11/05/2007

DO PROJETO EUROPEU À CONSTRUÇAÕ EUROPEIA

DO PROJETO EUROPEU À CONSTRUÇAÕ EUROPEIA,


Os movimentos europeus que, com maior premência depois da Segunda Guerra Mundial, levaram à construção do edifício europeu tiveram o seu ponto de partida numa época bastante mais recuada no tempo, tendo os princípios orientadores do comportamento dos Estados-membros no seio da União Europeia e os objectivos gerais que lhe deram origem sido definidos, ao longo de séculos, por pensadores que projectaram a união da Europa ao nível do imaginário, sem uma base teórica efectiva.
Apesar da antiguidade que, deste modo, se atribui à ideia da união dos povos europeus, foi no período de entre as duas guerras mundiais que a ideia de Europa ressurgiu com maior premência. Na verdade, a seguir à Grande Guerra de 1914-1918, o mundo conheceu uma época de grande optimismo económico, caracterizada pelo aparecimento de grandes cartéis internacionais e de movimentos livre-cambistas que, na Europa, e de acordo com a era de prosperidade, visavam a criação de uma união económica e aduaneira que unisse todo o continente num grande mercado único que propiciasse o desenvolvimento da produção industrial e a redução dos preços.
A nível político, uma nova atmosfera veio enquadrar as relações internacionais a partir de 1924, período em que se registaram a estabilização geral das moedas europeias, o reatamento de relações diplomáticas entre a União Soviética e os principais países europeus, assim como o pagamento das Reparações de Guerra. Simultaneamente, a alteração das mentalidades permitia a estruturação de um mundo diferente, um mundo que, cansado de guerras e conflitos, carecia do repouso reparador da moral e da necessidade urgente de acreditar na paz. A Sociedade das Nações, no seguimento do Tratado de Versailhes e dos Catorze Pontos de Wilson, programa de paz mundial do então presidente norte-americano Woodraw Wilson, corresponderam, em pleno, ao optimismo do novo estado de espírito.
As perspectivas de guerra pareciam longínquas, em meio à euforia que caracterizou esses anos e que em breve seria justificada pela reaproximação franco-alemã personificada por Aristide Briand e Gustav Stresemann e concretizada nos Pactos de Locarno de Outubro de 1925, de acordo com os quais a França e a Alemanha reconheciam as novas fronteiras, garantidas pela Grã-Bretanha e pela Itália, assim promovidas à categoria de fiel da balança do principal conflito potencial da Europa.
Na verdade, o próprio Stresemann indicou que esperava, da conciliação franco-alemã, a forma de realizar o reingresso da Alemanha no concerto europeu pela via diplomática, já que a mesma se encontrava, à data, impossibilitada de estabelecer qualquer paralelo militar com a França. Esperava, também, a evacuação da Renânia, como forma de garantir, para o futuro, a liberdade de acção. Briand, por seu lado, lograva dissipar as aspirações de desforra da Alemanha humilhada, vislumbrando, numa atitude conciliatória, a forma de alcançar o reencontro com os Britânicos.
Simultaneamente, os Estados Unidos tornavam-se na primeira potência económica mundial, inaugurando um ciclo expansionista que a posteridade conheceria como a era da prosperidade, sensivelmente de 1923 a 1929.
Após a Revolução Socialista Soviética de 1917, a recém-nascida União das Repúblicas Socialistas Soviéticas afirmava ser a Pátria dos trabalhadores de todo o mundo, assumindo a posição messiânica que a colocaria, a partir de então, e cada vez mais, à mesma altura dos Estados Unidos, assumindo-se ambas como as grandes potências que preenchiam o vazio deixado, na arena internacional, pelo apagamento das potências europeias. Realidade que a Segunda Guerra Mundial tornaria intangível.
Neste contexto particularmente eufórico, em que a Sociedade das Nações gozava ainda de prestígio no âmbito internacional, o internacionalismo liberal favoreceu os processos de cooperação económica europeia, os quais, embora se limitassem a certos sectores económicos, geralmente os que, a nível nacional, possuíam uma maior concentração de empresas, excitaram, desde logo, o europeísmo, marcando os projectos europeus pós-Primeira Guerra Mundial com as ilusões da belle époque do internacionalismo liberal dos anos 1920, que acabaria por conduzir ao deflagrar de todo o processo integracionista europeu.
De facto, foi neste ambiente que Luigi Einaudi, que viria a ser presidente italiano a partir de 1948, apresentou, em 1918, num artigo de jornal, o projecto de congregação dos povos europeus numa Europa unificada, levantando a hipótese de uma federação europeia. Mais tarde, em 1925, o então presidente do Conselho francês, Édouard Herriot, num discurso perante a Assembleia Nacional de Paris, utilizou a expressão Estados Unidos da Europa, enquanto, em 1927, o ministro francês Louis Loucheur propôs, numa perspectiva de interesses geral, a criação de cartéis europeus do carvão, do aço e dos cereais. Alianças ensaiadas ao mesmo tempo que os movimentos livre-cambistas visavam a união económica e aduaneira da Europa.
A passagem da ideia de unificação europeia à prática é marcada pela publicação, em 1923, pelo conde, antes da Primeira Guerra Mundial austríaco, depois de 1919 checoslovaco, tendo-se em 1939 naturalizado francês, Richard Coudenhove-Kalergi, da obra Pan-Europa, baseada na constituição dos Estados Unidos da América e na qual defendeu a necessidade de a Europa reforçar a sua liderança no mundo, ameaçada pelo bolchevismo soviético e pela preponderância económica norte-americana, os elementos da ordem internacional que o preocupavam verdadeiramente. Razão que o terá levado a dirigir-se às elites governantes e não às massas populacionais. Considerava Kalergi que a confederação que funcionava nos Estados Unidos da América poderia, também, ser aplicada à Europa, para que os Estados europeus, à excepção da recém criada União Soviética e da Grã-Bretanha, se congregassem numa união pan-europeia, aceitando, para tal, a limitação de algumas das respectivas prerrogativas soberanas, se bem que a união que propunha para a Europa procurava respeitar as soberanias nacionais, assentando, por isso, num Conselho composto por delegados nomeados pelos Estados-membros e numa Assembleia constituída por delegados representativos dos parlamentos nacionais. A Paneuropa surgia, assim, na verdade, como simples organização regional da Sociedade das Nações que, devendo ter por objectivo o saneamento das finanças e da produção industrial europeias – de modo a fazer face à concorrência norte-americana –, actuaria na sociedade internacional paralelamente aos Estados Unidos, à América do Sul, à Commonwealth, à União Soviética e ao Extremo Oriente.
Partindo desta ideia, Kalergi promoveu a criação de uma União Pan-Europeia, presidida honorificamente por Aristide Briand, com sede em Viena e secções nacionais em todos os Estados europeus, dando início a um movimento pan-europeu que, logo no ano seguinte, editaria a revista Paneuropa e desencadearia a realização do I Congresso Pan-Europeu, em 1926. Congresso que teve lugar em Viena, sob a presidência conjunta do austríaco Ignacio Seipel, do checoslovaco Edouard Benés, do alemão Paul Löebe, do francês Joseph Caillaux, do grego Nicolau Politis e de Carlo Sforza, e contando com a presença de dois mil participantes provenientes de vinte e quatro Estados europeus, dentre os quais se contavam Konrad Adenauer, Thomas Mann, Winston Churchill, Paul Valéry, Ortega y Gasset e Édouard Herriot.
Neste congresso, discutiram-se as ideias que Kalergi propusera na sua obra, as quais, tendo feito grande sucesso e ganho diversos adeptos, deram origem ao Manifesto de Viena ou Manifesto Pan-Europeu, então aprovado, o qual apelava à unidade dos povos europeus. Questionava-se, nesse documento, se no mesmo espaço geográfico poderiam conviver países constantemente em guerra – situação vigente na Europa de então, o que suscitava a questão de saber se tal seria útil ao desenvolvimento da Europa.
A resposta dos congressistas seria unânime: não, pelo que o problema dos conflitos teria que ser solucionado, para que a Europa pudesse desenvolver-se. E a forma de resolvê-lo seria através da integração dos povos europeus e, segundo Kalergi, através do federalismo europeu, assente nas grandes linhas da confederação europeia esboçadas no citado Manifesto: garantia da igualdade, da segurança e da soberania confederal; respeito pelas culturas e civilizações nacionais, bem como protecção das minorias nacionais; aliança militar; moeda comum; criação paulatina da união aduaneira; valorização conjunta das colónias dos Estados europeus; e colaboração de todos estes com outros Estados, no seio da Sociedade das Nações.
O impulso europeísta continuaria vivo pela mão de Aristide Briand, ministro francês dos Negócios Estrangeiros desde 1925, que, em 1927, reuniu o Conselho Central da União, em Paris, para definir as linhas de uma acção política, e dois anos depois, já como presidente do Conselho, pronunciou, em nome da França, um discurso retumbante, perante a Assembleia Geral da Sociedade das Nações, apelando à união dos povos europeus, ao propor, formalmente, a instauração de um laço federal entre esses povos.
O objectivo de Briand era resolver o contencioso franco-alemão, designadamente no respeitante à gestão da Renânia e às Reparações de Guerra, não de uma forma bilateral, mas integrando-o num contexto bastante mais vasto como a multilateralidade de uma organização europeia.
Esta proposta ambiciosa, a primeira oficial de um governo europeu inspirada pelo movimento integracionista então em curso, não foi, porém, bem aceite pelos diversos círculos políticos europeus, à excepção do alemão, cujo chefe de governo, Gustav Stresemann, se declarou favorável à ideia, sugerindo, até, a unificação das moedas e a criação de um selo postal comum a toda a Europa. Os Britânicos, por seu lado, consideraram a ideia demasiado prematura, enquanto, em Itália, Mussolini fê-la depender da colocação, em comum, de todas as colónias europeias. Mesmo em França o entusiasmo com a proposta de Briand não foi grande, merecendo críticas, quer da direita, quer de alguns segmentos da esquerda. Léon Blum chegou mesmo a apontar-lhe a ambiguidade de pretender angariar seguidores de ambos os lados, ao propor a estranha criação de laços federais entre os Estados sem, contudo, implicar a perda de soberania destes.
Apesar destas oposições, a proposta deu lugar à redacção, pelo próprio Briand, de um memorando que serviria de base a uma consulta geral aos governos europeus. Memorando modesto, que estabelecia apenas a criação de uma agência federal da Sociedade das Nações visando a instituição de um mercado comum entre os Estados europeus através de diversos acordos económicos, e que recebeu a aprovação, sem contudo reunir grandes entusiasmos, destes mesmos Estados à excepção da Grã-Bretanha.
O caminho aberto por Briand com estas iniciativas ficava, porém, por aqui. A morte do chefe do governo alemão, Gustav Stresemann, em Outubro de 1929, a brusca queda da Bolsa de Nova Iorque no mês seguinte com o início consequente da Grande Depressão dos anos trinta e a vitória eleitoral dos nazis na Alemanha, a 14 de Setembro do ano seguinte, alteraram totalmente o ambiente internacional em que o movimento europeu evoluía, determinando, por ora, algum abrandamento. De todo o esforço ficava, apenas, a criação, em 1930, pela Sociedade das Nações, por impulso de Briand e do secretário geral do Quai d`Orsay, Aléxis Léger – o qual inventara, mesmo, as expressões que, nos anos 1950, viriam a mobilizar os Europeus: aproximação das economias europeias, mercado comum – de uma Comissão de Estudos para a União Europeia, que logo após a morte de Aristide Briand, em 1932, ver-se-ia, porém, dissolvida.
Na verdade, a partir de 1932, terminava o período de euforia e o mundo entrava numa época de agravamento das relações internacionais que acabaria por conduzir à Segunda Guerra Mundial.
A ideia de Europa entrava, todavia, no domínio político, com homens de pensamento a originar vasta literatura que propunha, em conjunto, os Estados Unidos da Europa. Foi neste contexto que Gaston Riou, em 1928, veio propor uma Federação Continental Europeia com o objectivo de evitar que a Europa fosse dividida entre os Estados Unidos, a União Soviética e a Grã-Bretanha, os três blocos organizados que ameaçavam o Velho Continente. Em 1929, Carlo Sforza, ex-ministro dos Estrangeiros da Itália, propunha, a partir do exílio a que Mussolini o condenara em 1925, os Estados Unidos da Europa e, em 1939, falaria da Síntese da Europa. Bertrand de Jouvenel, em 1930, falaria também dos Estados Unidos da Europa, em obra do mesmo ano em que Herriot, na sua Europe, propunha a união europeia com a participação da Grã-Bretanha. Também Arthur Salter, em 1933, falaria dos Estados Unidos da Europa e d`Alia, no ano seguinte, da Confederação Europeia.
Ao mesmo tempo que autores vários pululavam no contexto do ideário europeu, a nova estrutura política europeia resultante do fim do Primeiro Conflito Mundial demonstrava que, em lugar de resolver os problemas nacionais, aumentara-os, ao acirrar os nacionalismos, então conscientes das humilhações por que o tratado de paz os fizera passar.
Ao mesmo tempo, generalizava-se a crise económica da Grande Depressão, enquanto, na Alemanha derrotada, os nacional-socialistas extremavam posições, apelando à desforra relativamente às restrições impostas pelo Tratado de Versailhes que, aos poucos, começavam a violar.
Neste contexto, tiveram origem os movimentos autoritários extremistas na Europa, como o Fascismo italiano, liderado por Benito Mussolini, combatente da Primeira Guerra Mundial, fundador do Partido Nacional Fascista e o Nazismo alemão, liderado por Adolf Hitler.
Após a derrota na guerra de 1914-18, os generais obrigaram Guilherme II a abdicar, proclamando-se, na Alemanha, a República de Weimar.
No clima de descontentamento que se seguiu à humilhação da derrota, a Alemanha viu surgir o Partido Nacional-Socialista (ou Nazi), chefiado pelo austríaco Hitler, que em 1923, após uma tentativa frustrada de golpe de Estado, seria preso, época em que redigiria o programa político do Nazismo, o Mein Kampf.
Ascendendo ao poder na Alemanha em Janeiro de 1933, depois de ter capitalizado a seu favor, e de forma eloquente, a humilhação da Alemanha, os ressentimentos e sentimentos revanchistas do povo e os próprios efeitos, particularmente nefastos para a Alemanha, da crise económica mundial, Hitler tornou claro os propósitos que o moviam: destruir o tratado de 1919 e reunir, num único Estado, todos os povos que considerava europeus, incluindo uma extensão territorial a Leste, à custa dos povos eslavos. No Outono do mesmo ano, Hitler demonstraria a pressa em concretizar o projecto que elaborara, ao retirar a Alemanha da Sociedade das Nações e da Conferência do Desarmamento que então decorria.
Militarizando a Renânia, Hitler concluiu com Mussolini uma aliança, o Eixo que, durante a guerra civil espanhola de 1936-39, enviaria tropas de apoio ao general Franco, cuja vitória sobre os republicanos seria também uma vitória do Eixo.
Dando seguimento ao projecto, Hitler anexou, em 1938, a Áustria e, no início do ano seguinte, ocupou a parte que lhe faltava da Checoslováquia. Pretendendo passar à etapa seguinte, a Polónia, o Führer concluiu com a União Soviética de Estaline um pacto de não agressão que continha cláusulas prevendo a divisão da Polónia entre ambos. Aberto o caminho, Hitler invadiu a Polónia a 1 de Setembro de 1939, dando início à Segunda Guerra Mundial, que apenas terminaria em 1945, com a vitória dos Aliados e a capitulação incondicional da Alemanha, a 7 de Maio.
A guerra, porém, não interveio de forma negativa junto da evolução da ideia de Europa.
Na verdade, a ideia de união europeia não seria afastada do espírito dos Europeus, pesasse embora a alteração do ambiente internacional em que a mesma ideia começara, de forma mais concreta, a esboçar-se.
De certa forma, a ideia de unidade do continente europeu ganhou, até, algum vigor, na década que precedeu o eclodir da Segunda Guerra Mundial. Por um lado, o projecto foi instrumentalizado pelos totalitarismos da época, acentuando-se uma vertente política que, até então, pouco peso tivera. Assim, Lenine propôs a criação de uns Estados Unidos Republicanos da Europa, os Estados Unidos Operários da Europa, com o objectivo claro de angariar adeptos ocidentais para a Revolução Bolchevique, apoiando a revolta comunista na Alemanha e pretendendo estendê-la a Paris. Hitler, a seu modo, quase conseguiu estabelecer, pela repressão, pela força e pela propaganda, uma unificação europeia que, aliás, fazia parte dos objectivos que perseguia. Segundo afirmava, o objectivo da nossa luta deve ser criar uma Europa unificada. Os Alemães, sozinhos, podem realmente organizar a Europa, enquanto os restantes Estados europeus posicionar-se-iam, nessa Europa unida dirigida pela Alemanha, o Grossdeutsches Reich, o Grande Reich alemão, segundo um ordenamento claro e específico, de acordo com as doutrinas do Lebensraum e a Teoria dos Grandes Espaços com Estado Director, segundo brochura sua publicada em 1939. A Europa via, por esta forma, nascer um europeísmo totalitário que, embora mantivesse vivos a ideia e o projecto da unidade europeia, havia pervertido e corrompido o verdadeiro e grande ideal dessa unidade.
Paralelamente, nascia, também, sobretudo na França, na Bélgica e na Holanda, um europeísmo da resistência que, de outra forma, e por seu lado, revigorava a ideia de unidade do continente europeu.
Efectivamente, durante a decorrência do conflito mundial, os Europeus uniram-se em torno da ideia de opor, ao projecto de Hitler de unir, pela violência e pela força, o continente, o ideal de uma Europa federal assente na livre adesão dos Estados democráticos que o desejassem, dando origem ao espírito europeu de resistência ao inimigo nazi, passo fundamental para acelerar o processo europeu outrora iniciado.
Assim, logo em 1939, Léon Bum tomava posição a favor de uma Europa federal, ao defender a integração da Alemanha numa organização da Europa que fornecesse garantias sólidas contra o regresso dos atentados da força e a independência das nações no seio de uma Europa federal e desarmada.
Na Grã-Bretanha, a Federal Union prosseguia os estudos sobre a necessidade e as condições de organizar os Estados democráticos da Europa numa federação, enquanto os precursores do movimento europeísta da resistência, os antifacistas italianos, dentre os quais Altiero Spinelli, deportados para a ilha de Ventotène, faziam circular clandestinamente, em 1941, o Manifesto de Ventotène, que advogava uma constituição europeia elaborada por uma assembleia europeia e a ser ratificada pelos parlamentos nacionais, fundando, assim, o Movimento Federalista Europeu, em Agosto de 1943, já depois da queda de Mussolini. Por esta altura, o Movimento dotar-se-ia de uma organização e elaboraria o seu programa e a estratégia de acção, propondo como única solução, para o Mundo e para a Europa, a criação de uma federação europeia.
A resistência francesa partilhava da mesma visão europeísta. No decurso do mesmo ano de 1943, o Movimento Combat, criado dois anos antes, rodeava-se de numerosas personalidades de relevo para a construção europeia: Henri Frenay, Henri Teitgen, Albert Camus, Georges Bidault, entre outros, enquanto estes e muitos outros nomes iniciavam a participação no Comité Geral de Estudos, criado, nesse ano, por Jean Moulin, delegado-geral do então Presidente francês de Gaulle. Simultaneamente, advogava Robert Brasillach o colaboracionismo em nome da aliança franco-alemã, indispensável para estabelecer-se qualquer paz na Europa – paz que jamais poderia existir sem a indestrutível França e sem a indestrutível Alemanha.
Por sua vez, Thomas Mann, na Grã-Bretanha, dirigia-se aos Europeus através da rádio Nova Iorque, em Janeiro de 1943, afirmando que o grande ideal da Europa foi pervertido e corrompido pelo nazismo, que, há dez anos, conquistou a Alemanha e conseguiu, graças à vossa desunião, subjugar todo o continente. Esta conquista é apresentada pelos nazis como a unificação da Europa, como a «ordem nova». De todas as falsidades de Hitler, a mais insolente é a ilusão europeia, a perversão da ideia europeia! Saibam, ouvintes europeus, a verdadeira Europa será criada por vós, com a ajuda das potências livres.
Na própria Alemanha, a ideia europeia fazia o seu caminho, por entre aqueles que se opunham ao nazismo, como Friedrich Goerdeler, que se juntava ao círculo que unia católicos e protestantes, conservadores e socialistas mobilizados todos contra o nazismo pela defesa da paz, em nome de uma união das nações europeias e de uma comunidade europeia para a reconstrução económica. Também na Universidade de Munique, o Professor Huber impulsionava o movimento Rosa Branca, propondo a estruturação federal da Alemanha e da Europa, levando mesmo a cabo, em Fevereiro de 1943, uma manifestação estudantil cujos líderes seriam barbaramente executados.
Foi assim que, no decurso da Segunda Guerra Mundial, os movimentos nacionais de resistência ao inimigo nazi prepararam a criação da Europa unida, lançando diversas iniciativas que culminariam no estabelecimento de um secretariado permanente encarregue de coordenar os esforços de todos aqueles movimentos para a libertação dos respectivos países e para a organização da união federal dos povos europeus, elaborando um projecto para essa União, de características tipicamente federais: cedência dos Estados, à Federação, das prerrogativas soberanas respeitantes à defesa nacional, às relações externas, ao intercâmbio e às comunicações internacionais; existência de um governo federal único, paralelamente aos governos nacionais, de um Tribunal Supremo e de um Exército comuns.
Embora sem concretização real, este projecto de União, juntamente com todas as outras iniciativas registadas, demonstra a importância e o papel desempenhado pela corrente federalista na resistência ao nazismo. Mais do que o comunismo ou o nacionalismo, foi o federalismo que animou a resistência, exercendo uma influência determinante na orientação da política europeia, que depois da guerra teria ocasião de se manifestar, quando os actores e protagonistas saíssem da clandestinidade.
O final da guerra afigurou-se, neste contexto de união de esforços, ainda mais decisivo, pois o caos em que a Europa se encontrava mergulhada constituiu uma situação capaz de, novamente, revigorar a ideia de União Europeia que o conflito não havia deixado cair no esquecimento. Destroçada, a Europa carecia de uma reconstrução rápida, desta vez assente em alicerces mais sólidos que os nacionalismos sobre os quais havia sobrevivido durante tanto tempo.
Foi a partir da constatação desta necessidade incontornável que a construção do edifício europeu sofreu um avanço considerável, embora reflectido e cauteloso, graças ao qual podemos desfrutar da União Europeia em que hoje vivemos. O que realmente explica, desta forma, o nascimento das Comunidades Europeias e os progressos posteriores é, assim, a evolução registada, no palco europeu, da Segunda Guerra Mundial até aos nossos dias, na tentativa de pacificar as conflituais relações entre a França e a Alemanha, por um lado, de fazer face à ameaça soviética que então começava a nascer, por outro e de enfrentar o desafio norte-americano, por outro lado ainda.
De facto, o fenómeno comunitário, tal como nós o conhecemos hoje tem, na sua origem, uma questão política, a tentativa ou o projecto de resolução de um problema político, o das relações de equilíbrio de poder entre os Estados europeus, designadamente da França e da Alemanha, as duas potências continentais europeias cujo choque de interesses desencadeara o conflito de génese absolutamente europeia – como já acontecera ao longo de todo o século XIX e na guerra de 1914-1918 –, no quadro caótico do imediato pós-guerra. No centro da reflexão e das propostas para a reorganização do continente europeu afirmava-se, assim, a necessidade de institucionalização de um sistema de relações estáveis e duradouras entre os países europeus, que potencializasse a convergência de interesses, de modo a impedir a ocorrência de um novo conflito mundial e de modo a organizar, sistematizar e enquadrar as relações entre aquelas duas potências continentais. O perigo soviético viria, um pouco depois, mas de forma decisiva, reforçar a necessidade de se estabelecer a unidade europeia.
A Europa dos pais fundadores nasceu, assim, do tratado de paz firmado entre as potências que compunham o Império Carolíngio, da união de esforços de Konrad Adenauer, um renano vizinho da França, Robert Schuman, um loreno germanizado e Alcide de Gasperi, um italiano influenciado pela cultura danubiana, sob a qual nascera. E, de facto, se a Santa Aliança estruturara a unidade europeia com base na Santíssima Trindade da Rússia, Prússia e Áustria, se Hitler pretendera concretizar o Lebesraum europeu à maneira ariana e Lenine através da reunião do messianismo russo ao sonho comunista de Karl Marx, os pais fundadores da Europa Unida procuraram concretizar a unidade europeia através da edificação de uma economia social de mercado capaz de enfrentar, tanto o perigo soviético, como o desfio norte-americano.
Este projecto defrontar-se-ia com o conflito que, imediatamente após a conflagração mundial, nasceria pujante e agudizar-se-ia ao longo de toda a segunda metade dos anos 1940. Incapaz de reagir às querelas mundiais e sem capacidade para se opor ao recuo definitivo do Euromundo, a Europa assistia impávida e passivamente à ascensão súbita dos Estados Unidos e da União Soviética ao patamar de superpotências mundiais, assim como ao conflito ideológico, com repercussões no plano político, no plano económico e no plano militar, que entre estas emergia, na estruturação da ordem internacional do Bipolarismo, assente nos Pactos Militares que não tardariam a aparecer, e no seio da qual o Terceiro Mundo desempenharia o papel de zona de confluência, no qual os conflitos passariam a desenrolar-se por procuração dos Dois Grandes.
Depois de ter sido criado o cordão sanitário a Leste, Churchill evocava, em 1946, a Cortina de Ferro, estruturando o ambiente que levaria, não muito depois, à edificação do muro, dito de Berlim por ter dividido a cidade, e que até 1989 definiria as zonas de actuação de cada uma das superpotências. A Europa passava a identificar-se com a Europa Ocidental, enquanto eram esquecidas as Europas Central e de Leste.
A Europa, então Ocidental, via renascer o espírito universalista capaz de enterrar os nacionalismos extremados. Afinal, diante da realidade do Bipolarismo, no seio do qual a Europa não era tida nem achada, tornava-se evidente que cada Estado europeu teria, ele próprio, de defender-se internamente contra o Comunismo e, externamente, contra a pressão soviética, e, até, contra o desafio que representava a pujança económica dos Estados Unidos. Os desafios eram grandes e à altura mostravam-se dos sonhos longamente sonhados e nunca concretizados da unidade europeia. O projecto europeu ganhava, agora, as condições que o permitiriam realizar-se plenamente, já que uma acção concertada dos líderes europeus parecia agora mais pertinente do que nunca. Os governos europeus optaram, então, neste momento, e apenas neste momento, por enveredar pela via da cooperação que não mais abandonariam.
Ganhara-se consciência de que isolados, os pequenos países eram particularmente vulneráveis à agressão e que as dificuldades que surgiram no imediato pós-guerra exigiam soluções inovadoras para todos beneficiarem. De uma forma geral, os governos europeus eram favoráveis a esta tendência, embora, evidentemente, nem todos demonstrassem ter a mesma atitude face a uma eventual União Europeia.
A Grã-Bretanha, que desempenhara um papel de relevo durante a Segunda Guerra Mundial, da qual saíra com considerável prestígio, não dedicava, à unidade europeia, a principal atenção, dirigida sobretudo para as ligações com a Commonwealth e com os Estados Unidos. Tratava-se, por um lado, de manter as possessões coloniais, que lhe conferiam um papel mundial a jogar na sociedade internacional, dadas as ambições britânicas de, malgrado as perdas sofridas com a guerra, tornar-se a terceira potência e, por outro, de manter a relação privilegiada que durante o conflito havia desenvolvido com os Estados Unidos, que os Britânicos consideravam mais capazes que os Europeus para resolver os problemas da segurança e do equilíbrio do continente. Relativamente aos países europeus, as relações estruturavam-se sobretudo sobre o plano bilateral, não concebendo os Britânicos qualquer forma de organização europeia que lhes limitasse a soberania e a liberdade de acção. A cooperação, compreendiam-na apenas de um ponto de vista pragmático, aceitando-a, desde que fosse de encontro às necessidades e aos interesses britânicos, apoiando, por conseguinte, apenas a constituição de um mercado único na perspectiva da liberalização mundial das trocas.
Os restantes países da Europa Ocidental manifestavam posições bem diferentes, até porque estavam em situações totalmente distintas. Assim, perante a destruição e as enormes perdas sofridas com a guerra, nos países vencedores o nacionalismo surgia forte, ao mesmo tempo que a ideia de unidade europeia se transformava em esperança de solução dos problemas postos pela reconstrução e pela ameaça soviética. Os países do Benelux, porém, embora favoráveis ao projecto integracionista, temiam sair da órbita britânica para depois virem a ser dominados pelos grandes Estados europeus, do mesmo modo que os Escandinavos, que se sentiam separados da Europa continental e gravitavam na esfera britânica. Para os países vencidos, a Itália e sobretudo a Alemanha, a ideia de Europa surgia como uma forma de sair do isolamento, reencontrar a igualdade de direitos entretanto perdida e consolidar a democracia.
A França encontrava-se numa situação particular, fazendo a política externa oscilar entre duas orientações. De um lado, a tentativa, semelhante à britânica, de manter-se como grande potência mundial, sem para tal dispor, contudo, dos necessários meios e, de outro, a compreensão pela necessidade da união europeia, na qual pretendia também integrar-se.
Ambiguamente, a França desenvolveu, assim, de início, uma política de equilíbrio entre o Leste e o Ocidente, procurando um bom relacionamento com as partes que davam indícios de se tornar inimigas. Com a oficialização do Bipolarismo, a política externa francesa teve de alterar-se. A necessidade de ajuda económica e militar norte-americana impedia-a de manter-se equidistante dos dois Grandes, obrigando-a a aproximar-se do Ocidente. Mantendo as ambições de tornar-se uma potência capaz de igualar-se aos Estados Unidos e à União Soviética, a França apenas partilhava da ideia europeia desde que o processo se desenvolvesse de modo a poder assumir-se como líder, mantendo, assim, o estatuto de grande potência de outrora.
Não obstante o posicionamento particular de cada Estado europeu ante o projecto de unidade da Europa Ocidental, a verdade é que a ideia ganhava sucessivamente mais adeptos, como forma de solucionar os problemas relativos à reconstrução dos países afectados pelo conflito mundial, num esquema que garantisse para sempre a paz, através da pacificação das conflituais relações franco-alemãs.
Neste sentido foi uma pequena reflexão de Jean Monnet, feita em Argel, ainda durante a guerra, em 1943, na qual considerava que não haverá paz na Europa se os Estados se reconstruírem na base da soberania nacional, com o que ela traz de política de prestígio e de protecção económica. Se os países da Europa se protegerem de novo uns contra os outros, a constituição de vastas forças armadas será de novo necessária. E assim se assistiu ao nascimento, em Londres, também durante a guerra, do projecto de criação do Benelux, a partir dos contactos entre os dirigentes exilados da Bélgica, da Holanda e do Luxemburgo.
O próprio de Gaulle, não obstante a hostilidade que mais tarde viria a manifestar contra qualquer projecto supranacional, declarou, numa conferência de imprensa, em Argel, em 1944, que era necessário, uma vez restabelecida a paz, tentar agrupar, ao menos, os Estados da Europa Ocidental.
Seria, porém, Winston Churchill, temporariamente afastado das responsabilidades políticas na Grã-Bretanha, por causa da vitória do Partido Trabalhista nas eleições realizadas antes mesmo do fim da guerra no Pacífico, e então como líder da oposição conservadora, a ter um papel de relevo no movimento para a unidade europeia, designadamente ao lançar a campanha de opinião em favor dessa unidade.
Tendo consciência da ameaça soviética e sentindo a necessidade de tomar medidas antes de novas manifestações dos nacionalismos europeus – exacerbados pela tentativa de Hitler de criar uma Europa Germânica –, Churchill, seguro de que a unidade europeia dependia da reconciliação franco-alemã, decidiu envolver-se activamente nos movimentos de opinião tendentes a divulgar e fazer avançar o projecto de integração da Europa, considerando que tal união comportava a reconciliação prévia entre a França e a Alemanha e implicava a constituição, entre ambos, de uma confederação capaz de garantir uma comunhão de destinos, como pedra angular de qualquer projecto de união europeia.
Com estas ideias, Churchill fez um discurso, na Universidade de Zurique, a 19 de Setembro de 1946, que impressionou vivamente a opinião pública europeia e os líderes políticos responsáveis pelos países da Europa Ocidental, criando um entusiasmo generalizado, já que apelava à união dos povos europeus, que procurava congregar, obviando, também, às constantes disputas entre as duas potências continentais europeias.
No seguimento deste discurso, e embora, em muitos aspectos, o caminho estivesse já preparado, renasceu o pensamento que conduziria à Europa integrada, com movimentos de diferentes tendências políticas e económicas, correspondendo, sobretudo, a duas concepções distintas de unidade europeia: a federação ou a simples associação de Estados.
Os mais audaciosos eram os federalistas que, logo em Dezembro de 1946, criaram, em Paris, a União Europeia dos Federalistas, um novo grupo integrando cerca de cem mil membros, constituindo a primeira semente de um partido político que, ultrapassando as fronteiras nacionais, afirmava-se como verdadeiramente europeu. Em 1947, publicaria um programa federalista que abarcava todos os aspectos de uma federação europeia e, mais tarde, em 1959, adoptaria a designação de Movimento Federalista Europeu, agrupando, em seu seio, os diversos movimentos federalistas que se multiplicavam na Europa Ocidental, assim como movimentos representando personalidades oriundas da Europa de Leste. Os membros da nova União reuniram-se em congresso em Montreux, em Agosto de 1947, naquilo que seria a primeira grande manifestação pró-europeia do pós-guerra. Com discurso inaugural de Churchill, os membros decidiram-se pelo objectivo de criar uma federação com um governo europeu responsável, em primeira e última instância, perante os cidadãos e os grupos e não perante os Estados federados, que transfeririam a respectiva soberania para aquele governo, assumido como organismo superior.
Neste congresso, Denis de Rougemont propôs à reflexão dos participantes os seis princípios nos quais deveria, a seu ver, assentar uma federação.
O primeiro deles era o de que a federação só poderia nascer se houvesse uma renúncia a todas as ideias hegemónicas. O segundo era o de que tinha, para o mesmo efeito, de haver uma renúncia a qualquer espírito de sistema, já que federar significa dispor em conjunto as nações, as realidades económicas e as tradições políticas que se pretendem ver unidas. Como terceiro princípio, referia que o federalismo não conhece problemas de minorias e, como quarto, que a federação pretende salvaguardar as realidades próprias de cada parte, em lugar de pretender dilui-las num único bloco hegemónico. Por esta razão, o federalismo opõe-se, como quinto princípio, ao espírito totalitário, proclamando o amor da complexidade. Como último princípio, Rougemont referia que a federação não se constrói de uma só vez, por imposição dos governos que se federam; antes resulta de um processo gradual, através do qual as pessoas e os grupos se vão unindo, por iniciativa própria. Neste sentido, considerava Rougemont que a federação europeia era uma realidade quase completa, tendo maturação histórica e estruturas, faltando-lhe apenas uma carta federal constitutiva.
Maurice Allais, também presente no congresso, completou esta visão política de Rougemont, abordando a federação do ponto de vista económico, e salientou que deveriam ser entregues à federação todos os itens em relação aos quais houvesse, ou pudesse haver, desentendimentos entre os Estados federados, designadamente a regulamentação das condições monetárias, das matérias ligadas ao comércio, ao movimento de capitais e à população, entre outros. Para ele, a federação económica era, desde logo, indissociável da federação política, sendo esta indispensável para que aquela pudesse ser aplicada bem como necessária para que esta fosse duradoura.
Em Junho de 1947, um outro importante movimento europeu de cariz federalista apareceria, em Londres, sob o nome de Comité Internacional de Estudos e Acção para os Estados Socialistas da Europa, fundado por diversas personalidades das áreas socialista, sindicalista e social-democrata. Em Novembro de 1948, transformar-se-ia em Movimento Socialista para os Estados Unidos da Europa, dirigido por Paul-Henri Spaak e, mais tarde, no início da década de sessenta, em Esquerda Socialista.
Do lado democrata-cristão também se registaram iniciativas pró-europeias, designadamente a criação, no início de 1947, das Novas Equipes Internacionais, visando a realização de uma democracia social que se aproximava das teses federalistas e animada dos valores cristãos, transformando-se, em 1965, na União Europeia dos Democratas-Cristãos.
Partidários, não da federação, mas da simples cooperação ou associação de Estados, outros movimentos europeus se fundaram, como o United Europe Movement, criado na Grã-Bretanha, em Maio de 1947, sob o impulso de Churchill, seu presidente, visando o estabelecimento, na Europa, de uma espécie de confederação ou commonwealth europeia.
De cariz semelhante, foi criado, em França, em Junho do mesmo ano, um órgão paralelo, o Conseil Français pour l`Europe Unie - absorvido, em 1953, pelo Movimento Europeu, em virtude do carácter unionista que possuía -, enquanto, na Alemanha, surgia o Deutsch Rat der Europaischen Bewegung.
Não se mostrando alheios a todo este processo, grupos profissionais ensaiaram também experiências de união. Assim, os economistas e homens de negócio, sobretudo da França e da Bélgica, fundaram, em 1946, a Ligue Europeénne de Coopération Économique, presidida pelo antigo primeiro-ministro belga Paul Van Zeeland e de tendência liberal. Em 1945 havia já surgido a Confederação Europeia da Agricultura e, em 1949, nascia o Conselho das Federações Industriais da Europa, enquanto o mundo sindical se mostrava também disposto a acompanhar a tendência unionista na Europa, com a criação da Confederação Internacional dos Sindicatos Livres e da Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos.
Em outro plano, o que restava da União Pan-Europeia de Coudenhove-Kalergi, o mesmo reorganizou, a partir dos parlamentos nacionais, a União Parlamentar Europeia. Tendo como ponto de partida um inquérito feito aos parlamentares de todos os países democráticos da Europa, sobre a concordância, ou não, com uma federação europeia a criar no quadro das Nações Unidas, Kalergi concluiu pela posição favorável dos eleitores. Uma vez que a maioria dos parlamentares – sobretudo da Itália, Luxemburgo, Grécia, Holanda, Bélgica e França, onde mais da metade dos parlamentares votara favoravelmente, contra apenas um quarto na Grã-Bretanha e um décimo na Suécia, Noruega e Dinamarca – concordara com tal projecto, então, naturalmente, a maioria dos eleitores era favorável à Europa. A União Parlamentar Europeia estabeleceu, então, como objectivo, a criação de uma assembleia europeia eleita pelos parlamentos nacionais.
Face a todo este florescimento de organizações e movimentos europeus, e com vista a evitar a dispersão de energias, a União Europeia dos Federalistas decidiu criar, no final de 1947, o Comité Internacional de Coordenação dos Movimentos para a Unidade Europeia, procurando assegurar a ligação coerente entre os diversos movimentos e organizações europeus sem lhes fazer perder a autonomia. A primeira preocupação deste novo Comité foi a de convocar, para a Haia, um congresso que se realizaria de 7 a 10 de Maio do seguinte com os objectivos declarados de demonstrar a existência, nos países democráticos da Europa Ocidental, de um movimento vasto de opinião em favor da unidade europeia, de discutir os problemas colocados pela concretização dessa unidade e de propor soluções.
Este congresso, dito da Europa, pelo êxito adquirido, dando expressão visível à preocupação de estabelecer laços institucionais duradouros entre os países europeus, reuniu, sob a presidência de honra de Winston Churchill, cerca de oitocentas personalidades oriundas de quase todos os países da Europa Ocidental, a fina flor do pensamento europeu, dentre os quais se contavam figuras que posteriormente vieram a ser consideradas os pais fundadores da Europa unida: Churchill, Robert Schuman, De Gasperi, Jean Monnet, Léon Blum, Konrad Adenauer.
Grande fórum internacional de debate dos problemas da reorganização da Europa Ocidental, neste congresso defrontaram-se três correntes de pensamento, relativas a este assunto.
Desde logo, a orientação constitucionalista ou federalista, defendida sobretudo por Franceses, Belgas, Italianos, Holandeses e pelos sindicalistas, preconizando a instituição de uma federação dos Estados Unidos da Europa, na qual integrar-se-iam os países que desejassem participar nesta estrutura integrada, que teria, como expressão jurídico-política, uma constituição, que seria submetida à aprovação dos parlamentos nacionais dos Estados-membros. Consideravam os federalistas ser necessário, ainda, instituir um parlamento europeu que fosse eleito por sufrágio directo e universal e possuindo um deputado por cada milhão de habitantes.
A orientação pragmática ou unionista, situada no pólo oposto, considerava que o Estado soberano, nascido com a Revolução Francesa, deveria continuar a ser o centro da organização política da Europa, embora se devessem instituir mecanismos de cooperação entre os Estados, com vista à concertação de posições. Estes mecanismos poderiam ser de cooperação económica, comercial, social e também política. Esta corrente, mais realista ou prudente, acreditava nas vantagens dos contactos intergovernamentais sem cedência de soberania e considerava que o objectivo último da unificação da Europa deveria ser alcançado progressivamente, através de uma cooperação cada vez mais estreita entre Estados soberanos.
Entre estes dois pólos de orientação divergentes, surgiu uma terceira posição, que veio a ser a corrente intermédia. Conhecida como a corrente funcionalista, considerava que as teses constitucionalistas ou federalistas não correspondiam à realidade das relações externas existentes na Europa. Entendia que só havia condições para impedir a reemergência de conflitos na Europa se esses Estados aceitassem a criação de um sistema de relações que fosse para além da mera cooperação entre os governos, e implicasse uma certa partilha do exercício do poder, através da criação de organismos, de organizações internacionais a que fossem atribuídas funções específicas para a cooperação no plano económico, no plano comercial e, também, no plano político. Tudo isto, sem se falar, no imediato, de uma federação. Não seria, porém, a tendência federalista a vitoriosa. A tendência unionista, defendida sobretudo pelos conservadores britânicos, prevaleceria ante a federalista, ainda que apenas no curto prazo e no que diz respeito às propostas concretas formuladas aos governos. Na verdade, a longo prazo seriam as teses federalistas as vitoriosas, por ser a ideia de Europa por estas propagadas que viria, ao longo das décadas de edificação da União Europeia, a ser seguida.
Em nome das conclusões do Congresso da Haia, foi criado, a 25 de Outubro de 1948, em Bruxelas, o Movimento Europeu, procurando, não substituir os movimentos existentes, mas enquadrá-los, coordenando a sua acção e representando-os perante os governos. E, na verdade, todos os movimentos europeus aderiram ao novo Movimento, à excepção da União Parlamentar Europeia, que, contudo, em 1952, transformar-se-ia em Conselho Parlamentar do Movimento Europeu.
Sob a presidência de honra de Sir Winston Churchill, Léon Blum (ao qual sucederia Robert Schuman), Paul-Henri Spaak, Alcide de Gasperi, o Movimento demonstrou, desde logo, pretender situar-se acima das tendências políticas, para elaborar um programa de acção europeia que, através de uma actuação coordenada ao nível da propaganda, teria grande reflexo ao nível da opinião pública. De tal modo que, quando os governos europeus decidiram desencadear iniciativas, o terreno estava já preparado, tendo essas iniciativas sido bem acolhidas pela maioria das opiniões públicas.
A opinião pública europeia estava já, de facto, totalmente preparada para os esforços concretos no sentido da edificação da Europa, que iriam, a partir de então, desenvolver-se em duas frentes: a da cooperação, no pleno respeito da soberania dos Estados europeus, e a da integração, que acabaria por impor-se e que pretendia instituir um Estado federal entre os Estados participantes.
A cooperação intra-europeia para a reconstrução, auxiliada pelo Marshall Aid, que desembocaria, em 1948, na criação da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE) e na União Europeia de Pagamentos, em 1950, decorria promissora, paralelamente aos esforços de cooperação militar desenvolvidos com o Tratado de Dunquerque, de 1947 e o Tratado de Bruxelas, do ano seguinte. Simultaneamente, o Conselho da Europa conhecia a luz do dia em 1949, ano que marcava, também, o início do milagre económico alemão, relançando a necessidade da resolução do problema alemão, especialmente no tocante à readmissão da Alemanha Federal no concerto das potências europeias ocidentais.
O ano de 1949 marcava, com efeito, uma viragem decisiva na luta do povo alemão pelo ressurgimento económico e político. A 7 de Setembro, era proclamado o fim do regime de tutela a que desde o fim da guerra a Alemanha Ocidental, ocupada pelas três potências aliadas, estivera submetida. A 14 do mesmo mês, realizavam-se eleições e, no dia seguinte, Konrad Adenauer tornava-se chanceler. No plano internacional, a Alemanha Ocidental reencontrava, lentamente, um lugar para ocupar, tornando-se membro da Organização Europeia de Cooperação Económica a 31 de Outubro e sendo convidada, a 31 de Março de 1950, a tornar-se membro associado do Conselho da Europa. O mundo assistia, assim, ao renascimento da Alemanha Ocidental como Estado dotado de personalidade, de um governo próprio e do desejo de obter a igualdade de direitos no relacionamento com os restantes países da sociedade internacional.
A partir de então, a República Federal da Alemanha não mais poderia ser ignorada nem excluída das grandes correntes do movimento europeu, sob pena de se criar uma situação perigosa para a Europa Ocidental, que jamais poderia considerar-se verdadeiramente integrada enquanto dela estivesse ausente a grande nação germânica.
Tornava-se, pois, necessário, realizar esforços no sentido de integrar a Alemanha Ocidental nos movimentos europeus, resolvendo, simultaneamente, a questão das relações franco-germânicas, segundo havia proposto Churchill.
Foi assim que, numa conferência de impressa realizada no Quai d`Orsay, a 9 de Maio de 1950, o governo francês fez aos parceiros europeus uma proposta verdadeiramente explosiva, pela voz do ministro dos Estrangeiros, Robert Schuman, ele próprio totalmente empenhado na busca de uma solução que terminasse de vez com a rivalidade franco-alemã. Oriundo de uma família lorena, estabelecida no Luxemburgo logo após a anexação alemã, tendo feito os estudos na Alemanha e em Estrasburgo, Robert Schuman, homem de fronteira, havia-se empenhado, desde os tempos da ocupação, na procura incessante de uma solução que pusesse fim às constantes tensões franco-alemãs. O governo francês, à época inclinado, com as forças centristas então no poder, ao aprofundamento de um processo de integração económica e política, tomou, então, na referida conferência de imprensa, uma iniciativa diplomática que ficaria depois conhecida como Declaração Schuman, através da qual Robert Schuman apresentou, aos parceiros da Europa Ocidental, sobretudo à Alemanha Federal, o projecto de criação de uma organização internacional dotada de competências de decisão e da possibilidade de adoptar medidas juridicamente vinculativas para os Estados participantes, que assumisse a responsabilidade de colocar, sob uma gestão comum, os sectores de actividade da extracção carbonífera e da siderurgia, o que implicava a colocação, sob uma autoridade comum, de qualquer eventual esforço de guerra franco-alemão, ao mesmo tempo que solucionava a problemática cobiça franco-alemã em torno das regiões do Sarre e do Ruhr.
Afinal de contas, ricas bacias hulhíferas, o Sarre e o Ruhr passavam, desde o final da Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871, da França para a Alemanha e desta para aquela, consoante o vencedor dos conflitos, da mesma forma que a Alsácia-Lorena, que entretanto desenvolvera, com o Sarre, forte interdependência económica. A exploração destas bacias carboníferas permitiria, tanto à Alemanha quanto à França, a independência energética face ao carvão importado, o que conduziria, não apenas à independência económica, como ainda à possibilidade de desenvolverem esforços de guerra de forma autónoma e pujante.
Vale lembrar, a este propósito, que ao final da Primeira Guerra Mundial, a França chegara a desenvolver um programa económico cuja trave mestra era o projecto siderúrgico que havia sido cuidadosamente elaborado, não pelos círculos da indústria pesada, mas pelo Quai d`Orsay, com o objectivo de, retirando o Sarre e o Ruhr à Alemanha derrotada, retirar-lhe o potencial energético que a permitiria prosperar.
A iniciativa de Schuman, dando voz aos desígnios de Jean Monnet, apresentava, por conseguinte, a virtualidade de propor um objectivo eminentemente político alcançável mediante uma estratégia eminentemente económica, já que lograva pacificar as tensas relações franco-germânicas através da colocação do conjunto da produção franco-alemã do carvão e do aço sob o controle de uma Alta Autoridade, numa organização aberta à participação dos restantes países da Europa Ocidental, o que equivalia determinar que qualquer Estado-membro deixaria de ter o controle da própria produção daquelas matérias-primas, passando, desta forma, o potencial económico e o esforço de guerra a estar sob controle de uma organização internacional.
Schuman afirmava, por outro lado, que a Europa não se fará de um só golpe, que jamais se poderia construir com base nas querelas constantes entre a França e a Alemanha e que a criação de bases comuns económicas entre a França e a Alemanha era o primeiro passo para a futura federação europeia, tornando clara, se dúvidas houvesse, a ideia de uma integração que, muito mais do que económica, visaria politicamente soerguer-se.
A ideia do governo francês era, na realidade, a de que o órgão de decisão por excelência, no quadro desta organização internacional, não deveria ser de representação intergovernamental, antes constituído por personalidades independentes dos respectivos governos, que comporiam uma autoridade supranacional a responder, em exclusivo, perante uma Assembleia Parlamentar a criar no âmbito da organização internacional que se pretendia estruturar, como primeiro passo para que, a partir das bases funcionalistas da teoria dos pequenos passos de Monnet, a integração dos sectores do carvão e do aço pudesse espalhar-se aos restantes sectores económicos, num processo de spill over que haveria de abranger a globalidade da economia.
Seria assim que a França, a Alemanha, os países do Benelux e a Itália se envolveriam, em 1950, na negociação de um tratado internacional, que, uma vez ultrapassadas as divergências, designadamente as que opunham as concepções federalistas de Franceses e Alemães ao desejo dos restantes de caminhar mais lentamente no processo de integração europeia, seria assinado a 18 de Abril de 1951, em Paris, dando origem à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço a – CECA.
O fracasso das idealizadas Comunidade Europeia de Defesa e Comunidade Política Europeia, porém, juntamente com a solução pouco satisfatória para ultrapassá-lo, através da criação da União da Europa Ocidental, haveriam de conduzir os líderes dos Seis pela via mais prudente das solidariedades de parte, lentas e consistentes, por forma a moldar, numa matriz menos federalizante, as comunidades europeias que a construção do edifício europeu haveria, em breve, de erguer.
Seria nesta base que o Benelux redigiria, em 1955, o Memorandum do mesmo nome que seria discutido na conferência de ministros dos Negócios Estrangeiros da CECA, em Junho do mesmo ano, ao longo da Conferência de Messina. Tomava-se, na realidade, e progressivamente, consciência de que nenhum país europeu tinha, por si só, uma dimensão considerável, e comportava, por si só, um mercado suficientemente alargado que proporcionasse condições de expansão contínua da actividade económica. Era, pois, preciso, alargar os mercados, alargar o quadro em que actuavam as empresas, permitindo-lhes produzir, não apenas para mercados de dez, vinte, trinta, cinquenta milhões de consumidores, mas para mercados com cem, duzentos ou mais milhões de potenciais consumidores.
Depois de analisar as questões prementes e ultrapassar os pontos de vista divergentes, a Comissão, presidida pelo belga, activista dos movimentos europeus, Paul-Henri Spaak, haveria de elaborar o Memorandum Spaak, aprovado em Veneza, a 6 de Maio de 1950, o qual viria a servir de base à negociação de dois tratados internacionais que viriam a ser assinados em Roma, a 25 de Março de 1957, com a designação de Tratados de Roma, instituindo a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM), as duas Comunidades Europeias que viriam juntar-se a já existente Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, constituindo três organizações internacionais distintas que passariam a responder, em conjunto, pelo processo de integração europeia.
Estava construído o primeiro patamar do edifício europeu. A partir daqui, as mudanças sucederiam a uma velocidade dramaticamente acelerada. Às vezes positivas, outras nem por isso, a verdade é que o projecto europeu, sonhado e repensado vezes sem conta nessa História que é Europeia e que durante muito foi também mundial, via-se assim transformado em realidade. Evoluindo e retrocedendo, na dicotomia do aprofundamento dito político, mas durante muito tempo apenas económico, porém sempre alargando-se a novos membros, as Comunidades Europeias viriam a transformar-se naquilo que orgulhosamente hoje são. Ainda que tristemente embrenhadas numa União Europeia que, parte do sonho sonhado do projecto europeu, persistem em negar a universalidade da abertura, característica primeira que Monnet não se esqueceria de enunciar pela voz de Schuman.

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