parte, em lugar de pretender dilui-las num único bloco hegemónico. Por esta razão, o federalismo opõe-se, como quinto princípio, ao espírito totalitário, proclamando o amor da complexidade. Como último princípio, Rougemont referia que a federação não se constrói de uma só vez, por imposição dos governos que se federam; antes resulta de um processo gradual, através do qual as pessoas e os grupos se vão unindo, por iniciativa própria. Neste sentido, considerava Rougemont que a federação europeia era uma realidade quase completa, tendo maturação histórica e estruturas, faltando-lhe apenas uma carta federal constitutiva.
Maurice Allais, também presente no congresso, completou esta visão política de Rougemont, abordando a federação do ponto de vista económico, e salientou que deveriam ser entregues à federação todos os itens em relação aos quais houvesse, ou pudesse haver, desentendimentos entre os Estados federados, designadamente a regulamentação das condições monetárias, das matérias ligadas ao comércio, ao movimento de capitais e à população, entre outros. Para ele, a federação económica era, desde logo, indissociável da federação política, sendo esta indispensável para que aquela pudesse ser aplicada bem como necessária para que esta fosse duradoura.
Em Junho de 1947, um outro importante movimento europeu de cariz federalista apareceria, em Londres, sob o nome de Comité Internacional de Estudos e Acção para os Estados Socialistas da Europa, fundado por diversas personalidades das áreas socialista, sindicalista e social-democrata. Em Novembro de 1948, transformar-se-ia em Movimento Socialista para os Estados Unidos da Europa, dirigido por Paul-Henri Spaak e, mais tarde, no início da década de sessenta, em Esquerda Socialista.
Do lado democrata-cristão também se registaram iniciativas pró-europeias, designadamente a criação, no início de 1947, das Novas Equipes Internacionais, visando a realização de uma democracia social que se aproximava das teses federalistas e animada dos valores cristãos, transformando-se, em 1965, na União Europeia dos Democratas-Cristãos.
Partidários, não da federação, mas da simples cooperação ou associação de Estados, outros movimentos europeus se fundaram, como o United Europe Movement, criado na Grã-Bretanha, em Maio de 1947, sob o impulso de Churchill, seu presidente, visando o estabelecimento, na Europa, de uma espécie de confederação ou commonwealth europeia.
De cariz semelhante, foi criado, em França, em Junho do mesmo ano, um órgão paralelo, o Conseil Français pour l`Europe Unie - absorvido, em 1953, pelo Movimento Europeu, em virtude do carácter unionista que possuía -, enquanto, na Alemanha, surgia o Deutsch Rat der Europaischen Bewegung.
Não se mostrando alheios a todo este processo, grupos profissionais ensaiaram também experiências de união. Assim, os economistas e homens de negócio, sobretudo da França e da Bélgica, fundaram, em 1946, a Ligue Europeénne de Coopération Économique, presidida pelo antigo primeiro-ministro belga Paul Van Zeeland e de tendência liberal. Em 1945 havia já surgido a Confederação Europeia da Agricultura e, em 1949, nascia o Conselho das Federações Industriais da Europa, enquanto o mundo sindical se mostrava também disposto a acompanhar a tendência unionista na Europa, com a criação da Confederação Internacional dos Sindicatos Livres e da Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos.
Em outro plano, o que restava da União Pan-Europeia de Coudenhove-Kalergi, o mesmo reorganizou, a partir dos parlamentos nacionais, a União Parlamentar Europeia. Tendo como ponto de partida um inquérito feito aos parlamentares de todos os países democráticos da Europa, sobre a concordância, ou não, com uma federação europeia a criar no quadro das Nações Unidas, Kalergi concluiu pela posição favorável dos eleitores. Uma vez que a maioria dos parlamentares – sobretudo da Itália, Luxemburgo, Grécia, Holanda, Bélgica e França, onde mais da metade dos parlamentares votara favoravelmente, contra apenas um quarto na Grã-Bretanha e um décimo na Suécia, Noruega e Dinamarca – concordara com tal projecto, então, naturalmente, a maioria dos eleitores era favorável à Europa. A União Parlamentar Europeia estabeleceu, então, como objectivo, a criação de uma assembleia europeia eleita pelos parlamentos nacionais.
Face a todo este florescimento de organizações e movimentos europeus, e com vista a evitar a dispersão de energias, a União Europeia dos Federalistas decidiu criar, no final de 1947, o Comité Internacional de Coordenação dos Movimentos para a Unidade Europeia, procurando assegurar a ligação coerente entre os diversos movimentos e organizações europeus sem lhes fazer perder a autonomia. A primeira preocupação deste novo Comité foi a de convocar, para a Haia, um congresso que se realizaria de 7 a 10 de Maio do seguinte com os objectivos declarados de demonstrar a existência, nos países democráticos da Europa Ocidental, de um movimento vasto de opinião em favor da unidade europeia, de discutir os problemas colocados pela concretização dessa unidade e de propor soluções.
Este congresso, dito da Europa, pelo êxito adquirido, dando expressão visível à preocupação de estabelecer laços institucionais duradouros entre os países europeus, reuniu, sob a presidência de honra de Winston Churchill, cerca de oitocentas personalidades oriundas de quase todos os países da Europa Ocidental, a fina flor do pensamento europeu, dentre os quais se contavam figuras que posteriormente vieram a ser consideradas os pais fundadores da Europa unida: Churchill, Robert Schuman, De Gasperi, Jean Monnet, Léon Blum, Konrad Adenauer.
Grande fórum internacional de debate dos problemas da reorganização da Europa Ocidental, neste congresso defrontaram-se três correntes de pensamento, relativas a este assunto.
Desde logo, a orientação constitucionalista ou federalista, defendida sobretudo por Franceses, Belgas, Italianos, Holandeses e pelos sindicalistas, preconizando a instituição de uma federação dos Estados Unidos da Europa, na qual integrar-se-iam os países que desejassem participar nesta estrutura integrada, que teria, como expressão jurídico-política, uma constituição, que seria submetida à aprovação dos parlamentos nacionais dos Estados-membros. Consideravam os federalistas ser necessário, ainda, instituir um parlamento europeu que fosse eleito por sufrágio directo e universal e possuindo um deputado por cada milhão de habitantes.
A orientação pragmática ou unionista, situada no pólo oposto, considerava que o Estado soberano, nascido com a Revolução Francesa, deveria continuar a ser o centro da organização política da Europa, embora se devessem instituir mecanismos de cooperação entre os Estados, com vista à concertação de posições. Estes mecanismos poderiam ser de cooperação económica, comercial, social e também política. Esta corrente, mais realista ou prudente, acreditava nas vantagens dos contactos intergovernamentais sem cedência de soberania e considerava que o objectivo último da unificação da Europa deveria ser alcançado progressivamente, através de uma cooperação cada vez mais estreita entre Estados soberanos.
Entre estes dois pólos de orientação divergentes, surgiu uma terceira posição, que veio a ser a corrente intermédia. Conhecida como a corrente funcionalista, considerava que as teses constitucionalistas ou federalistas não correspondiam à realidade das relações externas existentes na Europa. Entendia que só havia condições para impedir a reemergência de conflitos na Europa se esses Estados aceitassem a criação de um sistema de relações que fosse para além da mera cooperação entre os governos, e implicasse uma certa partilha do exercício do poder, através da criação de organismos, de organizações internacionais a que fossem atribuídas funções específicas para a cooperação no plano económico, no plano comercial e, também, no plano político. Tudo isto, sem se falar, no imediato, de uma federação. Não seria, porém, a tendência federalista a vitoriosa. A tendência unionista, defendida sobretudo pelos conservadores britânicos, prevaleceria ante a federalista, ainda que apenas no curto prazo e no que diz respeito às propostas concretas formuladas aos governos. Na verdade, a longo prazo seriam as teses federalistas as vitoriosas, por ser a ideia de Europa por estas propagadas que viria, ao longo das décadas de edificação da União Europeia, a ser seguida.
Em nome das conclusões do Congresso da Haia, foi criado, a 25 de Outubro de 1948, em Bruxelas, o Movimento Europeu, procurando, não substituir os movimentos existentes, mas enquadrá-los, coordenando a sua acção e representando-os perante os governos. E, na verdade, todos os movimentos europeus aderiram ao novo Movimento, à excepção da União Parlamentar Europeia, que, contudo, em 1952, transformar-se-ia em Conselho Parlamentar do Movimento Europeu.
Sob a presidência de honra de Sir Winston Churchill, Léon Blum (ao qual sucederia Robert Schuman), Paul-Henri Spaak, Alcide de Gasperi, o Movimento demonstrou, desde logo, pretender situar-se acima das tendências políticas, para elaborar um programa de acção europeia que, através de uma actuação coordenada ao nível da propaganda, teria grande reflexo ao nível da opinião pública. De tal modo que, quando os governos europeus decidiram desencadear iniciativas, o terreno estava já preparado, tendo essas iniciativas sido bem acolhidas pela maioria das opiniões públicas.
A opinião pública europeia estava já, de facto, totalmente preparada para os esforços concretos no sentido da edificação da Europa, que iriam, a partir de então, desenvolver-se em duas frentes: a da cooperação, no pleno respeito da soberania dos Estados europeus, e a da integração, que acabaria por impor-se e que pretendia instituir um Estado federal entre os Estados participantes.
A cooperação intra-europeia para a reconstrução, auxiliada pelo Marshall Aid, que desembocaria, em 1948, na criação da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE) e na União Europeia de Pagamentos, em 1950, decorria promissora, paralelamente aos esforços de cooperação militar desenvolvidos com o Tratado de Dunquerque, de 1947 e o Tratado de Bruxelas, do ano seguinte. Simultaneamente, o Conselho da Europa conhecia a luz do dia em 1949, ano que marcava, também, o início do milagre económico alemão, relançando a necessidade da resolução do problema alemão, especialmente no tocante à readmissão da Alemanha Federal no concerto das potências europeias ocidentais.
O ano de 1949 marcava, com efeito, uma viragem decisiva na luta do povo alemão pelo ressurgimento económico e político. A 7 de Setembro, era proclamado o fim do regime de tutela a que desde o fim da guerra a Alemanha Ocidental, ocupada pelas três potências aliadas, estivera submetida. A 14 do mesmo mês, realizavam-se eleições e, no dia seguinte, Konrad Adenauer tornava-se chanceler. No plano internacional, a Alemanha Ocidental reencontrava, lentamente, um lugar para ocupar, tornando-se membro da Organização Europeia de Cooperação Económica a 31 de Outubro e sendo convidada, a 31 de Março de 1950, a tornar-se membro associado do Conselho da Europa. O mundo assistia, assim, ao renascimento da Alemanha Ocidental como Estado dotado de personalidade, de um governo próprio e do desejo de obter a igualdade de direitos no relacionamento com os restantes países da sociedade internacional.
A partir de então, a República Federal da Alemanha não mais poderia ser ignorada nem excluída das grandes correntes do movimento europeu, sob pena de se criar uma situação perigosa para a Europa Ocidental, que jamais poderia considerar-se verdadeiramente integrada enquanto dela estivesse ausente a grande nação germânica.
Tornava-se, pois, necessário, realizar esforços no sentido de integrar a Alemanha Ocidental nos movimentos europeus, resolvendo, simultaneamente, a questão das relações franco-germânicas, segundo havia proposto Churchill.
Foi assim que, numa conferência de impressa realizada no Quai d`Orsay, a 9 de Maio de 1950, o governo francês fez aos parceiros europeus uma proposta verdadeiramente explosiva, pela voz do ministro dos Estrangeiros, Robert Schuman, ele próprio totalmente empenhado na busca de uma solução que terminasse de vez com a rivalidade franco-alemã. Oriundo de uma família lorena, estabelecida no Luxemburgo logo após a anexação alemã, tendo feito os estudos na Alemanha e em Estrasburgo, Robert Schuman, homem de fronteira, havia-se empenhado, desde os tempos da ocupação, na procura incessante de uma solução que pusesse fim às constantes tensões franco-alemãs. O governo francês, à época inclinado, com as forças centristas então no poder, ao aprofundamento de um processo de integração económica e política, tomou, então, na referida conferência de imprensa, uma iniciativa diplomática que ficaria depois conhecida como Declaração Schuman, através da qual Robert Schuman apresentou, aos parceiros da Europa Ocidental, sobretudo à Alemanha Federal, o projecto de criação de uma organização internacional dotada de competências de decisão e da possibilidade de adoptar medidas juridicamente vinculativas para os Estados participantes, que assumisse a responsabilidade de colocar, sob uma gestão comum, os sectores de actividade da extracção carbonífera e da siderurgia, o que implicava a colocação, sob uma autoridade comum, de qualquer eventual esforço de guerra franco-alemão, ao mesmo tempo que solucionava a problemática cobiça franco-alemã em torno das regiões do Sarre e do Ruhr.
Afinal de contas, ricas bacias hulhíferas, o Sarre e o Ruhr passavam, desde o final da Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871, da França para a Alemanha e desta para aquela, consoante o vencedor dos conflitos, da mesma forma que a Alsácia-Lorena, que entretanto desenvolvera, com o Sarre, forte interdependência económica. A exploração destas bacias carboníferas permitiria, tanto à Alemanha quanto à França, a independência energética face ao carvão importado, o que conduziria, não apenas à independência económica, como ainda à possibilidade de desenvolverem esforços de guerra de forma autónoma e pujante.
Vale lembrar, a este propósito, que ao final da Primeira Guerra Mundial, a França chegara a desenvolver um programa económico cuja trave mestra era o projecto siderúrgico que havia sido cuidadosamente elaborado, não pelos círculos da indústria pesada, mas pelo Quai d`Orsay, com o objectivo de, retirando o Sarre e o Ruhr à Alemanha derrotada, retirar-lhe o potencial energético que a permitiria prosperar.
A iniciativa de Schuman, dando voz aos desígnios de Jean Monnet, apresentava, por conseguinte, a virtualidade de propor um objectivo eminentemente político alcançável mediante uma estratégia eminentemente económica, já que lograva pacificar as tensas relações franco-germânicas através da colocação do conjunto da produção franco-alemã do carvão e do aço sob o controle de uma Alta Autoridade, numa organização aberta à participação dos restantes países da Europa Ocidental, o que equivalia determinar que qualquer Estado-membro deixaria de ter o controle da própria produção daquelas matérias-primas, passando, desta forma, o potencial económico e o esforço de guerra a estar sob controle de uma organização internacional.
Schuman afirmava, por outro lado, que a Europa não se fará de um só golpe, que jamais se poderia construir com base nas querelas constantes entre a França e a Alemanha e que a criação de bases comuns económicas entre a França e a Alemanha era o primeiro passo para a futura federação europeia, tornando clara, se dúvidas houvesse, a ideia de uma integração que, muito mais do que económica, visaria politicamente soerguer-se.
A ideia do governo francês era, na realidade, a de que o órgão de decisão por excelência, no quadro desta organização internacional, não deveria ser de representação intergovernamental, antes constituído por personalidades independentes dos respectivos governos, que comporiam uma autoridade supranacional a responder, em exclusivo, perante uma Assembleia Parlamentar a criar no âmbito da organização internacional que se pretendia estruturar, como primeiro passo para que, a partir das bases funcionalistas da teoria dos pequenos passos de Monnet, a integração dos sectores do carvão e do aço pudesse espalhar-se aos restantes sectores económicos, num processo de spill over que haveria de abranger a globalidade da economia.
Seria assim que a França, a Alemanha, os países do Benelux e a Itália se envolveriam, em 1950, na negociação de um tratado internacional, que, uma vez ultrapassadas as divergências, designadamente as que opunham as concepções federalistas de Franceses e Alemães ao desejo dos restantes de caminhar mais lentamente no processo de integração europeia, seria assinado a 18 de Abril de 1951, em Paris, dando origem à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço a – CECA.
O fracasso das idealizadas Comunidade Europeia de Defesa e Comunidade Política Europeia, porém, juntamente com a solução pouco satisfatória para ultrapassá-lo, através da criação da União da Europa Ocidental, haveriam de conduzir os líderes dos Seis pela via mais prudente das solidariedades de parte, lentas e consistentes, por forma a moldar, numa matriz menos federalizante, as comunidades europeias que a construção do edifício europeu haveria, em breve, de erguer.
Seria nesta base que o Benelux redigiria, em 1955, o Memorandum do mesmo nome que seria discutido na conferência de ministros dos Negócios Estrangeiros da CECA, em Junho do mesmo ano, ao longo da Conferência de Messina. Tomava-se, na realidade, e progressivamente, consciência de que nenhum país europeu tinha, por si só, uma dimensão considerável, e comportava, por si só, um mercado suficientemente alargado que proporcionasse condições de expansão contínua da actividade económica. Era, pois, preciso, alargar os mercados, alargar o quadro em que actuavam as empresas, permitindo-lhes produzir, não apenas para mercados de dez, vinte, trinta, cinquenta milhões de consumidores, mas para mercados com cem, duzentos ou mais milhões de potenciais consumidores.
Depois de analisar as questões prementes e ultrapassar os pontos de vista divergentes, a Comissão, presidida pelo belga, activista dos movimentos europeus, Paul-Henri Spaak, haveria de elaborar o Memorandum Spaak, aprovado em Veneza, a 6 de Maio de 1950, o qual viria a servir de base à negociação de dois tratados internacionais que viriam a ser assinados em Roma, a 25 de Março de 1957, com a designação de Tratados de Roma, instituindo a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM), as duas Comunidades Europeias que viriam juntar-se a já existente Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, constituindo três organizações internacionais distintas que passariam a responder, em conjunto, pelo processo de integração europeia.
Estava construído o primeiro patamar do edifício europeu. A partir daqui, as mudanças sucederiam a uma velocidade dramaticamente acelerada. Às vezes positivas, outras nem por isso, a verdade é que o projecto europeu, sonhado e repensado vezes sem conta nessa História que é Europeia e que durante muito foi também mundial, via-se assim transformado em realidade. Evoluindo e retrocedendo, na dicotomia do aprofundamento dito político, mas durante muito tempo apenas económico, porém sempre alargando-se a novos membros, as Comunidades Europeias viriam a transformar-se naquilo que orgulhosamente hoje são. Ainda que tristemente embrenhadas numa União Europeia que, parte do sonho sonhado do projecto europeu, persistem em negar a universalidade da abertura, característica primeira que Monnet não se esqueceria de enunciar pela voz de Schuman.